Ao final de 10 meses de discussões, o pacote de reforma estrutural do Estado proposto pelo governo Eduardo Leite chegou à fase decisiva. Nesta quarta-feira (13), rodeado de aliados, o governador resumiu a versão final das oito propostas que revisam mais de cem regras do funcionalismo. Os textos foram protocolados na Assembleia no fim da tarde.
Depois de ouvir corporações e sindicatos, o governo fez concessões pontuais – e, segundo Leite, "chegou ao limite das possibilidades". As mais significativas envolvem o pagamento de salário na forma de subsídio para policiais militares e agentes do Instituto-Geral de Perícias (IGP) e a criação de normas de transição para a incorporação de funções gratificadas (FGs) às aposentadorias, que deixará de ser possível (veja os detalhes no fim do texto).
Além disso, o governo garantiu a agentes penitenciários e a policiais civis que ingressaram no Estado entre 2003 e 2015 o direito à paridade e à integralidade. Isso significa que, além de se aposentarem com o mesmo salário da ativa, eles receberão, na inatividade, os mesmos reajustes concedidos aos colegas da ativa.
As alterações, segundo cálculos do governo, representarão perda de R$ 1 bilhão na economia inicialmente prevista (de R$ 26,4 bilhões para R$ 25,4 bilhões, o equivalente a 21 folhas de pagamento líquidas do Executivo).
Se os profissionais da área da segurança mereceram a condescendência do governador, o mesmo não se deu no caso do magistério – uma das categorias mais resistentes ao pacote. O Cpers-Sindicato, que considera o plano de carreira dos professores um patrimônio, se negou a negociar com o Palácio Piratini.
— Sempre estivemos abertos ao diálogo junto ao Cpers. Infelizmente, foi o sindicato que menos quis dar contribuições — lamentou Leite.
Após idas e vindas, o governo decidiu dividir o pacote da seguinte forma:
- Uma proposta de emenda à Constituição (PEC), que trata da retirada de vantagens temporais e do fim do efeito cascata nas remunerações, entre outros pontos;
- Seis projetos de lei complementar (PLC) envolvendo alterações na Previdência de civis e militares, nas regras funcionais da Brigada Militar, da Polícia Civil, da Superintendência de Serviços Penitenciários (Susepe) e do Instituto-Geral de Perícias (IGP) e no estatuto dos servidores civis;
- Um projeto de lei (PL) revisando o plano de carreira do magistério, de 1974.
As medidas cortam benefícios de servidores de todos os poderes e replicam pontos da reforma previdenciária aprovada em Brasília. Com isso, o Palácio Piratini pretende frear o crescimento automático da folha de pagamento e conter o avanço dos gastos com pessoal — que, segundo dados oficiais, representaram 82% das despesas entre janeiro e agosto deste ano.
Em entrevista coletiva, Leite reconheceu que haverá dificuldades na aprovação das medidas, mas sustentou que não há alternativa à crise no Estado e garantiu estar confiante em relação ao resultado.
Peço compreensão aos servidores. Sou de uma família de servidores públicos e os respeito profundamente.
EDUARDO LEITE
Governador do Estado
— O Estado precisa enfrentar a crise. As medidas são fundamentais para que possamos conter despesas. Estamos muito confiantes na aprovação. É legítimo que os deputados façam a sua discussão, mas consideramos que fomos ao limite nas negociações — ressaltou, elogiando a "consciência" dos aliados e a "lealdade" de opositores.
Na tentativa de atenuar o impacto do pacote, o chefe do Executivo fez questão de destacar a preocupação de sua gestão "com os servidores que ganham menos". O abono família (pago por filho), por exemplo, será restrito aos funcionários de baixa renda e terá o valor triplicado. Já o desconto do vale-refeição (de 6%) deixará de ser cobrado pelo Estado.
— Peço compreensão aos servidores. Sou de uma família de servidores públicos e respeito profundamente esses profissionais. O que está encaminhando é em benefício deles, olhando para frente. Não haverá condições mínimas de uma política de valorização do servidor sem o equilíbrio fiscal — destacou Leite.
Conforme o governador, que também gravou entrevista para o programa Gaúcha Mais, da Rádio Gaúcha, a expectativa é de que a maior parte das propostas (que será encaminhada em regime de urgência ao Legislativo) seja votada e aprovada ainda em 2019. Por seguir trâmite especial, a PEC tende a ser apreciada apenas em janeiro de 2020, a partir de convocação extraordinária dos deputados, durante o recesso parlamentar.
Dúvidas entre base e oposição
Preocupado em mostrar os projetos aos deputados estaduais antes de levá-los ao conhecimento público, o governador Eduardo Leite recebeu 35 dos 55 parlamentares para um café da manhã no Galpão Crioulo do Palácio Piratini. O encontrou durou quase duas horas e foi celebrado pelo chefe da Casa Civil, Otomar Vivian, que carregava um papel no bolso com os nomes dos aliados presentes rabiscados à mão (exatamente 33, a quantidade mínima necessária para a aprovação da PEC). De todas as bancadas, apenas a do PSOL e a do Podemos não compareceram.
— Foi uma reunião excelente, de muito diálogo, como sempre preconizamos — disse Vivian, otimista em relação aos resultados.
Apesar disso, muitos parlamentares deixaram o local com dúvidas. Da oposição, dois nomes marcaram presença: Eduardo Loureiro (PDT) e Fernando Marroni (PT). O pedetista lamentou a falta de detalhamento da apresentação. Segundo Loureiro, o PDT vai aguardar o envio dos textos à Assembleia para avaliar o conteúdo, mas adiantou posição contrária a pontos que envolvem servidores do magistério e da segurança pública:
— Vimos apenas as linhas gerais. São medidas duras. O fim das incorporações foi amenizado com regras de transição. Agora vamos avaliar o todo. Temos de preservar as categorias que mais sofrem, principalmente professores e policiais. É complicado prejudicar ainda mais esses servidores.
Representando o PT, Fernando Marroni reforçou as críticas:
— O governo segue batendo em uma tecla só: corte. E o corte atinge quem ganha menos. Não ouvimos nenhuma palavra sobre aqueles que estão acima do teto. Também não acho possível que se naturalize os prejuízos com a Lei Kandir. O governo disse que não se pode buscar o ressarcimento. Discordamos disso.
Mesmo apoiadores do governo, como o deputado Elton Weber (PSB), evitaram chancelar o pacote antes de ver as medidas completas.
— Foi uma explanação superficial. Devemos receber os textos completos até o fim do dia. As propostas precisam ser analisadas para que possamos construir uma posição. É certo que algo precisa ser feito, mas quem vai dizer definir isso é a Assembleia — ponderou.
Presidente da Casa, Luís Augusto Lara (PTB) também fez ressalvas. Ele é do mesmo partido do vice-governador, Ranolfo Vieira Júnior.
— Não foram apresentados os projetos na íntegra. A Assembleia vai analisar. Precisamos enfrentar o tema, mas temos de achar a dose certa para não matar o paciente — afirmou Lara.