Políticos, juristas e entidades de imprensa manifestaram-se sobre a decisão do Ministério Público Federal (MPF) de denunciar o jornalista Glenn Greenwald, fundador do site The Intercept Brasil no caso do ataque hacker contra autoridades, entre elas o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro.
Em frente ao Palácio da Alvorada, o presidente Jair Bolsonaro questionou se os veículos de imprensa não acreditam na credibilidade do MPF.
— Quem denunciou foi a Justiça. Você não acredita na Justiça— disse, corrigindo-se após ser informado que a denúncia havia sido feita pelo MPF. O presidente também questionou se Glenn ainda mora no Brasil.
Já o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, classificou a denúncia como "ameaça à democracia". Em sua conta no Twitter, ele defendeu que "jornalismo não é crime".
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Melo afirmou em entrevista ao Painel, da Folha de S.Paulo, que a denúncia é um ato "problemático" e "perigoso", uma vez que trata de uma situação com potencial para infringir a liberdade de expressão. Também defendeu que não é cabível agir de maneira a inibir "a arte de informar", e afirmou que, pessoalmente, nunca processaria um jornalista.
Já o secretário de Direitos Humanos da PGR, Ailton Benedito se manifestou, pelo Twitter, e defendeu a denúncia. "O HC que lhe foi concedido (a Greenwald) pelo STF é bastante claro, para quem quer ler e promover a verdade. O sujeito só não podia ser investigado por mera divulgação de fato que lhe chegara ao conhecimento. A decisão não o protege de ser denunciado pela participação nas próprias violações".
Entidades de imprensa criticam a denúncia
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou uma nota oficial em seu site, afirmando que a denúncia contra Glenn viola a liberdade de imprensa. No comunicado, a entidade lembra que a Polícia Federal não encontrou indícios de que o jornalista estivesse envolvido nos crimes, conclusão que consta em relatório datado de dezembro de 2019.
"É um absurdo que o Ministério Público Federal abuse de suas funções para perseguir um jornalista e, assim, violar o direito dos brasileiros de viver em um país com imprensa livre e capaz de expor desvios de agentes públicos. A Abraji repudia a denúncia e apela à Justiça Federal para que a rejeite, em respeito não apenas à Constituição, mas à lógica", finaliza o comunicado.
Já a Federação Nacional dos Jornalistas (FENAJ) classificou a ação como uma "intimidação ao jornalista e uma ameaça à atividade jornalística". A entidade afirmou que o o MPF está ignorando a Constituição Brasileira no tocante à liberdade de imprensa e a decisão do STF a qual determinou que o jornalista não seria investigado na Operação Spoofing — deflagrada para apurar as invasões dos celulares de autoridades.
Na nota, a Fenaj afirma que Glenn cumpriu papel profissional ao divulgar os diálogos do então juiz federal Sergio Moro e procuradores do MPF que atuavam na Lava-Jato. Também diz que é "incompreensível" que o jornalista seja denunciado, quando ele estava exercendo sua profissão.
"Ao jornalista não cabe o papel de recusar ou não divulgar informações de interesse público, porque obtidas de fontes anônimas e/ou sigilosas. Igualmente, não é dever do jornalista atestar a legalidade da obtenção das informações e, sim, verificar a veracidade das informações, antes de divulgá-las à sociedade", afirma a entidade. "O interesse público e a busca da informação verdadeira são os motores da atividade jornalística e nenhum profissional pode ser denunciado como suspeito de ter cometido um crime, justamente por honrar o compromisso de sua profissão", conclui a nota.
OAB
De acordo com o Estadão, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pronunciou-se sobre o caso em comunicado assinado pelo Observatório da Liberdade de Imprensa da instituição afirma que ela acompanha o caso com "grande preocupação".
"A denúncia descreve fato que não pode ser considerado crime. A participação em qualquer delito exige instigação ou colaboração efetiva para sua prática, e nenhuma das mensagens do jornalista incluídas no expediente do MPF indica qualquer desses comportamentos. A denúncia, portanto, criminaliza a mera divulgação de informações, o que significa claro risco para a liberdade de imprensa".
Outras repercussões
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por sua vez, prestou solidariedade a Glenn. Em uma rede social, o petista afirmou que o jornalista foi vítima de "evidente abuso de autoridade". Logo em seguida, publicou a mesma mensagem, mas em inglês — Glenn nasceu em Nova York, nos Estados Unidos.
A ex-presidente Dilma Rousseff rechaçou a denúncia do MPF, afirmando que a decisão é um "grave atentado à liberdade de imprensa". A petista disse que a ação vai de encontro com liminar concedida pelo STF, referindo-se à decisão do ministro Gilmar Mendes que proibiu investigação contra Glenn no âmbito da Operação Spoofing.
O ex-governador do Ceará Ciro Gomes também pronunciou-se sobre o caso. Ele classificou a denúncia como "sem pé nem cabeça" e repudiou a decisão do MPF. Ciro afirmou que Glenn fez "o mais genuíno jornalismo" e defendeu que o exercício da profissão é "essencial à democracia".