Se prestassem atenção no que ocorreu com colegas de outras cidades, os prefeitos colocariam as barbas de molho, fariam pente-fino nos contratos, especialmente os da saúde, corrigiriam as distorções e dormiriam sem a preocupação de acordar com a polícia tocando a campainha.
A ganância e a esperança na impunidade explicam a continuidade de esquemas como o desbaratado na manhã desta quarta-feira (27) em Rio Pardo e que resultou na prisão de 15 pessoas. Entre elas estão o prefeito, Rafael Barros (PSDB), dois procuradores, empresários e testas-de-ferro.
O desvio já confirmado é de R$ 15 milhões, mas o superintende da Polícia Federal no Rio Grande do Sul, delegado José Antônio Dornelles de Oliveira, estima que pode chegar a R$ 30 milhões. Os investigadores estão cruzando dados de quebras de sigilo e pagamentos feitos a empresas para apurar o valor total da fraude.
A Operação Camilo, referência a São Camilo de Lélis, padroeiro dos enfermos, uniu Polícia Federal, Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Polícia Civil e os Tribunais de Contas da União para desvendar uma trama que começou a ser investigada ainda em 2018. As irregularidades, segundo o delegado e o procurador-geral de Justiça, Fabiano Dallazen, não cessaram nem mesmo com a pandemia do coronavírus. Pelo contrário, as suspeitas são de que a quadrilha desviou dinheiro que deveria ser investido em 10 leitos de UTI no Hospital Regional.
O delegado Dornelles faz uma conta que ilustra o efeito da fraude na vida das pessoas. Diz que só com o valor confirmado de desvios poderiam ser comprados 200 respiradores. Isso significa salvar 200 pacientes da covid-19 a cada 10 dias, considerando-se o tempo médio de internação em UTI.
— A corrupção mata porque o dinheiro não chega para quem precisa — lamenta o delegado.
Dallazen atribui à "esperança na impunidade" a repetição de fraudes identificadas em outras prefeituras e que resultaram no afastamento e na prisão de prefeitos e operadores. Diz que a terceirização na saúde, uma área que movimenta somas muito expressivas nas prefeituras, abriu caminho para a corrupção.
O modo como as fraudes ocorrem é recorrente: a prefeitura contrata uma organização social para operar um hospital ou outros serviços de saúde e essa entidade subcontrata empresas de fachada. Resultado: o poder público paga por serviços que não são prestados e o dinheiro desviado falta lá na ponta, onde está o paciente que precisa de atendimento.
No ano passado, o Ministério Público realizou um seminário com prefeitos e gestores de saúde para alertar sobre os cuidados que devem ser tomados na terceirização dos serviços de saúde. Avisou que os promotores estariam atentos para coibir fraudes, mas nem todos entenderam o recado.
A força-tarefa está atenta e com várias investigações em andamento. Aos fraudadores que confiam na impunidade, o procurador alerta: sua hora vai chegar.