Novos diálogos atribuídos a integrantes da Lava-Jato, publicados nesta sexta-feira (27) pelo portal UOL, em parceria com o site The Intercept Brasil, sugerem que a força-tarefa obteve no Exterior provas ilegais para prender alvos considerados prioritários. As conversas teriam ocorrido entre 2015 e 2017, no aplicativo Telegram.
As mensagens indicam que os procuradores sistematicamente trocavam informações com o Exterior fora dos canais oficiais de cooperação, o que é ilegal. Após a prisão, muitos deles viraram delatores, como os então diretores da Petrobras Paulo Roberto Costa e Renato Duque; o então presidente da Transpetro, Sérgio Machado, além de executivos da Odebrecht, entre eles, o ex-presidente da empresa Marcelo Odebrecht.
A legislação brasileira que disciplina o uso de informações apuradas no Exterior em investigações criminais obriga que sejam firmados acordos de cooperação internacional. Em cada acordo — que pode ser firmado de forma bilateral entre dois países ou ainda em tratados internacionais em que o Brasil é signatário — é estabelecida uma autoridade central, responsável por articular a troca de informações. No Brasil, tal papel cabe, via de regra, ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional (DRCI), órgão vinculado ao Ministério da Justiça.
De acordo com a reportagem, os procuradores da Lava-Jato são obrigados por lei a submeter todos os pedidos de colaboração ao DRCI, que, por sua vez, é responsável por enviá-los a outros países. As evidências colhidas a partir desses pedidos devem, da mesma forma, chegar ao Brasil através do DRCI, que então as repassa aos investigadores. As autoridades estrangeiras também podem enviar informações espontaneamente (sem pedido prévio), desde que o órgão vinculado ao Ministério da Justiça seja o intermediário.
Os diálogos divulgados na reportagem, porém, sugerem que tais regras não foram respeitadas pela força-tarefa. Segundo a publicação, em uma das situações — entre 10 e 11 março de 2015 —, o chefe da Lava-Jato em Curitiba Deltan Dallagnol é alertado pelo procurador regional da República Vladimir Aras sobre o uso de dados obtidos ilegalmente de Mônaco sobre Renato Duque, então diretor da Petrobras. Mesmo assim, ele os utiliza no pedido que levou à prisão de Duque cinco dias depois, alegando que se tratava de um "risco calculado".
- Vladimir Aras - Delta, melhor ter cuidado. Que tipo de situação é? As defesas podem questionar o canal. O DRCI também.
- Vladimir Aras - A questão é de legalidade interna. Queria que houvesse cooperação direta (pura), mas AINDA não é possível.
- Deltan Dallagnol - Concordo. Não usaria para prova em denúncia, regra geral. Vamos usar para cautelar. Se cair, chega pelo canal oficial e pedimos de novo. Trankilo, Mestre.
- Vladimir Aras - Não dá para esperar chegar? Prudente como uma pomba; esperto como uma serpente...
- Deltan Dallagnol - Rs, concordo... Mas nesse caso não dá... Vc concordará comigo rs. De todo modo, achei melhor te informar, depois de entender que é importante pra Vc acompanhar o que está acontecendo nas cooperações...
- Vladimir Aras - São dados bancários?
- Deltan Dallagnol - Sim, mas não vou usar como prova de acusação, Vlad. Dxa com o back rs. É algo excepcional é justificável.
- [...]
- Vladimir Aras - Quando o colega de Mônaco vai mandar oficialmente?
- Vladimir Aras - Isto é, via Drci?
- Deltan Dallagnol - Ele disse que assim que conseguir reunir tudo... Sabe-se lá qdo, em outras palavras rs. Pedi urgência já.
- Vladimir Aras - Vai pedir prisão do Renato duque e do Zelada?
- Deltan Dallagnol - Estamos avaliando as possibilidades
- Deltan Dallagnol - Relaxe que seremos cuidadosos
- Deltan Dallagnol - Mas, é claro, é natural tomar algumas decisões de risco calculado em grandes investigações
Outra situação seria datada de novembro de 2014. Dallagnol, segundo o UOL, voltou da Suíça com um pen drive com dados bancários de Paulo Roberto Costa, diretor da Petrobras, fora dos canais de cooperação. Os dados corroboravam a investigação de propina recebida por Costa da Odebrecht. Após contestação da empreiteira na Justiça, a Lava-Jato teria tentado alterar registros em documentos da Procuradoria-Geral da República (PGR) para simular uma origem lícita do pen drive.
A Lava-Jato obteve dados sobre a Odebrecht na Suíça, inclusive ao Drousys, sistema de propina, quase um ano antes de ter autorização legal para isso. A força-tarefa só teve acesso formal ao sistema em abril de 2017, após recebê-lo como parte dos acordos de delação de executivos da empreiteira. Mas em maio de 2016, segundo a publicação, a procuradora Laura Tessler disse em mensagens ter tido acesso ao Drousys com a equipe do procurador suíço Stefan Lenz, sendo elogiada por Dallagnol.
Conforme o UOL, além de membros do MP suíço, um adido policial da Embaixada da Suíça em Brasília também repassou informações informalmente à Lava-Jato. Em reunião com ele em 2015, a força-tarefa combinou de passar aos suíços os nomes de pessoas que gostariam de investigar, entre eles familiares do ex-presidente Lula.
Contraponto
A Lava-Jato diz que a cooperação direta entre autoridades é legal e nega ter usado judicialmente documentos fora dos canais diplomáticos oficiais. Sustenta que em nenhum dos casos violou as normas de cooperação internacional. A Lava-Jato e autoridades suíças procuradas não comentaram o acesso clandestino ao Drousys, mas negaram irregularidades