Com o prédio guarnecido por agentes da Polícia Federal, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) cassou nesta segunda-feira (21) o mandato do presidente da Assembleia Legislativa, Luis Augusto Lara (PTB). Por unanimidade, os desembargadores entenderam que Lara foi favorecido por uso da máquina pública do município de Bagé durante a eleição de 2018.
A cassação do mandato, contudo, foi decidida com a formação de maioria de quatro votos a três num colegiado de sete desembargadores. Trata-se de uma decisão inédita: é a primeira vez que a Corte cassa o mandato de um presidente da Assembleia no exercício do cargo. A perda do mandato, no entanto, não é automática.
O parlamentar e o irmão, o prefeito afastado de Bagé Divaldo Vieira Lara (PTB), ainda foram condenados a pagar uma multa de R$ 60 mil cada um e tiveram os direitos políticos cassados até 2026. Ambos eram acusados de abuso de poder econômico, abuso de poder político e dos meios de comunicação na campanha que conduziu Lara ao sexto mandato consecutivo de deputado estadual.
O TRE julgou em conjunto duas ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes), uma de autoria do Ministério Público Eleitoral e outra do PSOL. A base das acusações eram medidas tomadas por Divaldo à frente do município, como a instituição de turno único na prefeitura para que os servidores atuassem na campanha no horário inverso ao de expediente, e a antecipação do 13º salário para forçar a compra de convites para jantar de arrecadação de fundos à campanha. Houve ainda uso massivo de um jornal da cidade em prol da campanha de Lara.
Para demonstrar que foi um movimento orquestrado, o procurador eleitoral Fábio Venzon citou conversas via WhatsApp do prefeito e secretários pressionando pela compra de ingressos. Segundo Venzon, pelo menos 258 servidores adquiriram convite ao preço unitário de R$ 250. No total, somando-se também os valores angariados junto a servidores da Câmara de Vereadores, o jantar teria contribuído com 22% da receita total de campanha de Lara.
— Ainda que não houvesse anuência, não há dúvida que Luis Augusto Lara foi beneficiado. Há gravidade suficiente para cassação do diploma e mandato do deputado — resumiu Venzon.
Advogado de Lara, Antonio Augusto Mayer dos Santos contestou uma a uma as acusações, salientando que Lara não precisaria dos votos obtidos em Bagé para se eleger.
— Ele amealhou 20.836 votos naquela cidade, menos do que na eleição anterior, quando lá havia feito 26.736 votos. Ou seja, perdeu 6 mil votos. Vou além, Lara teve 56.396 votos. Se subtrairmos todos os votos obtidos em Bagé, restariam 35.560 votos. Mesmo assim ele teria sido eleito, pois o último da coligação se elegeu com 31 mil votos. Essa aritmética tem um peso e uma importância — alertou o advogado.
O início do julgamento foi auspicioso para os Lara. Após as sustentações dos advogados de defesa, o relator do caso, desembargador André Villarinho reconheceu que não havia “controvérsia a respeito dos fatos”, porém, “não são suficientemente graves para causar mácula à legalidade do pleito de 2018”.
— Há concorrência dos fatos. A questão é a tipicidade, o alcance e a gravidade dos fatos. Estou preconizando a pena que eu acho proporcional ao ato praticado — argumentou.
Villarinha sugeriu punição pecuniária, com multa de R$ 30 mil a Lara e de R$ 60 mil a Divaldo. A divergência, porém, surgiu logo no segundo voto. Para o desembargador Gerson Fischmann, era preciso levar em consideração a gravidade dos fatos, e não somente o número de votos conquistados, como sustentava a defesa. Ele votou pela pena máxima: cassação do mandato de Lara, inelegibilidade por oito anos aos irmãos e multa de R$ 60 mil para cada um.
— Impossível dizer que todos esses fatos não trouxeram vantagem ao candidato, ainda mais com expressivo uso da prefeitura de Bagé. Uma vez ilegítima a disputa, a cassação é medida impositiva. Os fatos apurados foram suficientes para gerar desequilibro e causar manifesto prejuízo à lisura do processo eleitoral — afirmou Fischmann.
Defesa irá recorrer
Após a derrota, o advogado do parlamentar anunciou que irá recorrer ao próprio TRE para manter o mandato de Lara. Tão logo o acórdão do julgamento desta segunda-feira seja publicado, Mayer pretende ingressar com embargos de declaração. O recurso serve para os magistrados esclarecerem eventuais trechos confusos ou obscuros da decisão. Porém, tem efeito suspensivo — o que dá garantia a Lara do direito ao cargo até segunda decisão.
— Respeito os votos, mas tenho divergência com relação ao conteúdo probatório. Vamos nos fixar nos votos minoritários. Não há nenhuma imputação de conduta ativa do deputado Lara, muito menos que justifique medida tão drástica — disse Mayer.
O advogado salienta ainda que tão logo sejam julgados os embargos de declaração irá recorrer com recurso ordinário ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Em contrapartida, o PSOL também pretende recorrer da decisão dos magistrados. O partido queria a anulação dos votos de Lara e o recálculo do coeficiente eleitoral. Se essa medida fosse adotada, o PTB perderia a cadeira, que passaria a ser do PSOL, ocasionando a posse do primeiro suplente, deputado Pedro Ruas.
Como o TRE não anulou os votos, eventual manutenção da decisão faz com que o primeiro suplente do PTB assuma a vaga de Lara — secretária de Trabalho e Assistência Social Regina Becker.