A operação deflagrada pela Polícia Federal (PF) na manhã desta quarta-feira (27) vai além da revelação de supostos desvios de recursos públicos da saúde em Rio Pardo. A vida dos moradores da região foi colocada em risco em pelo menos três oportunidades, expuseram os investigadores. Em uma delas, houve uma falsa desinfecção das ruas contra o coronavírus.
Segundo o apurado na investigação, a prefeitura contratou uma empresa terceirizada para sanitizar vias e locais de aglomeração. No início do dia, usavam devidamente os produtos de limpeza, como contratado. No entanto, quando acabavam, a ordem era seguir com o serviço somente com água, mesmo que assim as ruas não estivessem sendo limpas.
— Uma vez acabado o produto, para ter um ganho político, pessoal e promocional, a administração determinava que o contratante deveria encher de água os tanques, passando pela cidade e iludindo a população — declarou João Beltrame, coordenador do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado em Saúde do Ministério Público, que apoiou a ação.
O mandante da ação, de acordo com os investigadores, era o próprio prefeito de Rio Pardo, Rafael Barros (PSDB). Ele foi preso temporariamente no âmbito da operação.
Compra de EPI vencido
Os profissionais de saúde da linha de frente da pandemia também foram colocados em risco pelos desvios, de acordo com o apurado. A empresa terceirizada que fazia a gestão de saúde teria comprado equipamentos de proteção individual vencidos para baratear o custo.
— As pessoas com maior risco estavam com equipamentos vencidos. Isso nos sensibilizou — afirmou Beltrame.
Para que os médicos, enfermeiros e técnicos de enfermagem não percebessem, a empresa retirava as datas de validade. Assim, eles poderiam estar usando, sem saber, um equipamento que em vez de proteger os expunha ao risco de infecção.
O responsável pela compra seria o presidente da Associação Brasileira de Assistência Social, Saúde e Inclusão (Abrassi), Ricardo Riveiro. Ele também foi preso temporariamente. A Abrassi é uma é uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) que presta serviços de saúde para a cidade, no Hospital Regional do Vale do Rio Pardo e no Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu).
Obra sem engenheiro
A construção de leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) também acabou no radar da operação. Foram criados 10 novos leitos do tipo para auxiliar no atendimento de infectados por covid-19. No entanto, a apuração aponta que não havia engenheiro presente na obra.
A engenheira responsável pelos leitos mora e trabalha no Rio de Janeiro e não acompanhava o andamento do serviço de perto. Com isso, qualquer erro na execução nas novas vagas não seria percebido.
— Há uma série de perigos que percebemos nas atuações de pessoas ligadas às empresas e organizações sociais. A não fiscalização de obras que estão sendo realizadas, e depois podem ser condenadas ou ter risco, torna uma figura bastante emblemática a forma como a organização ganhava por recursos que não executava — disse o delegado da Polícia Federal Mauro de Lima Silveira.
Longa investigação
A PF começou a investigação ainda em 2018, antes da pandemia. Em uma força-tarefa com o MP, Controladoria-Geral da União e Tribunal de Contas do Estado, teve início a apuração após relatos de desvios de recurso da saúde na época e de um serviço ineficiente. A equipe envolvida entendia já ter provas suficientes, mas queria ampliar ao máximo os alvos para tentar responsabilizar todos os envolvidos. Com a pandemia, os planos mudaram.
— Os desmandos estavam muito graves, e a situação de risco para os moradores da região se tornaram muito grandes — aponta Beltrame.
Os desvios na saúde são estimados em pelo menos R$ 15 milhões - que, segundo a PF, já foram auditados. No entanto, podem chegar a R$ 30 milhões. Foram apreendidos 30 veículos, 14 imóveis e bloqueadas contas de 65 empresas ou pessoas físicas.
Os contratos alvos dos promotores são referentes aos serviços de saúde pública, hospital e postos de saúde. Organizações sociais terceirizadas pela prefeitura "quartificavam" as atividades para empresas menores. O serviço, no entanto, era barateado. O que sobrava seria repartido entre os políticos e empresários.
O nome da operação - Camilo - diz respeito ao santo da Igreja Católica "São Camilo de Lellis". O santo é o intercessor dos profissionais de saúde.
CONTRAPONTO
O que dizem Fabiano Pereira Voltz, a Abrassi, a São Bento e o Isev:
GaúchaZH tentou contato, mas não conseguiu retorno. Dirigentes dessas entidades foram presos e os seus advogados ainda não falaram a respeito. Assim que retornarem o contato, sua versão será publicada.
O que diz o prefeito de Rio Pardo
A defesa de Rafael Reis Barros aguarda decisão do TRF-4 para ter acesso à investigação, e a partir dela realizar o contraditório. Ezequiel Vetoretti, Rodrigo Grecellé Vares e Eduardo Vetoretti