A semana que culminou com o presidente Jair Bolsonaro confessando suas dificuldades para governar revelou uma inesperada virada de mesa no Congresso. Irritado com o desprezo do Planalto à interlocução política, um grupo de deputados liderado pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), trabalha em uma nova proposta de reforma da Previdência.
A decisão foi tomada na última quinta-feira (16), em reunião na casa de Maia. Segundo revelou o presidente da comissão especial da Previdência, Marcelo Ramos (PR-AM), a iniciativa é a única chance de aprovação da matéria diante da inabilidade de Bolsonaro para se relacionar com os parlamentares.
— Este é um governo que desconsidera completamente o Parlamento. A reforma é muito importante para o país, fundamental, e não podemos correr o risco de não ser aprovada porque o deputado antipatiza com o governo — justificou.
O eixo das novas medidas ainda não foi definido. As discussões começam na próxima semana e, para manter a harmonia dentro do colegiado, o novo texto terá a chancela do atual relator da reforma na comissão especial, Samuel Moreira (PSDB-SP). O revide dos deputados provoca mais um abalo no governo, na mesma semana em que as ruas rugiram contra o presidente, e o Ministério Público avançou nas investigações dos negócios suspeitos do senador Flávio Bolsonaro (PSL-RJ).
Ciente da fragilidade do Planalto, o centrão planeja impor novas derrotas em plenário nos próximos dias. A ideia é manter sem alterações o texto aprovado em comissão especial na semana passada que criou dois novos ministérios e tirou o Coaf do ministro Sergio Moro. Se houver resistências no grupo de partidos mais alinhados ao Planalto, como PSL e Novo, o grupo pretende deixar caducar a medida provisória que em janeiro reduziu de 29 para 22 ministérios, o que causaria uma desconstrução do atual organograma da Esplanada.
A tentativa de reação do governo acontece em meio a mais um capítulo da crônica disputa por poder e protagonismo entre seus principais líderes, delegado Waldir (GO), Major Vitor Hugo (GO) e Joice Hasselmann (SP), todos do PSL. Quando não estão brigando entre si, eles tentam atropelar membros do próprio governo. Na quarta-feira, enquanto o ministro da Educação, Abraham Weintraub, era sabatinado em plenário e milhares de pessoas tomavam as ruas para protestar contra os cortes nas universidades, o próprio líder do PSL, delegado Waldir (GO), cogitava propor a convocação do chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Na véspera, Onyx havia dito que deputados queriam levar "vantagem" ao sustentarem que Bolsonaro pretendia suspender o contingenciamento.
— Eu não aceito manchar minha moral, minha honra. Eu fui lá como convidado. Ele falou besteira — vociferou Waldir, que desfila em plenário com um coldre vazio preso à cinta (a arma fica no carro ou no gabinete).
Com a exígua base do governo batendo cabeça em plenário e a autoria da reforma da Previdência, maior prioridade do Planalto, lhe escapando às mãos, Bolsonaro continua trilhando um caminho particular. Nesta sexta-feira, ele postou em um grupo de WhatsApp convocação para uma manifestação prevista para o dia 26 em que grupos de direita pretendem pedir o impeachment dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes e Dias Toffoli. Em boa parte do dia nesta sexta-feira, porém, foi a hashtag Impeachment Bolsonaro que liderou os trending topics no Twitter.
Para o sociólogo e cientista político Sérgio Abranches, o presidente flerta com o perigo ao desviar o foco da agenda econômica para picuinhas ideológicas. Conforme Abranches, já há um bloqueio da governabilidade e a própria palavra impeachment começa a ser repetida com maior frequência.
— Bolsonaro está perdendo uma janela de oportunidades. Enquanto ele prioriza o confronto, o processo econômico está paralisado, ele perde popularidade cada vez mais rápido, sofre contestações nas ruas e já está envolvido em escândalos por conta do filho. O governo dá sinais de colapso — diagnostica o autor do celebre ensaio Presidencialismo de Coalizão.