Com atendimento presencial suspenso em razão da pandemia, o Tribunal de Justiça do Estado (TJ) pretende contratar uma empresa para acelerar a digitalização de processos físicos e, assim, evitar prejuízos à população. Hoje, o órgão tem cerca de 3 milhões de ações tramitando unicamente em papel, o equivalente a 76% do total de processos. A maioria delas está parada devido às restrições impostas pelo coronavírus, situação que preocupa a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-RS).
Para o presidente da entidade, Ricardo Breier, o percentual elevado de processos analógicos, aliado à decisão do TJ de manter o expediente externo fechado mesmo nas regiões onde a situação é menos grave, "contribui para estagnar a vida das pessoas". Breier cita atrasos em execuções de sentenças, na finalização de inventários e até na conclusão de adoções.
— Há processos já sentenciados que não andam. Isso prejudica o cidadão. Precisamos do Judiciário funcionando de verdade — reivindica o representante da OAB-RS.
Inicialmente, o atendimento presencial aos advogados seria retomado de forma gradativa a partir desta segunda-feira (29), mas isso mudou após o endurecimento das regras do modelo de distanciamento controlado e a profusão de áreas com classificação vermelha (alto risco). Desde então, o retorno foi postergado.
— O TJ simplesmente ignorou as bandeiras amarela e laranja. Entendemos que, nessas regiões, o expediente externo poderia ser reaberto com os devidos cuidados, como o uso de máscara. Fizemos um pedido de reconsideração. Estamos com processos parados há mais cem dias — pondera Breier.
À frente do Conselho de Comunicação Social do TJ, o desembargador Antonio Vinicius Amaro da Silveira diz compreender a angústia, mas argumenta que seria arriscado retomar o atendimento presencial agora, mesmo nos locais onde, em tese, a chance de contaminação por coronavírus é menor. Silveira diz que servidores e magistrados seguem em atividade e que, mesmo em teletrabalho, fazem o possível para atender a demanda:
— É importante que se diga: o Judiciário não está parado e nunca parou, apesar das limitações da pandemia. No caso dos processos físicos, todas as movimentações urgentes, que necessitam de atendimento específico, estão ocorrendo, inclusive a emissão de alvarás.
Ainda assim, a reviravolta provocada pela covid-19 expôs a necessidade de apressar a transição definitiva para o plano virtual, algo que se arrasta há anos. Para agilizar a digitalização, uma equipe de servidores passou a escanear documentos dia após dia e, em um mês, entre maio e junho, conseguiu inserir no sistema 4,5 mil processos físicos.
Embora o esforço mereça reconhecimento, o próprio TJ admite que é pouco. Com o objetivo de ampliar a iniciativa, o órgão fez um pregão para contratar uma empresa especializada, que ficará responsável por escanear 2 milhões de documentos em um ano e meio, começando por casos de Porto Alegre e Região Metropolitana. A vencedora já foi escolhida, e a expectativa é de que o contrato seja assinado em agosto.
— É evidente que é muito tempo e que não podemos esperar. Por isso, decidimos ampliar para 15 o número de equipes próprias trabalhando nisso. A ideia é que atuem em paralelo à empresa contratada e que possam, inclusive, auxiliar com orientações — projeta Silveira.
Conforme o desembargador, o TJ espera contar, também, com a participação de escritórios de advocacia, com o apoio da OAB-RS e de órgãos como Ministério Público, Defensoria e Procuradorias-gerais para que se unam à empreitada.
— Querem fazer funcionar? Vamos pegar junto. Sabemos que há espaço para a cooperação. A atual administração vai fazer disso um cavalo de batalha para digitalizar 100% dos processos — promete o juiz.
Desembargador diz que sugestões são bem-vindas
Preocupados com processos, cujo andamento está suspenso em razão da pandemia, advogados têm feito sugestões ao Judiciário estadual. Entre eles, Pedro Garcez, que procurou GaúchaZH para apresentar uma lista de propostas, encaminhada pela reportagem ao presidente do Conselho de Comunicação Social do Tribunal de Justiça do Estado (TJ), Antonio Vinicius Amaro da Silveira.
Para Garcez, é "correta a atitude de prevenção adotada" e não há reparos a fazer no fluxo dos processos eletrônicos. Quanto aos processos em papel, o advogado afirma que "caminharam internamente, mas levarão a um previsível acúmulo num futuro próximo".
Segundo ele, a movimentação interna não está produzindo os efeitos desejados, devido, principalmente, à retenção dos autos (peças que constituem o processo) nos cartórios, o que impossibilita a ação dos advogados. Ele faz a ressalva de que essa retenção “não prejudica direitos dos clientes, mas estende o prazo para o fim do processo [...] o que terá como consequência o acúmulo de processos aguardando na fila para serem despachados”.
Entre as alternativas para atenuar o problema, ele propõe que o TJ monte uma estrutura no piso térreo do Foro Central, onde os processos possam ser apenas retirados ou devolvidos pelos advogados, com agendamento prévio.
— Seria como um drive-thru para os advogados. Isso ajudaria muito. Por exemplo: eu tenho um inventário cujo alvará está pronto para sair, mas não sai nunca, porque preciso tomar ciência oficialmente e devolver para o Judiciário poder dar prosseguimento, só que hoje não consigo fazer isso devido às restrições — explica Garcez.
As proposições foram bem recebidas.
— As providências sugeridas são absolutamente pertinentes, estão sendo avaliadas e serão adotadas assim que possível. É importante que os advogados nos façam propostas, porque isso converge com o que todos buscamos — avalia Silveira.