A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que propõe um "orçamento de guerra" para o enfrentamento da pandemia de coronavírus será apreciada pelo Senado nesta segunda-feira. Pela primeira vez, uma mudança constitucional poderá ser decidida em sessão virtual.
No dia 3 de abril, o texto da PEC 10/2020 foi aprovado com facilidade na Câmara dos Deputados. No primeiro turno, foram 505 votos a favor e dois contrários. Na segunda rodada, registraram-se 423 votos a favor e um contrário. A emenda precisava de 308 votos (três quintos do total) em cada escrutínio.
No Senado, onde também são necessários os três quintos em duas votações, a facilidade não deve se repetir. Nos últimos dias, vários integrantes da casa se manifestaram para reivindicar mudanças no texto ou para afirmar que o chamado orçamento de guerra não é necessário.
Articulada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), a proposta cria um orçamento à parte, específico para o combate à epidemia e separado do orçamento da União. A intenção é agilizar a execução de despesas durante o atual estado de calamidade pública, mas não só. Serviria também para salvaguardar os gestores públicos, isentando-os de cumprir a chamada regra de outro, norma que impede o governo de se endividar para pagar despesas correntes, como salários, Previdência e benefícios assistenciais.
— Tudo que vai ser construído, vai ser para o enfrentamento da crise, e não dentro do orçamento do governo, para que isso não gere impacto de aumento de despesa no momento em que o Brasil vai ficar mais pobre e que o próprio governo federal, Estados e municípios vão ter de repensar um pouco mais na frente a sua readequação a uma nova realidade, de um país mais pobre — justificou Rodrigo Maia.
O entusiasmo inicial com a proposta, no entanto, cedeu espaço a ressalvas, e a previsão para este segunda-feira é de longas discussões no Senado. Um dos principais adversário da PEC é Randolfe Rodrigues (Rede-AP), líder da oposição no Senado, que criticou a votação virtual, por entender que a Constituição não poderia ser alterada remotamente, e tem argumentado que se trata de medida desnecessária.
— Defendo que, sendo necessária a apreciação da PEC, a gente reúna os senadores presencialmente. Vai todo mundo para o plenário do Senado, com os cuidados necessários, para apreciar a PEC. Nós também divergimos da necessidade dela, porque achamos que o decreto de calamidade já atende às necessidades do governo — disse Rodrigues à Agência Folha.
O entendimento do senador é que o decreto de calamidade pública já aprovado pelo Congresso Nacional e as medidas provisórias editadas nas últimas semanas já criaram dispositivos para permitir que o governo amplie seus gastos.
Rodrigues critica também um artigo da proposta que autoriza o Banco Central a negociar títulos privados (como debêntures, carteiras de crédito e certificados de depósitos bancários), como forma de aumentar a liquidez de empresas. Para o senador, o artigo precisa ser revisto, porque transformaria o Banco Central num operador especulativo com dinheiro público.
A tese de que a PEC é desnecessária foi desfraldada também pelo vice-líder do PSD, senador Angelo Coronel (BA):
— Vou analisar essa PEC com muito carinho, mas para mim é desnecessária. Nós já demos um cheque em branco ao governo para que ele faça ações e abra créditos para apoiar o povo e as empresas necessitadas. O que é necessário agora é celeridade. O governo está preso na burocracia, não está sendo ágil, não desce do palanque. Precisamos fazer com que os recursos cheguem com mais rapidez — afirmou à Agência Senado.
A senadora Simone Tebet (MDB-MS), por sua vez, lembrou que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), já manifestou que é possível violar a Lei de Responsabilidade Fiscal e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, no que se refere à regra de ouro, em situação de calamidade pública. Além disso, a senadora encaminhou um questionamento à Associação da Auditoria de Controle Externo do Tribunal de Constas da União sobre a forma de votação da PEC, prevista para ocorrer de forma remota por causa da ameaça do coronavírus. A entidade defendeu que mudanças na Constituição precisam ser votadas de forma presencial.
Na semana passada, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), que tem trabalhado para aparar as arestas que envolvem a PEC, afirmou que esta será a única emenda à Constituição a ser apreciada de forma virtual. Ele também afirmou que não haveria como garantir o sigilo de uma votação secreta, como ocorreria em caso de votação no Senado.
— Será filha única de mãe solteira esta PEC — afirmou Alcolumbre.
Entre os apoiadores da proposta, há abertura para modificar pontos controversos. Um dos vice-líderes do governo no Senado, Izalci Lucas (PSDB-DF), citou o artigo que trata do Banco Central como um dos que poderão ser reconsiderados. Na avaliação dele, esse ponto não impedirá que a PEC seja aprovado.
— Nós que já fomos executores sabemos da preocupação hoje dos ordenadores de despesa de assinar qualquer documento. Então esse é mais um instrumento de garantia e de tranquilidade aos que estão neste momento difícil e que precisam tomar uma série de decisões e atitudes que podem trazer consequências jurídicas graves posteriormente — disse, à Agência Senado.
Rodrigo Cunha (PSDB-AL) concorda que é preciso estar atento à questão do Banco Central, mas considera a PEC importante durante a atual emergência e elogia o artigo que cria um Comitê de Gestão de Crise para executar o "orçamento de guerra".
— Falta de fato uma centralização das ações, e esse órgão deve preencher essa lacuna.
ENTENDA A PEC
O que propõe
Separa os gastos do governo com a pandemia do restante da execução do Orçamento da União.
Objetivo
A medida daria mais agilidade à execução de despesas com pessoal, obras, serviços e compras do Executivo durante o estado de calamidade.
Salvaguarda jurídica
O regime extraordinário financeiro e de contratações neutralizaria possíveis problemas jurídicos para os servidores encarregados da execução orçamentária.
Vigência
Até 31 de dezembro de 2020. Os atos praticados a partir de 20 de março seriam validados.
Quem executaria
Um comitê de gestão de crise, composto pelo presidente da República e ministros de Estado. Representantes de secretários de Saúde, de Fazenda e de Assistência Social de Estados também teriam assento.
Quem fiscalizaria
O Congresso Nacional, por meio do Tribunal de Contas da União (TCU), apreciaria os atos de maneira simplificada. Deputados e senadores poderiam suspender decisões do comitê ou do Banco Central e devolver Medidas Provisórias.
Regime fiscal
O Executivo não precisaria de autorização do Congresso para emitir títulos em violação à "regra de ouro", que veda o endividamento para custear salários e outras despesas correntes. Os recursos poderiam também pagar juros e encargos.
Suspensão de restrições
Projetos do Legislativo e atos do Poder Executivo seriam dispensados do cumprimento de restrições legais e constitucionais, seja para aumento de despesa, concessão ou ampliação de incentivo ou benefício tributário.
Banco Central
O BC poderia comprar e vender títulos do Tesouro Nacional nos mercados secundários local e internacional, bem como títulos privados, como debêntures, carteiras de crédito e CDBs, para aumentar a liquidez das empresas.
Jurisdição de conflitos
Todas as ações judiciais contra decisões do Comitê de Gestão da Crise seriam de competência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Tramitação
Aprovada na Câmara em 3 de abril, aguarda apreciação do Senado.
Aprovação
O texto precisa passar por dois turnos de votação e ser aprovado por no mínimo três quintos dos senadores (ou seja, 49) em cada escrutínio.
FONTE: Agência Senado