O Senado aprecia em sessão virtual, na tarde desta quarta-feira (15), a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe um "orçamento de guerra" para o enfrentamento da pandemia de coronavírus no país.
Articulado pelo presidente da Câmara, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), o texto retira amarras para que a equipe do presidente Jair Bolsonaro tenha mais agilidade e flexibilidade para adotar medidas emergenciais. Ou seja, a proposta prevê a criação de um regime extraordinário financeiro e de contratações para facilitar a execução do orçamento relacionado às medidas emergenciais. Com isso, o governo fica dispensado de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, desde que as despesas sejam apenas para o período de calamidade e não virem atos permanentes.
A medida foi aprovada com facilidade na Câmara dos Deputados no dia 3 de abril — veja os pontos aprovados pela Casa aqui (link). No primeiro turno, foram 505 votos a favor e dois contrários. Na segunda rodada, registraram-se 423 votos a favor e um contrário. A emenda precisava de 308 votos (três quintos do total) em cada escrutínio. No Senado, também são necessários três quintos de votos favoráveis em duas votações.
Na segunda, após acerto entre os líderes, Antonio Anastasia (PSD-MG) acatou as emendas dos colegas que alteram o texto original. O senador apresentou um substitutivo. Desta forma, com as alterações, a PEC precisará retornar para apreciação da Câmara.
No substitutivo, Anastasia propôs, por exemplo, que seja retirado o artigo que prevê a criação do comitê de gestão de crise, que ficaria responsável pela fiscalização das ações do governo durante o estado de calamidade decretado por conta da pandemia do coronavírus — previsto até o fim deste ano. O relatório atribuiu as faculdades previstas para ele ao Poder Executivo.
Em outro ponto, Anastasia defende que a possibilidade de o Banco Central comprar e vender títulos do Tesouro Nacional e títulos privados é necessária para aumentar a liquidez das empresas e injetar dinheiro na economia. No entanto, ele manifestou preocupação em relação ao mecanismo pelo qual o Banco Central poderá realizar a compra de ativos de empresas, sobretudo em quais mercados poderá atuar e quais os limites de sua atuação.
Entenda as principais mudanças:
Comitê de crise
O que queria a Câmara: formação de um Comitê de Gestão de Crise, composto pelo presidente Jair Bolsonaro e seus ministros — entre eles o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o da Economia, Paulo Guedes. Estados e municípios também serão representados no Conselho por meio de secretários de saúde, da fazenda e assistência social, mas não terão direito a voto.
Funções do Comitê: acompanhará contratos celebrados ou que serão assinados pela União, autarquias, empresas públicas e fundações públicas, tendo poder de anular, revogar ou retificar os termos dos processos. Também ficará a cargo do comitê a decisão sobre contratação de pessoal, obras, serviços e compras relacionados exclusivamente ao enfrentamento da situação de calamidade pública.
O quer o Senado: exclusão do Comitê de Gestão de Crise, colocando a fiscalização dos atos do governo durante a pandemia sob responsabilidade do Congresso.
Banco Central
O que quer a Câmara: fica autorizado a comprar e vender títulos do Tesouro Nacional nos mercados secundários local e internacional. Também fica autorizado direitos de crédito e títulos privados no âmbito de mercados financeiros, de capitais e de pagamentos. O capital mínimo do tesouro em questão será de 25%, e deverá ser autorizado pelo Congresso. A cada 45 dias, o Banco Central deverá prestar contas ao Congresso.
O que quer o Senado: a compra de títulos no mercado secundário fica condicionada a determinadas modalidades de títulos e desde que os ativos tenham sido objeto de avaliação de qualidade de crédito por agência internacional de classificação. O índice de 45% foi retirado da proposta. A prestação de contas deve ser feita em relatórios mensais ao Congresso.
Previdência
O relator também incorporou ao substitutivo uma emenda do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE) que insere entre as medidas do regime extraordinário a suspensão da exigência de que as empresas estejam em dia com a Previdência Social de seus empregados. Segundo Anastasia, a emenda vai ao encontro da MP 944/2020, em análise no Congresso, que visa a dar fôlego financeiro a empresas neste momento de paralisia econômica, com a concessão de crédito em condições favoráveis para pagamento da folha de salários dos empregados.
O que se mantém
Créditos extraordinários
Terão a urgência e pertinência avaliados pelo Congresso, durante o período de 15 dias úteis.
Regra de ouro
Anastasia manteve no substitutivo a suspensão da regra de ouro, que veda o endividamento estatal para custear salários, benefícios previdenciários e outras despesas correntes. Esta suspensão garante que o governo possa emitir títulos sem autorização do Congresso.
Em contrapartida, o relator acolheu emenda do senador Luiz do Carmo (MDB-GO), que exige do Ministério da Economia a publicação, a cada 30 dias, de relatório contendo os valores e o custo das operações de crédito realizadas no período de vigência do estado de calamidade pública, elencando as programações em que esses recursos foram aplicados e destacando aquelas relacionadas ao enfrentamento da pandemia.
Justiça
Todas as questões judiciais que envolvam o comitê serão de competência do Tribunal Superior de Justiça (STJ).
PEC gera divergência entre parlamentares e deve render longas discussões no Senado
Articulada por Maia, a proposta gerou um entusiasmo inicial, que cedeu espaço a ressalvas, e a previsão para esta quarta é de longas discussões no Senado. Um dos principais adversário da PEC é Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, que criticou a votação virtual, por entender que a Constituição não poderia ser alterada remotamente, e tem argumentado que se trata de medida desnecessária. É a primeira vez que uma mudança constitucional poderá ser decidida em sessão virtual.
Mesmo valendo apenas para o período da pandemia, a medida é considerada polêmica e foi a principal trava para a tramitação da proposta.
Outra crítica de senadores é em relação à forma de votação da PEC, em plenário virtual e em votação aberta, sem que tenha passado por análise prévia de nenhuma comissão por causa do estado de calamidade. O tema foi discutido após a leitura do relatório, mas o relator defendeu a forma de votação.