Dois dias depois do vazamento de mensagens entre integrantes da Operação Lava-Jato e o ex-juiz e atual ministro da Justiça, Sergio Moro, os candidatos ao cargo de procurador-geral da República saíram em defesa dos colegas da força-tarefa de Curitiba.
Em Porto Alegre, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) promoveu um debate entre os candidatos a integrar a lista tríplice que será encaminhada ao presidente Jair Bolsonaro. Oito dos nove procuradores regionais e subprocuradores-gerais da República presentes classificaram como criminosa a invasão dos celulares dos integrantes do Ministério Público Federal (MPF).
Apenas um disse que é preciso prudência neste momento até que os fatos se esclareçam. Estiveram presentes José Bonifácio de Andrada, Vladimir Aras, Mário Bonsaglia, Nívio de Freitas, Luiza Cristina Frischeisen, Blal Dalloul, Lauro Cardoso, José Robalinho Cavalcanti e Paulo Eduardo Bueno. O subprocurador-geral da República Antonio Carlos Fonseca foi o único dos candidatos a não participar do debate em Porto Alegre.
O público predominante no auditório da Procuradoria Regional da República da 4ª Região (PRR4), onde ocorreu o penúltimo debate entre os candidatos a PGR, foi de membros do MPF. Entre os espectadores atentos, dois integrantes da Lava-Jato, os procuradores da República Antônio Carlos Welter e Jerusa Viecili, possíveis vítimas dos vazamentos.
O assunto só foi tratado quase no fim do debate, no momento das considerações finais. Ao longo das quase três horas, assuntos internos do MPF e a relação com os poderes predominaram. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que termina seu mandato em 18 de setembro, foi duramente criticada por alguns dos procuradores.
— Cabe ao procurador-geral tomar frente da situação em um caso como esse — disse Robalinho.
— Se há silêncio por parte da nossa instituição neste momento, é porque há falta de liderança, de diálogo — destacou Bonsaglia.
Outro procurador criticou o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) por abrir procedimento para apurar a conduta de integrantes da Lava-Jato.
— O CNMP instaurou procedimento contra vítimas de um crime — ponderou Dalloul.
No fim do debate, o presidente da ANPR, Fábio George Cruz da Nóbrega, tratou do tema ao ler a nota emitida pela entidade. À reportagem de GaúchaZH depois do evento, disse que "houve um crime".
— No estado democrático de direito nós temos que criticar veementemente toda e qualquer atuação que hoje atinge membros do Ministério Público e juízes, amanhã atinge jornalistas políticos. De nenhuma maneira, de nenhuma forma essa atividade criminosa pode ser considerado algo útil para o país.
O último debate entre os candidatos a PGR está marcado para 14 de junho. A votação ocorrerá no dia 18. Depois, a lista com os três mais votados é enviada a Bolsonaro, que não tem obrigação legal de escolher um dos nomes. No entanto, ao longo dos últimos anos, isso tem sido corriqueiro. Dodge, por exemplo, foi a segunda mais votada e escolhida pelo então presidente Michel Temer. Mais votado entre os colegas na última eleição, o subprocurador-geral da república Nicolao Dino não disputou desta vez.

Confirma o que disseram os candidatos a PGR sobre os vazamentos da Lava-Jato:
José Bonifácio de Andrada
Para o subprocurador-geral da República José Bonifácio de Andrada, "estão fazendo muito barulho por nada".
— Os procuradores da Lava-Jato foram vítimas de um ataque cibernético criminoso que capturou indevidamente as mensagens e uma parte delas foi publicada de maneira truncada propositadamente para poder fazer algum barulho político. O ponto de vista jurídico não vejo efeito nenhum, não vejo consequência nenhuma.
Vladimir Aras
O procurador regional da república Vladimir Aras classificou como preocupante o ocorrido.
— Porque se trata de uma invasão criminosa e é preciso que o Estado Brasileiro, as instituições do Estado identifiquem quem realizou essa invasão e quem é o mandante dela.
Mário Bonsaglia
O subprocurador-geral da república Mário Bonsaglia disse que o "hackeamento dos celulares foi uma coisa muito grave".
— Isso é um crime. A imprensa divulgou fazendo o uso das suas garantias constitucionais. O importante é que os colegas estão prestando os esclarecimentos que entendem cabíveis.
Nívio de Freitas
O subprocurador-geral da República Nívio de Freitas disse que "é muito questionável jurídica e moralmente a divulgação".
— É uma violação flagrante de direitos constitucionais. Foi uma gravação criminosa. na verdade foi uma quebra de sigilo de comunicações. É muitíssimo grave. Isso atinge instituições fundamentais da nossa democracia, Judiciário, Ministério Público. Qual o intuito disso? É uma coisa que deve ser apurada com rigor.
Luiza Cristina Frischeisen
A subprocuradora-geral da república Luiza Cristina Frischeisen foi mais uma a ressaltar o ato criminoso para obtenção dos dados dos celulares dos procuradores da Lava-Jato.
— As comunicações de colegas foram hackeadas por espelhamento. Ou seja, houve uma invasão dentro dos nossos sistemas que são utilizados por nós e pelos nossos grupos. Isso é um crime e com vazamentos de dados pessoais. O que é importante destacar é que isso não contamina nenhuma das provas produzidas nas ações penais, cujas sentenças já passaram pela primeira instância, TRF4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) e pelo Superior tribunal de Justiça.
Blal Dalloul
O procurador regional da república Blal Dalloul disse que respeita a liberdade de imprensa, mas que "a questão do site específico (The Intercept Brasil) foi uma fonte derivada de crime".
— Houve um crime contra as pessoas que trabalham na Operação Lava-Jato. Conversas pessoais que foram invadidas, tiveram sua intimidade violada. Eu vejo que um grande ativo nas pessoas que trabalham na Operação Lava-Jato. São pessoas que trabalham com o devido processo legal. As condenações existentes são com provas substanciais. Estão querendo reverter isso com um trabalho de espionagem.
Lauro Cardoso
O procurador regional da república Lauro Cardoso diz que tem confiança no trabalho realizado pelos colegas da Lava-Jato.
— Eles sofreram ataque criminoso de obtenção de dados de forma ilícita. Houve divulgação de dados privados de conversas entre eles. Então isso é um ataque criminoso. Então tudo o que foi obtido é prova ilícita, não pode ser utilizado contra os colegas. Eles têm uma atuação destacada no enfrentamento à corrupção, no combate ao crime organizado e merecem todo o apoio institucional do Ministério Público Federal.
José Robalinho Cavalcanti
O procurador regional da república José Robalinho Cavalcanti disse que não se trata de vazamento de conversas, mas de um crime.
— O próprio site relata que recebeu informações que eram conversas privadas entre duas pessoas. Então tudo indica que foi um profissional, alguém que agiu pago por alguém que buscou essas informações, liberou essas informações que escolheu liberar para atacar a Lava-Jato e a credibilidade do Ministério Público Federal.
Paulo Eduardo Bueno
O subprocurador-geral da república Paulo Eduardo Bueno foi o único que preferiu não sair em defesa dos colegas da Lava-Jato.
— Eu acho que é um pouco cedo para a gente ter um quadro do que realmente ocorreu. Acho muito desagradável essa questão da clandestinidade na obtenção de informações. E realmente não sei até que ponto isso é verdade. Mas também acho que todas as investigações têm que ser feitas dentro da forma da lei. Não quero me precipitar nem em atacar, nem em defender ninguém neste momento. Acho que a gente tem que ter uma prudência muito grande neste momento.