A governadora interina de Santa Catarina, Daniela Reinehr (sem partido, ex-PSL), se posicionou de forma explícita, pela primeira vez, contra o nazismo. Em artigo de opinião publicado neste domingo (1º) no jornal Folha de S.Paulo, ela afirma não concordar com o regime antissemita e que discorda do posicionamento do pai, o professor de História Altair Reinehr, que afirmava em sala de aula que o Holocausto não aconteceu.
"Não compactuo com o nazismo, assim como rechaço qualquer regime, movimento ou ideologia totalitária que atente contra as instituições democráticas", escreve a governadora, destacando que "respeita o pai", mas que discorda da visão que relativiza o regime que exterminou 6 milhões de judeus, assim como ciganos, eslavos, homossexuais e presos políticos.
"Não concordo com seu posicionamento em relação ao nazismo e à relativização do processo histórico. Mas o amo como filha. E todos nós, em nossa intimidade, quando estamos sozinhos, sabemos o que é não concordar com a outra geração - e que é preferível não tocar em determinados assuntos a escolher o caminho do embate, que, certamente, em todos os casos, já foi percorrido", diz a governadora substituta.
Daniela é advogada, produtora rural, ex-policial militar e se elegeu pela primeira vez, como vice-governadora, em 2018, na chapa de Carlos Moisés (PSL), que acabou de ser afastado do cargo em processo de impeachment e foi eleito na onda bolsonarista das últimas eleições, mas posteriormente se afastou do presidente Jair Bolsonaro. Daniela agora tenta se reaproximar do presidente.
O pai de Daniela é um velho conhecido em Maravilha, pequeno município do oeste catarinense. Altair já escreveu textos e ministrou aulas relativizando o regime nazista e nega o Holocausto.
Em texto publicado em 2005, o professor escreveu: "Encerrada a 2ª Guerra Mundial na Europa, com a rendição incondicional da Alemanha, os Aliados – vencedores e arautos da democracia e da liberdade de expressão – precisavam de pretextos para justificar seus hediondos crimes e ocultá-los sempre que possível. E assim passou-se a falar nos campos de concentração de Dachau (este visitei), Treblinka, Sobibor, Sachsenhausen, Majdanek, Birkenau e outros, especialmente o de Auschwitz, sinônimo de matança de judeus em quantidade industrial. Foi aí que surgiu a lenda do holocausto e o mito dos 6 milhões de judeus mortos em câmaras, onde o gás caía de chuveiros!".
No artigo, a governadora interina afirma que é vítima da polarização da sociedade brasileira, que está sendo atacada pessoalmente e cita que, em novembro de 2018, desembarcou em Israel a convite da Comunidade Internacional Brasil & Israel para receber o título de Embaixadora Extraordinária da Paz.
"Assumo neste momento o governo do Estado interinamente com a proposta e com os ideais que sempre me motivaram: unir Santa Catarina, construir pontes com os municípios e a Assembleia Legislativa, pacificar os ânimos e buscar em Brasília um diálogo que aproxime o estado do governo federal", diz Daniela.
Ela ainda acrescenta que acreditava já ter respondido claramente seu posicionamento a respeito do assunto. Em coletiva de imprensa e em entrevistas a jornalistas, contudo, ela não havia se posicionado contra o nazismo – suas respostas tergiversavam.
Na terça-feira (27), logo após a cerimônia de posse como governadora interina, ela foi perguntada por um repórter do The Intercept se concordava com as ideias do pai. Na resposta, afirmou que não poderia "responder, ser julgada ou condenado pelo que esse ou aquele pense".
— Eu respeito, volto a dizer, respeito as pessoas independentemente dos seus pensamentos. Respeito os direitos individuais e as liberdades. Qualquer regime que vá contra o que eu acredito, eu repudio — afirmou, sem entrar em detalhes.
Na sequência, exaltou a importância da família:
— Existe uma relação e uma convicção que move a mim, e acredito que a todos os senhores, que se chama família. Me cabe, como filha, manter a relação familiar em harmonia, independente das diferenças de pensamento.
Posteriormente, em entrevista ao site NSC Total, ela foi questionada três vezes seguidas sobre seu posicionamento acerca do assunto e em nenhuma das respostas afirmou assertivamente que repudiava o nazismo. Declarou que "estão tentando que eu faça uma briga pública familiar diante de uma atitude que eu nunca omiti. Desafio qualquer um que seja a provar que eu tenha feito qualquer coisa nesse sentido ou tenha dito qualquer palavra nesse sentido".
A falta de repúdio público ao nazismo gerou críticas da comunidade judaica, que cobrou da governadora em exercício uma manifestação contundente contra o Holocausto. Posteriormente, em nota divulgada à imprensa e filtrada por assessores, ela se manifestou "contrária ao nazismo" e "amiga de Israel e dos judeus".
GZH publicou neste fim de semana uma reportagem com o relato de um sobrevivente do Holocausto que se refugiou no Brasil após perder os pais e passar por campos de concentração da Holanda e da República Tcheca. O relato de Louis Frankenberg condiz com os testemunhos de outras crianças órfãs, segundo a professora de História na Universidade de São Paulo (USP) Maria Luiza Carneiro, maior especialista brasileira em Holocausto e responsável por documentar mais de 400 depoimentos de sobreviventes do regime nazista que vieram ao Brasil.