Em um pronunciamento de 46 minutos, o presidente da República Jair Bolsonaro falou sobre a demissão do ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Sergio Moro. A saída do governo foi anunciada pelo ex-juiz da Lava-Jato na manhã desta sexta-feira (24) e publicada no Diário Oficial no final da tarde.
Confira alguns pontos do discurso do presidente:
"Uma coisa é você admirar uma pessoa, outra é conviver com ela"
Bolsonaro começou o pronunciamento dizendo que havia falado a parlamentares sobre a demissão de Sergio Moro antes da entrevista coletiva do ex-ministro, às 11h. A exoneração do ex-diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, foi publicada no Diário Oficial da União na madrugada desta sexta.
— Sabia que não seria fácil. Uma coisa é você admirar uma pessoa. Outra é conviver com ela, trabalhar com ela. Hoje, vocês conhecerão aquela pessoa que tem compromisso consigo próprio, com seu ego, e não com o Brasil. O que eu tenho ao meu lado, e sempre tive, foi o povo brasileiro. Hoje, essa pessoa vai buscar uma maneira de botar uma cunha entre eu e o povo brasileiro — declarou Bolsonaro.
Histórico dos encontros
Bolsonaro citou um encontro fortuito que teve com Moro no aeroporto de Brasília e citou a data: 30 de março de 2017. Na ocasião, Moro ignorou Bolsonaro e, depois, ligou pedindo desculpas.
— A sua consciência tocou e ele conversou comigo sobre o episódio. Eu dei por encerrado o assunto. Me senti, de certa forma, reconfortado.
Depois, após ser vítima de um atentado durante a campanha presidencial, Bolsonaro disse que se recusou a recebê-lo quando estava internado no Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
Autonomia não é sinal de soberania
JAIR BOLSONARO
— Eu evitei conversar com ele naquele momento, entre o primeiro e o segundo turno, porque aquela visita se tornaria pública e eu não queria me aproveitar do prestígio dele para conseguir a vitória no segundo turno — afirmou.
Então, explicou que convidou Moro na sua casa para integrar o ministério do seu governo, em novembro de 2018. E, ao contrário do que afirmou o ex-juiz no seu pronunciamento, não falou que o Ministério da Justiça e Segurança Pública seria uma "porteira fechada".
— Acertamos, como fiz com todos os ministros, vai ter autonomia no seu ministério. Autonomia não é sinal de soberania. A todos os ministros, e a ele também, falei do meu poder de veto. Os cargos chave em que passar pelas minhas mãos. Eu daria o sinal verde ou não. Para todos os ministros foi feito dessa maneira — declarou.
"Estou lutando contra um sistema"
Bolsonaro se queixou das críticas da imprensa à falta de operações policiais contra a corrupção. Ele disse que o combate à corrupção acontece no seu governo pela falta de indicações políticas.
— Eu estou lutando contra um sistema. Contra o estabilishment. Coisas que aconteciam no Brasil praticamente não acontecem mais. Me desculpe a modéstia, em grande parte, pela minha coragem de indicar um time de ministros comprometido com o futuro do Brasil.
Pedido de relatórios à Polícia Federal
A reclamação do ex-ministro Sergio Moro de que Bolsonaro queria interferir no trabalho da Polícia Federal foi tema recorrente do pronunciamento. Em alguns momentos, Bolsonaro entrou em contradição: disse que não fez qualquer interferência no trabalho, mas também admitiu que pediu um relatório sobre um inquérito envolvendo um dos seus filhos, Jair Renan.
Na primeira vez em que falou sobre o tema, reclamou de que Moro estava mais interessado no caso Marielle Franco do que na tentativa de assassinato cometida contra ele durante a campanha eleitoral. O caso da facada, no entanto, já foi resolvido: Adélio Bispo de Oliveira foi preso em flagrante, julgado, considerado inimputável e internado em hospital psiquiátrico.
— Ora bolas, se eu posso trocar um ministro, porque não posso trocar o diretor da PF? Eu não preciso pedir autorização para ninguém para trocar o diretor ou qualquer outro que esteja na pirâmide hierárquica do poder Executivo. Será que interferência pedir, quase implorar, que se apure quem mandou matar Jair Bolsonaro? A PF se preocupou mais com Marielle do que o senhor Jair Bolsonaro. Me desculpe, senhor ministro, o meu tá bem mais fácil de solucionar. Afinal, o autor foi preso em flagrante delito. Três renomados advogados estavam lá para defender o assassino. Isso é interferir na Polícia Federal? — afirmou Bolsonaro.
É interferência quase implorar que se apure quem mandou matar Jair Bolsonaro?
As investigações sobre o caso concluíram que AdÉlio Bispo de Oliveira agiu sozinho quando desferiu a facada em Bolsonaro em Juiz de Fora.
Depois disso, Bolsonaro deixou claro que pediu a Moro para que o porteiro do condomínio Vivendas da Barra fosse investigado, e que queria saber detalhes dessa investigação.
