Ao assumir o governo interino de Santa Catarina, na terça-feira (27), Daniela Reinehr se tornou pivô de uma polêmica no exato no momento em que seu principal desafio é se firmar no cargo. Ao ser questionada em entrevista coletiva sobre posições assumidas pelo pai relativizando o nazismo e o holocausto judeu, a governadora em exercício tergiversou. Somente nesta quinta-feira (29), após críticas e repercussão negativa na mídia, ela declarou de forma expressa discordar dos ideais de Adolf Hitler.
Sob pressão de entidades judaicas, Daniela emitiu nota assegurando ser “contrária ao nazismo” e “amiga de Israel e dos judeus”. Agora, a dúvida é sobre como apoiadores de sua gestão reagirão ao desfecho do caso. A base de Daniela (sem partido) é formada eminentemente por bolsonaristas e direitistas.
A controvérsia teve início quando a advogada e ex-policial militar tomou posse, na última terça-feira (27), após o Tribunal Especial de Julgamento afastar o titular, Carlos Moisés (PSL), por até 180 dias. Ele responde por crime de responsabilidade envolvendo um reajuste salarial pago aos procuradores do Estado.
Embora a chapa de Moisés e Daniela tenha sido eleita na onda que levou Jair Bolsonaro ao comando do Palácio do Planalto, o governador acabou se distanciando do presidente — a quem chegou a criticar pela forma como conduziu a crise do coronavírus. A mudança de rumo selou o destino de Moisés na Assembleia.
Daniela, por sua vez, se afastou de Moisés, deixou o PSL (partido com o qual Bolsonaro rompeu), aproximou-se do Aliança pelo Brasil, sigla que a família presidencial ensaia fundar, e estreitou laços com o Planalto e a base bolsonarista. Foi absolvida no mesmo processo de impeachment.
Na última terça-feira (27), ao ser alçada ao governo provisório, Daniela prometeu realinhamento com Bolsonaro. Além disso, declarou que pretende revisar dos decretos relacionados à pandemia e priorizar a retomada econômica.
Foi nesse contexto que transcorreu a entrevista coletiva citada no início da reportagem. Ao ser perguntada pelo repórter Fábio Bispo, do Intercept Brasil, como avaliava posições do pai, o historiador José Altair Reinehr, e o que pensava sobre elas, Daniela afirmou que não poderia “ser julgada ou condenada por aquele ou esse pensamento”.
— Eu respeito, volto a dizer, respeito as pessoas independentemente dos seus pensamentos. Respeito os direitos individuais e as liberdades. Qualquer regime que vá contra o que eu acredito, eu repudio — afirmou, sem entrar em detalhes.
Na sequência, exaltou a importância da família:
— Existe uma relação e uma convicção que move a mim, e acredito que a todos os senhores, que se chama família. Me cabe, como filha, manter a relação familiar em harmonia, independente das diferenças de pensamento.
O pai de Daniela escreveu textos em que aponta o que considera realizações positivas do nazismo e omite o genocídio de 6 milhões de judeus na Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Um dos artigos é ilustrado com uma imagem de José Altair em frente à residência onde nasceu Adolf Hitler, na Áustria. A fotografia ganhou espaço em sites de notícia após a fala de Daniela.
A resposta à pergunta do repórter levou entidades como a Confederação Israelita do Brasil (Conib) e a Associação Israelita Catarinense (AIC) a cobrarem posicionamento claro da gestora. Em nota conjunta, as organizações declararam que a chefe interina do Executivo deveria, “de forma veemente, manifestar sua repulsa ao negacionismo da tragédia que foi o Holocausto”.
Na manhã desta quinta-feira (29), ciente da crise em curso, Daniela afirmou, por escrito, ter sido julgada de “forma injusta” pelo que disse. No comunicado, exaltou o povo de Israel e disse que “qualquer ilação contrária não corresponde com a verdade".
Com a intenção de dar um fim ao debate, declarou ser contrária ao nazismo, “assim como sou contrária a qualquer regime, sistema, conduta ou posicionamento que vá contra os direitos individuais, garantias de segurança ou contra a vida das pessoas”. Ela afirmou ainda acreditar “ter deixado isso claro” na entrevista, “independente das palavras usadas".
Na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o caso seguiu reverberando, com posicionamentos diversos por parte dos parlamentares. Ex-líder da bancada do PSL, o deputado Sargento Lima disse acreditar que o caso está resolvido e que a comunidade judaica compreendeu a situação, que, na avaliação dele, não passou de uma tentativa de desestabilizar a governadora interina.
— A gente sabe que daqui para frente tudo o que termina com “ista” será atribuído a ela (Daniela). É normal. Qualquer pessoa que se intitular de direita, vão procurar associar ao nazismo, ainda mais quem tem sobrenome alemão, e isso é muito comum aqui em Santa Catarina. Acredito que a questão está resolvida, até porque a comunidade judaica é inteligente e sabe identificar o que houve — opinou Lima, complementando que o foco, agora, deve ser a recuperação econômica.
À frente da bancada do PT, o deputado estadual Fabiano da Luz manifestou avaliação distinta. Ele disse ver “com preocupação o conservadorismo extremo que surgiu em Santa Catarina” e temer os caminhos do governo provisório, que tem até 180 dias para mostrar a que veio.
— A governadora tem o apoio dessa ala mais conservadora, bolsonarista, e procurou não fugir desse viés. Eles dizem que não existiu ditadura militar no Brasil, então não é novidade que façam o mesmo em relação ao nazismo. Eu tinha um amigo que dizia que a palavra solta ao vento, para você recolher depois, é muito difícil. A governadora pode até tentar remediar o que disse, mas ficou a marca. E é uma marca que preocupa — afirmou Luz.