Tudo indicava que, na segunda-feira tensa em Brasília, o bolsonarismo devoraria mais um dos seus próprios militantes. Uma prática que emula a Revolução Francesa, só que no outro extremo político. No caso, o guilhotinado seria o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Isso só não aconteceu, em grande parte, porque os ministros com origem militar se uniram para evitar a degola política.
Em reunião que durou 1h20min no Palácio do Planalto, Mandetta foi chamado a dar explicações. Bolsonaro foi o primeiro a falar. Queixou-se dos ataques da imprensa e disse que o país não pode ficar até agosto em quarentena. Todos concordaram com as observações.
Quando chegou a vez dos militares (maioria no Planalto) opinarem, falaram os generais-ministros Braga Neto (Casa Civil) e Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo). Eles refletiram também palpites do general Fernando Azevedo e Silva (Defesa) e do almirante Flávio Rocha (Secretaria de Assuntos Estratégicos, que assessora o presidente em política externa). Deixaram claro serem contra a demissão de Mandetta.
A mesma posição teve o vice-presidente, general Hamilton Mourão. E até o conselheiro mais fiel de Bolsonaro, o ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno, disse que o governo deveria se unir nessa hora de emergência nacional.
Dos ministros-militares presentes, dois são oráculos nos bastidores do governo. Um deles é Braga Neto, que inclusive ganhou direito de intervir nas entrevistas coletivas de Mandetta. Ele virou uma espécie de Chefe do Estado-Maior do Planalto, na definição de Nelson Düring, editor do site especializado em assuntos militares defesanet.com.br. Entre as novas missões de Braga Neto está não deixar que o presidente se exponha politicamente. Com direito a recomendar que sejam retirados tuítes mal-interpretados. Nem sempre o general é bem sucedido, como se sabe.
Braga Neto foi interventor militar no Rio de Janeiro e, sublinha um arguto observador da política nacional, “sabe nome, endereço e CPF dos milicianos” que atuam no Estado-base dos votos de Bolsonaro. Sabe muito e fala pouco, mas é bastante ouvido.
Já o general Azevedo e Silva foi assessor do presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, e mantém boas relações na Corte até hoje. É informado da temperatura no Judiciário em relação aos atos de Bolsonaro.
Dois cálculos pesaram na pressão militar para evitar a demissão de Mandetta. Um deles é o componente político. Mesmo sem serem ingênuos e sabedores de que o ministro é político de carreira, a sua demissão só agradaria ao núcleo duro ideológico composto por familiares do presidente e adeptos do guru dos Bolsonaro, Olavo de Carvalho. Eles são engajados, mas minoritários no contingente que levou Bolsonaro à vitória nas eleições. Excetuados aplausos dos jacobinos do bolsonarismo, a demissão do ministro da Saúde renderia críticas e oposição ferrenha no Congresso e dos governadores, tornando plausível um pedido de impeachment, analisa um governista com acesso ao Palácio do Planalto.
A outra razão para evitar a demissão é mesmo técnica. Mandetta teve apoio das Forças Armadas na quarentena. Eles confiam na tentativa dele em achatar a curva de crescimento da doença, permitindo fôlego às instituições de saúde para adquirir equipamentos e medicamentos vitais para diminuir mortes pelo coronavírus.
Agora os militares defendem que a quarentena seja abrandada aos poucos. Um estudo elaborado pelo Centro de Estudos Estratégicos do Exército conclui que aplicação de testes em milhões de brasileiros ajudará a retomada de atividades econômicas e para isso se deve passar do isolamento horizontal (em vigor, defendido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e que manda todos ficarem em casa) para a estratégia de sequenciamento ou mista. Ela estabelece um calendário ou graduação no qual o isolamento é adequado à gravidade da doença em determinadas localidades.
Na reunião no Palácio do Planalto, Mandetta foi político. Aceitou a sugestão de abrandamento (“abertura lenta, gradual e segura”, como definiu o vice-presidente, general Hamilton Mourão, parodiando o ex-presidente Ernesto Geisel a respeito do fim do regime de 24 anos dos militares no poder). O ministro ressaltou que o próprio ministério tinha cogitado essa estratégia, há duas semanas.
Coube ao vice-presidente Mourão, o melhor relacionado com a imprensa, verbalizar a notícia de que Mandetta fica. Bolsonaro evitou entrevistas. O que ficou consensual, da reunião, é que o Brasil não partirá para o isolamento vertical (no qual apenas grupos de risco são obrigados a ficar em casa), prática defendida pelo presidente, que já se referiu à covid-19 como “uma gripezinha”. Poucos também têm dúvidas de que Mandetta está com um pé fora do governo. Só esperam que ele saia quando o pior da pandemia tiver passado.