A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin, que anulou as condenações proferidas contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nos processos relativos à Operação Lava-Jato, faz o petista retomar seus direitos políticos e se tornar elegível novamente. Na decisão, Fachin determinou que as condenações do petista sejam anuladas porque não é de competência da Justiça Federal do Paraná decidir sobre os casos do sítio de Atibaia, do triplex do Guarujá e do Instituto Lula. O processo agora será analisado pela Justiça Federal do Distrito Federal.
— O primeiro dos critérios para determinar jurisprudência é o local onde ocorreu o fato. Assim, a decisão do ministro sustenta o que muitos defensores já defendiam há algum tempo, que os processos não eram de competência da Vara de Curitiba — explica o doutor em direito penal pela USP Antonio Tovo.
De acordo com o ministro, o habeas corpus impetrado pela defesa de Lula apresenta, pela primeira vez, teses e precedentes sobre a competência da 13ª Vara — onde atuava o ex-juiz Sergio Moro. Na decisão, o ministro afirma que segue decisões anteriores do STF que determinaram que cabem à 13ª Vara Federal de Curitiba processos da Lava-Jato relacionados a crimes praticados "direta e exclusivamente" contra a Petrobras.
"Diante da pluralidade de fatos ilícitos revelados no decorrer das investigações levadas a efeito na operação 'lava-jato', a competência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba foi sendo cunhada à medida em que novas circunstâncias fáticas foram trazidas ao conhecimento do Supremo Tribunal Federal que, em precedentes firmados pelo Tribunal Pleno ou pela 2ª Turma, sem embargo dos posicionamentos divergentes, culminou em afirmá-la apenas em relação aos crimes praticados direta e exclusivamente em detrimento da Petrobras", resumiu Fachin.
Em outro momento, Fachin destaca que as acusações contra o petista envolvem outras empresas e não apenas a Petrobras.
"As regras de competência (previstas pela Constituição), ao concretizarem o princípio do juiz natural, servem para garantir a imparcialidade da atuação jurisdicional: respostas análogas a casos análogos. Com as recentes decisões proferidas no âmbito do Supremo Tribunal Federal, não há como sustentar que apenas o caso do ora paciente deva ter a jurisdição prestada pela 13ª Vara Federal de Curitiba. No contexto da macrocorrupção política, tão importante quanto ser imparcial é ser apartidário", complementa Fachin.
— Vejo a decisão com bons olhos. Ela faz sentido se observarmos o que já vinha sendo decidido pelo Supremo, de que nem todos os processos eram de competência da 13ª Vara — analisa o advogado criminalista e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) André Callegari.
Para o especialista em direito criminal Miguel Pereira Neto, a decisão é "tecnicamente correta".
— Se tivesse reconhecido a incompetência (da Vara de Curitiba) desde o início, não haveria o esvaziamento dos princípios e das garantias constitucionais. O vício era evidente e finalmente o STF o reconhece. A fundamentação da decisão se estende a outros acusados e condenados. O processo não é de direita, nem de esquerda, é de direito, do juiz natural e imparcial, do devido processo legal — afirma Neto.
Janaina Paschoal, professora da USP e uma das autoras do pedido que culminou no impeachment de Dilma Rousseff, criticou a decisão.
"Com todo respeito ao ministro Fachin, em quase 30 anos do estudo do Direito, eu nunca vi, em sede de embargos de declaração, uma decisão com tanto impacto no mérito! Não houve a anulação apenas de uma ação penal, mas de quatro!", escreveu a hoje deputada estadual de São Paulo pelo PSL. "Independentemente de questões políticas, se essa decisão for mantida pelo Pleno, será difícil crer na Justiça", prosseguiu.
Decisão não absolve ex-presidente
A anulação das decisões não significa que o ex-presidente tenha sido absolvido das acusações. Callegari explica que, na decisão, Fachin não "adentra no mérito das acusaçoes", mas se refere apenas a questão processual.
—Fachin retira o processo de um juiz, que segundo o ministro não era o competente para julgar o caso, e remete os processos a outro magistrado. Esse novo juiz irá analisar o que pode ser aproveitado dos processos realizados em Curitiba. O que ocorre é que o processo é reiniciado, o novo juiz terá de se manifestar e ao final do trâmite pode condenar ou absolver Lula — explica Callegari.
Ao remeter o processo para o Distrito Federal, o juiz que analisará o caso será escolhido por distribuição, de forma aleatória.
Em relação ao fato de que Fachin já determinou que os processos sejam reiniciados na Justiça Federal do Distrito Federal sem encaminhar a decisão para uma nova análise, pela 2ª turma ou pelo plenário do STF, Callegari explica que, em casos que podem demorar a serem decididos, por exemplo, é normal que o ministro se manifeste sozinho.
No entanto, se houver recurso da decisão de Fachin, o caso deverá ser reanalisado pelo Supremo.
Deltan Dallagnol critica decisão
O procurador da República Deltan Dallagnol se manifestou, por meio das suas redes sociais, sobre a decisão. Ele diz que a mudança para Brasília faz com que os processos tenham "reais chances" de prescrição e que vê "retrocessos" no combate à corrupção:
"Esse é mais um caso derrubado num sistema de justiça que rediscute e redecide o mesmo dezenas de vezes e favorece a anulação dos processos criminais. Tribunais têm papel essencial em nossa democracia e devem ser respeitados, mas sistema de justiça precisa de aperfeiçoamentos. Processos envolvendo o ex-presidente serão retomados em breve em Brasília, mas com reais chances de prescrição. Várias questões serão rediscutidas nos tribunais. Nada disso, contudo, apaga a consistência dos fatos e provas, sobre os quais caberá ao Judiciário a última palavra.