O ex-governador do Rio de Janeiro Sérgio Cabral (MDB) afirmou em depoimento ao Ministério Público estadual que dois desembargadores foram nomeados ao cargo no Tribunal de Justiça em troca do arquivamento de investigação contra ele na promotoria.
Segundo Cabral, a nomeação dos ex-membros do MP-RJ Sérgio Azeredo e Marcos André Chut aos cargos de desembargador foi feita para garantir o fim do inquérito sobre a "farra dos guardanapos", viagem que reuniu ex-secretários e empresários.
O arquivamento ocorreu numa tumultuada sessão do Conselho Superior do MP-RJ em novembro de 2013 com uma votação apertada: 6 a 4.
Nem Chut, nem Azeredo integravam o Conselho Superior. Mas o ex-governador afirmou no depoimento - revelado pela GloboNews e confirmado pela reportagem - que o primeiro lhe garantiu dois votos de membros ligados ao seu grupo. Já Azeredo foi nomeado para atender ao então procurador-geral de Justiça Marfan Martins Vieira - o atual desembargador foi seu chefe de gabinete.
Ambos foram indicados ao cargo no TJ-RJ em 2015, quando Cabral não era mais governador. Ele diz, contudo, que o acordo foi fechado junto com o ex-governador Luiz Fernando Pezão (MDB), seu sucessor também preso.
A investigação foi aberta em 2012 após a divulgação de fotos de Cabral com Cavendish em Paris. A movimentação pelo arquivamento ocorreu, segundo o emedebista, após alerta de Marfan feito a Cabral em 2013, quando assumiu a chefia do MP-RJ.
— O Marfan me procurou e disse: "Olha, nós estamos com problema no Conselho Superior. O Cláudio não terminou o trabalho. Ele deixou esse abacaxi aqui, nós temos que concluir. Eu não tenho votos suficientes para arquivar". Primeiro, eu tranquilizei ele e disse: "Doutor Marfan, o senhor fique tranquilo porque esse é um assunto que eu não tenho nada". Então ele falou: "Há quem queira prejudicar" — contou Cabral ao MP-RJ.
A investigação sobre o caso havia sido arquivada em 15 de janeiro, a dois dias do fim do mandato de Cláudio Lopes, antecessor de Marfan no cargo. Ele, porém, não enviou o procedimento para o Conselho para homologação, como a lei exige, e o caso teve de voltar para análise do colegiado.
— Aí traçamos um plano em que houve, inclusive, um combinado político, que eu fizesse o Serginho - assim chamávamos o chefe de gabinete dele, Marfan. Abriria uma vaga de desembargador do estado e que... A outra parte do grupo do Conselho Superior era liderada por pessoas ligadas ao Marcos Chut. E aí o Marcos Chut tinha o desejo de ser candidato e o Marfan me disse: "Olha, eu não tenho como chegar a esse grupo, e o que eu tenho ouvido é que o Marcos Chut tem uma tendência a votar. O grupo lá... acho que você devia chamar o Marcos Chut pra uma conversa" — descreveu o ex-governador.
Cabral disse, então, que chamou o então promotor para uma conversa.
— Eu falei: "Marcos, eu queria pedir o teu apoio e me comprometer com você, que a primeira vaga vai ser do Serginho. Queria até pedir o teu grupo pra votar com o Serginho e você ir pra segunda vaga, que talvez não seja comigo, seja com o [Luiz Fernando] Pezão. Eu vou chamar Pezão aqui pra ele assumir esse compromisso — disse Cabral.
O emedebista disse que em nenhum momento a troca de votos no conselho pela nomeação ficou explícita nos diálogos. Mas ele afirma que em ambos os casos o acordo "ficou implícito".
O arquivamento ocorreu sob intenso bate-boca entre os procuradores do Conselho. O procurador Cláudio Henrique Viana, que defendeu a reabertura do caso, classificou a apuração como "capenga".
A investigação do então procurador-geral de Justiça, Cláudio Lopes, se limitou a um ofício solicitando informações ao emedebista, com respostas protocolares.
O depoimento do ex-governador foi dado para instruir a ação penal contra Lopes, acusado de receber uma mesada de R$ 150 mil além de apoio financeiro na campanha interna para escolha do PGJ.
Lopes chegou a ser preso preventivamente em novembro, mas foi solto um mês depois por decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça). Ele é acusado de impedir investigações em curso contra Cabral e seus ex-secretários, assim como vazar informações sobre apurações para o grupo do ex-governador.
Cabral confirmou as informações atribuídas a Lopes na denúncia.
O ex-governador já foi condenado há 198 anos e seis meses em nove sentenças e responde no total a 30 ações penais relacionadas à Operação Lava Jato. Desde o início do ano ele decidiu confessar os crimes. Cabral é acusado de cobrar 5% de propina nos principais contratos do estado e distribuir mesadas a aliados políticos.
OUTRO LADO
Azeredo afirmou, em nota, que a menção ao seu nome se deve ao fato do emedebista estar "condenado a quase 200 anos de pena privativa de liberdade e não possui mais patrimônio disponível para responder por esses e outros ilícitos civis e penais que vem praticando".
"De forma leviana e irresponsável, arvora-se agora em arauto da moralidade para fazer, impunemente, inúmeras afirmações mentirosas e imputações caluniosas, obviamente sem qualquer lastro probatório", disse o desembargador, em nota.
Ele apontou ainda contradições do depoimento de Cabral. Menciona, por exemplo, o fato dele dizer que foi o responsável por sua nomeação enquanto quem o fez, na realidade, foi seu sucessor, Pezão.
Chut disse, em nota, que "o processo de escolha, em todas as suas etapas, e a posterior nomeação, transcorreram de forma regular".
"Fui o candidato mais votado no âmbito do MP, onde integrei, por duas vezes, a lista sêxtupla e, também, após expressiva votação de 180 Desembargadores do Tribunal de Justiça, a lista tríplice formada no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, razão pela qual repudio, veementemente, o teor das declarações proferidas pelo ex-Governador Sérgio Cabral", disse o desembargador.
Marfan disse, em nota, que "o depoimento de Cabral veicula deslavadas mentiras e está cheio de contradições".
"As imputações formuladas pelo ex-governador não coincidem com a cronologia dos fatos narrados e não merecem qualquer credibilidade", declarou o ex-procurador-geral de Justiça fluminense.
As defesas de Pezão e Cláudio Lopes não comentaram o depoimento de Cabral.