— Será que pedir à PF, quase implorar, via ministro, que fosse apurado o caso Marielle no caso porteiro da minha casa 58 na avenida Lúcio Costa 3100? Quase que por acaso descobrimos, pedi para a portaria, meu filho, filmar a secretária eletrônica. Talvez hoje ficasse a dúvida de que eu estivesse envolvido nisso — declarou.
No dia 29 de outubro de 2019, uma reportagem da TV Globo afirmou que o nome do presidente foi citado na investigação do caso Marielle a partir de um depoimento do porteiro do condomínio. De acordo com o funcionário, um dos suspeitos do crime — Élcio Queiroz — chegou ao condomínio horas antes do crime, às 17h10min, e disse que iria à casa de número 58, de Bolsonaro. Um mês depois, em depoimento à Polícia Federal, o mesmo porteiro disse à Polícia Federal que se enganou. Bolsonaro estava em Brasília no dia da morte de Marielle.
— Será que é interferir na Polícia Federal exigir uma investigação sobre esse porteiro? Ele foi subornado? Ele foi ameaçado? Ele sofre das faculdades mentais? — disse Bolsonaro.
Corte de gastos
O presidente usou alguns minutos do seu pronunciamento para falar "da sua vida particular", quando trouxe à tona o tema da corrupção. Ele elencou uma série de medidas, que vão desde a diminuição de despesas com aluguéis até o aquecedor da piscina do Palácio da Alvorada.
— Eu posso sacar 24 mil reais e gastar como bem entender, sem prestação de contas. Quanto eu posso gastar? Zero. Isso é obrigação. Desliguei o aquecedor da piscina olímpica do Alvorada. Modificamos o cardápio. mas isso não tem nada a ver. É obrigação da minha parte. Tenho preocupação da coisa pública e busco dar exemplo.
Saída do diretor-geral da PF
Dezenove minutos depois de começar o pronunciamento, Bolsonaro falou sobre o eixo central da crise com Moro: a troca do diretor-geral da PF, com a saída de Maurício Valeixo. Começou abordando o atentado sofrido na campanha eleitoral de 2018 ("Eu devo a minha vida a esses homens").
Queremos que a PF seja usada em sua plenitude
JAIR BOLSONAR
— O que nós queremos da Polícia Federal? Que ela seja usada em sua plenitude. Como mesmo o senhor Valeixo disse que estava cansado, eu comecei a fazer gestões junto a ministros para trocar o comando da Polícia Federal. Era a intenção dele, como ele falou ontem, que desde janeiro queria sair.
O presidente se referia a uma conversa com superintendentes da Polícia Federal nos Estados, na qual, segundo ele, Valeixo teria manifestado que estava cansado. Em sua carta de despedida, Valeixo não fez menções a isso, mas tampouco negou.
"Por que tem que ser o seu, e não o meu?"
Depois, ele elencou que tinha dificuldades em obter informações da PF.
— No dia de ontem (quinta-feira, 23 de abril), eu conversei com o senhor Sergio Moro, só eu e ele, como na maioria das vezes as nossas conversas. Eu sempre abri o coração para ele. Eu já duvido se ele sempre abriu o coração para mim. A confiança tem dupla mão (...) Sempre falei para ele: "Moro, não tenho informações da Polícia Federal". Eu tenho que, todo dia, ter um relatório do que aconteceu nas últimas 24 horas para poder decidir o que fazer com essa nação. Eu nunca pedi a ele o andamento de qualquer processo. Até porque a inteligência, com ele, perdeu espaço na Justiça. Quase que implorando informações. E assim, eu sempre cobrei informações dos demais órgãos oficiais do governo, como a Abin (...)
No dia em que eu tiver que me submeter a um subordinado, eu deixarei de ser o presidente da República
JAIR BOLSONARO
Relatando a conversa com Moro, Bolsonaro reiterou que Moro queria indicar o novo diretor-geral da Polícia Federal, e afirmou que a lei de 2014 mostrava que a prerrogativa era sua.
— Eu falei: tá na hora de botar um ponto final nisso. Ele (Valeixo) tá cansado, tá fazendo como pode o seu trabalho. Pessoalmente, não tenho nada contra ele. Conversei poucas vezes no último um ano e quatro meses, e na maioria das vezes, estava o Sergio Moro do lado. Então, eu falei que o Diário Oficial da União publicaria a exoneração do senhor Valeixo. E, pelo que tudo indicava, a operação a pedido. Bem, ele relutou e falou: "Mas o nome tem que ser o meu". Eu falei: "Então vamos conversar. Porque tem que ser o seu, e não o meu". Ou então, já que não pode ter interferência política, técnica ou humana, vamos fazer um sorteio. Porque não pode ser um consenso? O dia em que eu tiver que me submeter a um subordinado meu, eu deixarei de ser presidente da República.