A votação da reforma da Previdência no Congresso assustou servidores públicos estaduais que têm condições de se aposentar, mas continuam na ativa. Na terça-feira (22), dia da apreciação final do texto em Brasília, o movimento nos departamentos de recursos humanos das secretarias e demais órgãos foi maior do que o registrado normalmente.
Nesta quarta (23), a procura por essas seções continuava alta. Na sede da Secretaria da Educação (Seduc), por volta das 15h, sete professoras aguardavam atendimento para tirar dúvidas ou encaminhar os papéis para aposentadoria. Segundo as servidoras que atendiam as educadoras, o movimento foi maior na terça devido ao temor da aprovação da proposta no Senado.
Conforme levantamento divulgado pela assessoria de comunicação da secretaria, o número de aposentadorias de professores do governo do Estado deve crescer pelo menos 60% neste ano se comparado com 2018. O resultado de 2019 pode superar os dos últimos quatro anos. Atualmente, 2003 professores já se aposentaram e mais 1556 aguardam o processamento do pedido. No ano passado, ao todo, 2208 deixaram a atividade.
Aposentadoria na Secretaria da Educação:
2015: 2.807
2016: 2.472
2017: 2.579
2018:2.208
Até agora, em 2019: 2003 aposentadorias e 1.556 pedidos em análise
Servidores têm medo de perder direitos
Duas professoras que aguardavam atendimento na Seduc informaram à reportagem de GauchaZH que tirariam dúvidas e que encaminhariam os papeis para aposentadoria devido à aprovação da reforma da Previdência. A proposta extingue incorporação de gratificações, a integralidade, a paridade (que é receber o mesmo aumento dos funcionários da ativa) e outros benefícios. As novas regras só passarão a valer, porém, a partir da promulgação do texto, o que deve ocorrer entre os dias 12 e 19 de novembro.
— Me falaram que se eu me aposentar agora a perda vai ser de apenas 10%. Se for assim, eu peço a aposentadoria proporcional, mesmo perdendo a paridade. Eu já estou completando 42 anos de trabalho, já sou aposentada pelo INSS, então estou pensando — disse uma professora de português que não quis se identificar.
— Sou diretora desde 2008 e a gente se dedica ao máximo que pode: varre escola, limpa banheiro. Tudo para melhorar a vida dos outros, para melhorar a sociedade. E o que acontece agora? Todas somos obrigadas a se aposentar porque não temos mais condições de ficar. Além de não recebermos aumento, corremos o risco de perder triênios, convocação (valor extra para atuar em outra função). Isso nos deixa muito triste — disse outra educadora, se referindo também ao pacote prevendo a extinção de benefícios a ser encaminhado pelo governador Eduardo Leite à Assembleia.
Na Secretaria da Agricultura, também houve a corrida pelas aposentadorias. Na terça, servidores faziam fila no setor de recursos humanos da pasta para tirar dúvidas e encaminhar os papeis. A expectativa é de que neste ano haja aumento de 100% no número de pedidos de aposentadoria: a previsão é de que cerca de 200 servidores se encaminhem para a inatividade — em 2018, pouco menos de 100 servidores saíram do quadro de ativos. Os 200 interessados na aposentadoria correspondem a 10% do total de servidores ativos na secretaria.
PGE tenta estancar pedidos de aposentadoria
O governo tentar estancar os pedidos de aposentadoria. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) está fazendo um parecer para assegurar o direito adquirido das funções gratificadas (FGs). Com isso, os servidores poderiam, em tese, se aposentar com o dinheiro extra que recebem por desempenhar funções de chefia.
— O primeiro aspecto é que a Constituição traz uma série de garantias. Uma delas é a da irretroatividade da lei e a outra é que a lei para quem preenche os requisitos para inativação é a lei daquele momento. Então, o servidor que preencheu hoje os requisitos para aposentadoria, mesmo que ele venha a se aposentar em um momento futuro e mesmo que a regra venha a ser alterada, considerando o conceito de direito adquirido, ele pode se aposentar com os critérios requisitos naquela lei vigente naquele momento — disse o procurador-geral do Estado, Eduardo Cunha da Costa em entrevista ao programa Gaúcha Atualidade, ao tratar do tema das funções gratificadas, acrescentando:
— Este é o principal aspecto que fundamenta e nos dá certa diretriz para tranquilizar aqueles que já tenham preenchido os requisitos — afirmou o procurador-geral.
O que diz hoje a lei
A regra atual prevê que o servidor público que tenha cinco anos consecutivos de funções gratificadas – ou 10 anos intercalados – pode incorporar o valor para aposentadoria.
A reforma da Previdência que será promulgada pelo Congresso nos próximos dias, contudo, prevê o fim da incorporação das FGs, sem explicitar o que ocorre em Estados e municípios e como ficam os casos em andamento.
O receio dos servidores que cumprem esses requisitos e já podem se aposentar é o de que, após a promulgação da reforma, não possam levar para a inatividade esses valores.
O objetivo do é dar segurança jurídica para que esses servidores desistam de se aposentar imediatamente.
Questionado se o parecer, por si só, oferece segurança jurídica suficiente e se não haveria o risco de ser alterado por outro parecer da PGE, no futuro, Costa destacou que a interpretação que está sendo dada é consolidada sobre o tema e baseada em fundamentos constitucionais.
— Estamos fazendo uma interpretação e uma análise que não é nada forçada. Estamos fazendo uma análise de acordo em precedente do STF e do próprio Tribunal de Justiça acerca das normas referentes à incorporação, da aposentadoria dos servidores. O principal aspecto é que, quando temos uma orientação jurídica e também a ela seja atribuído o caráter jurídico-normativo, com isso a alteração disso dependeria na verdade também de uma análise de um princípio constitucional da proteção da confiança. Por isso, temos a tranquilidade de que quem vier depois, independe do momento, teria de fazer um esforço muito grande e ir contra esses princípios constitucionais para alterar esta conclusão (do parecer) — disse o procurador-geral do Estado.