A citação ao nome do presidente Jair Bolsonaro nas investigações sobre o assassinato da ex-vereadora Marielle Franco, caso ainda em apuração no Rio de Janeiro e com dúvidas a serem esclarecidas, trazem à tona a lembrança de outros cidadãos comuns, funcionários de fora das cúpulas do poder, que se tornaram protagonistas em escândalos políticos por depoimentos que abalaram a República.
No presente, o porteiro do condomínio em que o presidente mora na Barra da Tijuca, no Rio, disse a investigadores que um dos matadores de Marielle, Élcio de Queiroz, chegou ao conjunto habitacional no dia do crime informando que iria à casa do então deputado Bolsonaro. Alguém da residência teria dado autorização por interfone para o ingresso do visitante, já que Bolsonaro estava em Brasília. Mas, ao entrar no condomínio, Élcio de Queiroz, em um veículo Logan, foi até a residência de outro morador, Ronnie Lessa, vizinho de Bolsonaro e suspeito de ter disparado contra a vereadora.
No passado, dois casos com algumas semelhanças ajudam a remontar momentos críticos do Brasil no pós-redemocratização: o caseiro Francenildo Costa e o motorista Eriberto França, algozes do ex-ministro Antonio Palocci e do ex-presidente e hoje senador Fernando Collor.
Para além dos depoimentos, ações de figuras secundárias nas estruturas de poder também entraram para a história por terem causado eventos de enormes consequências, como no caso de Gregório Fortunato, o Anjo Negro, chefe da guarda pessoal de Getúlio Vargas. Recorde os casos abaixo:
Caso Francenildo — Ainda sob os ecos do escândalo do mensalão, em 2006, o caseiro Francenildo Costa afirmou em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo que o então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, usava uma mansão em Brasília para dar festas e se reunir com lobistas, ocasiões em que teria obtido vantagens. Ele manteve a versão quando chamado a prestar depoimento na CPI do Bingos.
A reação às revelações gerou efeito de gasolina no fogo: Francenildo teve seu sigilo bancário quebrado ilegalmente, ordem que teria partido de Palocci. Foi divulgado, na sequência, que o caseiro tinha recebido cerca de R$ 38 mil na sua conta bancária, o que chegou a motivar acusações de que ele tinha ganho o dinheiro para dar o depoimento contra o ministro. Contudo, foi demonstrado que em torno de R$ 25 mil do montante tinha entrado na conta do caseiro por iniciativa do seu pai biológico, para evitar um processo de paternidade.
Era o primeiro mandato do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e a crise foi tamanha que Palocci acabou derrubado do cargo de ministro — a primeira de suas duas quedas como homem forte dos governos do PT. A Caixa Econômica Federal foi condenada a pagar R$ 400 mil em indenização por danos morais ao caseiro Francenildo pela quebra ilegal do seu sigilo. A decisão foi ratificada em março de 2019 pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
O motorista Eriberto — A renúncia de Fernando Collor em 2 de outubro de 1992, se antecipando a uma cassação via impeachment, teve como uma de suas motivações o surgimento do personagem Eriberto França, então motorista da Presidência da República. Ele foi capa da revista IstoÉ e protagonizou depoimento em CPI. Nas duas ocasiões, afirmou que o ex-tesoureiro de campanha PC Farias bancava despesas da família de Collor, como a compra do famoso Fiat Elba e a reforma da Casa da Dinda, imóvel privado do ex-presidente em Brasília. A partir disso, Collor perdeu as condições de governar, sem nenhuma base de apoio político no Congresso e enfrentando rejeição e protestos nas ruas.
Anjo Negro — Na primeira metade dos anos 50, o Brasil vivia um dos momentos políticos mais tensos de sua história. Getúlio Vargas era presidente eleito e gozava de prestígio, mas o desgaste político e a força da oposição eram crescentes, sob a liderança do então jornalista Carlos Lacerda.
Em 5 de agosto de 1954, na Rua Tonelero, em Copacabana, Lacerda sofreu uma tentativa de assassinato ao chegar no prédio onde morava. Ele saiu com ferimento leve no pé. Quem morreu foi o major da Aeronáutica Rubens Florentino Vaz, que fazia a escolta.
Gregório Fortunato, gaúcho de São Borja, foi acusado de ser o mandante do crime. Conhecido como Anjo Negro, ele era chefe da guarda pessoal de Getúlio. A crise que sucedeu o episódio foi, provavelmente, a maior convulsão política da história do país. Getúlio se suicidou em 24 de agosto de 1954. Os apoiadores do presidente, furiosos, culpavam Lacerda pelo desfecho trágico. O jornalista, que viria a ser governador da Guanabara, teve de se refugiar por um período até a poeira baixar. O Anjo Negro foi condenado e preso como mandante do crime, sendo assassinado na cadeia em 1962.