Em plena pandemia do coronavírus, o antagonismo político gaúcho tem sido exercido em aglomerações periódicas, sempre aos domingos, nos arredores do Comando Militar do Sul, no Centro Histórico, em Porto Alegre. As ruas em torno do quartel-general do Exército se tornaram palanque para discursos beligerantes de militantes de direita, pedindo intervenção militar, e de esquerda, exigindo a saída do presidente Jair Bolsonaro.
A repetição dos encontros entre adversários e a elevada troca de provocações mobiliza as autoridades. Agentes do Departamento de Inteligência da Segurança Pública monitoram a organização das manifestações e a Brigada Militar (BM) orienta o emprego do policiamento ostensivo. No domingo (24), soldados do Batalhão de Choque e da cavalaria da BM separaram os dois grupos e formaram um cordão de isolamento na Rua Sete de Setembro. O objetivo é permitir o livre exercício do direito à manifestação, porém com todas as precauções para evitar um eventual confronto entre rivais.
Os atos começaram em 19 de abril, quando cerca de 200 apoiadores de Bolsonaro se reuniram para pedir a prisão de políticos e ministros do Supremo Tribunal Federal, golpe militar e a edição de um novo AI-5, o mais rígido ato institucional do regime militar, que cassou mandatos, fechou o Congresso e aboliu o habeas corpus. Em protesto contra o grupo, uma mulher ficou nua, com a bandeira do Brasil sobre os ombros e uma máscara com a frase “Fora Bolsonaro”. Acabou expulsa aos socos e pontapés, junto a um casal que a acompanhava.
A violência motivou militantes de esquerda a organizarem manifestações no mesmo local, como contraponto ao discurso da direita. Em grupos de WhatsApp, membros de movimentos sociais e sobretudo filiados do PSOL começaram a articular forças e arregimentar simpatizantes. A direção estadual da sigla não chancela as convocações, mas tampouco proíbe, deixando a cargo dos diretórios municipais a decisão de aderir ou não.
PT, PDT e outras siglas do mesmo campo político também preferiram não endossar os atos, a despeito da presença de ativistas vinculadas às legendas. A orientação é não usar bandeiras dos partidos, embora o PSOL tenha encomendado máscaras amarelas — cor da legenda —, que não ficaram prontas a tempo. Vestidos de preto e autointitulados “Antifascistas”, os manifestantes já realizaram três atos simultâneos aos dos bolsonaristas, todos em maio.
— Não foi institucional, não é um ato do PSOL ou dos partidos. É uma reação à violência e às pessoas que usam a democracia para pregar um golpe. Não estamos lá pelo enfrentamento, nem por provocação, mas para mostrar que eles não são a voz majoritária na sociedade. Onde eles estiverem, nós estaremos também — diz a presidente do PSOL de Cachoeirinha, Ester Ramos.
A organização é toda feita por telefone, sem anúncio prévio em redes sociais. No domingo, eles fecharam a Rua Bento Martins no momento em que se aproximava a carreata dos simpatizantes de Bolsonaro. Sem ter como avançar e diante da orientação de um solitário agente da EPTC, os motoristas tiveram de sair de marcha a ré. Logo surgiram sete brigadianos a cavalo e isolaram os dois grupos.
Enquanto os bolsonaristas se reuniram na esquina das ruas Sete de Setembro e Padre Tomé, os esquerdistas ocuparam a quadra adiante, na confluência da Sete de Setembro com Bento Martins. Havia gritos de “mito, mito” e “eu vim de graça” de um lado, respondidos pelo outro com “Fora Bolsonaro” e “gado, gado”. Entres eles, soldados armados com balas de borracha e bombas de efeito moral.
Nos grupos de direita, os protestos são organizados via rede social e reúnem militaristas, conservadores e militantes de partidos de sustentação a Bolsonaro, como PSL, PSC e articuladores do Aliança pelo Brasil, legenda que está sendo criada pelo presidente. A exemplo do que ocorre no campo rival, as siglas tentam se manter distantes das manifestações, sem apoio oficial, a despeito da presença de filiados e simpatizantes.
Um dos organizadores dos atos é o eletrotécnico Marco Della Nina. Semana passada, ele divulgou nas redes sociais uma convocação para o protesto de domingo, na qual prega o “fim do STF” e uma “faxina geral, a começar por todos aqueles vagabundos, como disse o ministro da Educação” na reunião ministerial de 22 de abril. No fim da mensagem, Nina afirma que “nós somos a lei”.
Presidente do Conselho Popular da Zona Norte, ele rejeita o rótulo de fascista e diz que não deseja golpe militar, apenas garantir “a governabilidade do presidente”. Reclama da presença dos rivais, alegando que seu grupo jamais foi de encontro a uma manifestação da esquerda. Nina também salienta que o movimento é refratário a partidos e a políticos, embora ele mesmo seja filiado ao PSC e não descarte concorrer a prefeito neste ano, hipótese rechaçada pela direção estadual da legenda.
— Qualquer pessoa tem o direito de não gostar do presidente e fazer o seu protesto, mas não precisa ser aqui. É uma provocação de quem deseja o confronto. Chegamos primeiro e vamos ficar, pelo menos até o dia 7 de junho — afirma.
Depois de duas horas de troca de xingamentos e repetição de slogans de parte a parte, o ato do último domingo terminou sem qualquer registro de violência. Domingo que vem tem mais.