O Ministério Público de Contas, que atua perante o Tribunal de Contas da União (TCU), pediu à corte que apure eventual uso indevido de recursos públicos em atos pró-intervenção militar como o ocorrido em Brasília, no último domingo (19), com participação do presidente Jair Bolsonaro.
Em representação assinada nesta quinta-feira, o subprocurador-geral Lucas Rocha Furtado também pede investigação sobre o emprego de verba do erário para manter em funcionamento o chamado gabinete do ódio — setor responsável pelo conteúdo digital do Palácio do Planalto, ao qual se atribuem ataques em massa a inimigos políticos nas redes sociais. Servidores dessa seção são ligados ao vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho de Bolsonaro.
Na denúncia, Furtado afirma que, "com verdadeiro assombro", teve-se notícia "da realização de manifestação de caráter antidemocrático, realizada por uma minoria sectária e radical", em Brasília, em frente ao Quartel-General do Exército.
Participantes do ato pediram o fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF), a volta da ditadura e a edição de um AI-5, referência ao ato institucional mais radical do regime militar. "A perplexidade ganhou amplitude exponencial porque contou com a participação do presidente do país". A fala de Bolsonaro, de que "não queremos negociar nada", e sua participação nesse ato em Brasília provocaram fortes reações no mundo jurídico e político.
O subprocurador diz que, diante do cenário "desastroso e inacreditável", abrem-se frentes de atuação em todos os níveis para identificar os responsáveis pelos atos, seus financiadores e organizadores, "de modo a individualizar as condutas e aplicar as sanções cabíveis previstas no sistema normativo". Ele alega que, na esfera penal, o procurador-geral da República, Augusto Aras, já pediu a abertura de um inquérito para identificar os mentores, os organizadores e os patrocinadores do ato, o que foi autorizado pelo Supremo.
"Por sua vez, os fatos ocorridos demandam averiguação contundente no campo do controle externo (TCU), inclusive em razão de que inquérito acima comentado tem como fundamento a possível participação de deputados federais na organização dos atos de caráter golpista e atentatórios à Lei de Segurança Nacional, afigurando-se a necessidade de atuação no intuito de verificar a possível utilização de recursos públicos (mediante, por exemplo, a utilização de materiais, infraestrutura e mão de obra custeados pelos cofres públicos e colocados à disposição das atividades institucionais dos eventuais parlamentares envolvidos) nesses atos inconstitucionais", argumentou.
Furtado informou que, caso configurado o emprego de verba pública nas manifestações, cabe à corte achar seus responsáveis, calcular o prejuízo, adotar as providências necessárias à recomposição dos cofres públicos lesados e aplicar as sanções cabíveis, como a inabilitação para o exercício de cargo público.
A representação foi enviada ao presidente do TCU, José Múcio Monteiro. Ela será distribuída a um ministro relator, que decidirá, com base em parecer da área técnica, se cabe levar o caso adiante.
O subprocurador diz que a situação assume contornos ainda "mais preocupantes" em função de notícias de que o gabinete do ódio, "comandado por filhos do presidente do país (um deles deputado federal)", dedique-se "à elaboração e divulgação de fake news e de destruição de reputação de adversários políticos". Para ele, a situação, "por mais absurda que seja de conceber, reclama rigorosa verificação, pois, a se confirmar, configuraria a utilização de meios e recursos do erário para atividade ilegítima e estranha às atividades institucionais dos eventuais órgãos e agentes públicos dedicados a essas tarefas".
O subprocurador cita reportagem segundo a qual uma das páginas usadas para ataques virtuais e para estimular o ódio contra adversários de Bolsonaro foi criada a partir de um computador localizado na Câmara dos Deputados. Chamada "Bolsofeios", ela também foi registrada a partir de um telefone utilizado pelo secretário parlamentar do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), Eduardo Guimarães.
Ele também mencionou depoimento da deputada federal Joice Hasselmann (PSL-SP) à comissão parlamentar de inquérito das fake news em dezembro do ano passado. Na ocasião, ela acusou o Planalto de gastar ao menos R$ 500 mil com a suposta milícia digital para perseguição de desafetos.