Após dois anos de sucessivos atritos com o Congresso Nacional, o presidente Jair Bolsonaro está prestes a colher a maior vitória de seu governo, elegendo aliados para o comando das duas casas legislativas. O favoritismo de Rodrigo Pacheco (DEM-MG) no Senado e de Arthur Lira (PP-AL) na Câmara deve ser confirmado na noite desta segunda-feira (1º), com a eleição de ambos em primeiro turno.
A presença de políticos da confiança do Planalto na condução do Parlamento era considerada prioridade para Bolsonaro. Como os mandatos são de dois anos, o presidente espera enfrentar menos dificuldades na articulação política durante o resto do seu governo, pavimentando o caminho à disputa da reeleição. Uma das apostas para a mobilização do seu eleitorado é a retomada do controle sobre a pauta, com a inclusão de projetos com temática conservadora ou policial.
Com a vitória praticamente assegurada, Bolsonaro também espera amainar os riscos de um impeachment ou de investigações contra os filhos e aliados. Nos últimos dias, cresceu a pressão sobre os parlamentares, pedindo a abertura de processo por crime de responsabilidade contra o presidente pela atuação no combate à pandemia. Em sintonia com o Planalto, Lira e Pacheco refutaram até mesmo a possibilidade de instalação de CPIs para apurar a conduta do governo.
– O governo tem dois objetivos com essa eleição: se proteger e dar uma resposta aos eleitores. A proteção é contra constrangimentos com CPIs ou até mesmo um processo de impeachment. Bolsonaro que blindar os filhos e a si próprio. A outra é atiçar sua base social. Para tanto, não precisa nem aprovar os projetos conservadores. Basta colocar em votação. Se aprovar, ele colhe os louros. Se for derrotado, diz pra militância que precisa se reeleger em 2022, e desta vez com mais deputados e senadores aliados – afirma Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap).
Embora existam oito candidatos à presidência da Câmara (veja abaixo), a disputa está polarizada entre Lira e Baleia Rossi (MDB-SP). Apadrinhado pelo atual presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e apoiado por partidos de esquerda, como PT, PDT e PCdoB, Rossi largou como favorito. Todavia, aos poucos ele foi amargando defecções em todas as siglas aliadas, inclusive nas forças do centro político que fazem oposição branda a Bolsonaro e têm pretensões presidenciais em 2022, como DEM e PSDB.
A ofensiva do governo nos últimos dias piorou ainda mais a situação de Rossi. Além das retaliações, como a demissão de afilhados políticos, muitos de seus apoiadores acabaram seduzidos pela promessa de benesses feitas pelo ministro da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos. O gabinete dele, no quarto andar do Palácio do Planalto, virou destino de uma romaria de deputados, atraídos por generosas ofertas. Somente em recursos do Ministério do Desenvolvimento Regional, Ramos acenou com R$ 3 bilhões, divididos entre 285 parlamentares. Revoltado com a interferência, Maia disse que o valor prometido pelo governo alcançava R$ 20 bilhões, mesma cifra destinada à compra de vacinas contra a covid-19.
A articulação para eleger Lira e Pacheco envolve também uma reforma ministerial, com a entrega ao centrão de pastas de orçamento vultoso e ramificação nacional, como os ministérios da Saúde e da Cidadania. Até mesmo a Casa Civil, sem grande verba e voltada para o gerenciamento do governo, está no radar do bloco fisiológico. Diante do novo cenário, Bolsonaro admitiu nessa sexta-feira recriar os ministérios da Cultura, dos Esportes e da Pesca. No dia seguinte, deu sinal de recuo.
– O presidente vai ter de construir uma nova relação com o Congresso após a eleição e isso passa por uma mudança substancial no primeiro escalão. Não haverá alinhamento automático do centrão com o governo. Isso vai se dar a partir dos partidos, com a ocupação de espaços na Esplanada. Bolsonaro vai ter de aceitar indicações partidárias e recorrer ao presidencialismo de coalizão que tanto criticou – projeta o cientista político Carlos Eduardo Borenstein.
A nova fotografia do governo vai precisar levar em conta também a eleição do Senado. A disputa não representa ameaças a Bolsonaro, já que Pacheco é franco favorito. Mais hábil do que Maia na construção de uma sólida sustentação ao seu candidato, o atual presidente, Davi Alcolumbre, uniu em torno do mineiro a base bolsonarista, as forças de centro, parte da oposição, incluindo o PT, e ainda convenceu o MDB abandonar à própria sorte a candidatura de Simone Tebet (MDB-MS). Contudo, a despeito da inexistência na Casa de um grupo hegemônico multipartidário como o centrão na Câmara, os senadores costumam cobrar individualmente o empenho nas causas do governo.
A montagem de uma até então inédita base parlamentar, alinhada com a presença de dois aliados no comando do Congresso, deve antecipar a disputa pela filiação de Bolsonaro. Sem partido desde novembro de 2019, o presidente desistiu da ideia de criar uma legenda e deve se abrigar em uma sigla do centrão. Disposto a não repetir a dobradinha com o vice Hamilton Mourão em 2022, ele também deixa em aberto uma vaga na chapa à reeleição, tornando ainda mais atrativa sua aliança de ocasião com partidos como PP, PTB e Republicanos. Por enquanto, os maiores riscos à concepção de uma competitiva frente de direita são o agravamento da pandemia e a piora do cenário econômico. Nas relações políticas, o horizonte é promissor para Bolsonaro.
Os candidatos
Câmara
- Arthur Lira (PP-AL): apadrinhado pelo presidente Jair Bolsonaro, é o favorito na disputa. Réu na Lava-Jato, está no terceiro mandato.
- Alexandre Frota (PSDB-SP): eleito na onda do bolsonarismo, se tornou inimigo do presidente e tem como principal bandeira o impeachment.
- André Janones (Avante-MG): debutante na Câmara, lançou candidatura individual prometendo renovação do auxílio emergencial.
- Baleia Rossi (MDB-SP): presidente do MDB, é o candidato de Rodrigo Maia e tem o apoio da oposição. Polariza a disputa com Arthur Lira.
- Capitão Augusto (PL-SP): da bancada da bala, tentava se cacifar com uma pauta voltada às corporações policiais e militares. Anunciou desistência em favor de Lira
- Fábio Ramalho (MDB-MG): veterano de quatro mandatos, ganhou simpatia dos colegas oferecendo lautos jantares e prometendo freio na Lava-Jato.
- General Peternelli (PSL-SP): está em seu primeiro mandato como deputado federal.
- Luiza Erundina (PSOL-SP): decana entre as deputadas, busca representar a esquerda, mas acabou dividindo o próprio partido, que apoia Baleia Rossi.
- Marcel van Hattem (Novo-RS): navegando contra a corrente do plenário, concorre para defender a prisão após condenação em segunda instância.
Senado
- Rodrigo Pacheco (DEM-MG): ungido por Davi Alcolumbre, é franco favorito por contar com a base bolsonarista, as forças de centro e até mesmo parte da oposição.
- Simone Tebet (MDB-MS): abandonada pelo próprio partido, vai insistir em uma candidatura independente movida pelas bandeiras do chamado “lavajatismo”.
- Lasier Martins (Podemos-RS): entusiasta de Alcolumbre em 2019, lançou uma anticandidatura em reação ao consenso em torno de Pacheco e ao abandono de Simone Tebet.