Quando o gaúcho Leandro Daiello assumiu o comando da Polícia Federal, em 2011, sua chefe era a petista Dilma Rousseff, então presidente da República. Não havia pânico instalado entre políticos e empreiteiros. Três anos mais tarde, porém, a Operação Lava-Jato iniciou uma devassa em contratos da Petrobras e avançou para cima de doleiros, lobistas, empreiteiros e agentes públicos.
Daiello se aposentou em novembro de 2017, após seis anos e dez meses no cargo. O país já não estava mais nas mãos do PT e gente do mundo empresarial e político tinha ido para a cadeia. A Lava-Jato continua até hoje investindo sobre personagens com poder econômico e com mandato.
Agora, aos 53 anos, Daiello resolveu voltar à ativa, mas desta vez do outro lado do balcão. Após cumprir uma quarentena de seis meses, ele hoje atua no escritório Warde Advogados, em São Paulo, especializado em direito econômico e societário, atuando na área de compliance (medidas anticorrupção) e investigação empresarial.
A banca do escritório tem como clientes empresas como o grupo J&F, dos irmãos Wesley e Joesley Batista, delatores da Lava-Jato. Questionado se já trabalhou para alguma empresa enroscada na Lava-Jato, ele busca na memória.
— Não. Não, deixa eu pensar. Compliance para empresa vinculada à Lava-Jato, não. Mas possivelmente ocorra. Eu acho que eles ainda têm um pouco de medo do personagem ex-policial. Não entenderam que o compliance não é uma advocacia criminal. Compliance é o seguinte: meu amigo, você tem um sistema interno e seu sistema interno tem algumas brechas que permitem não cumprir a lei. Ponto. Está aqui a solução.
Mais tarde, na conversa com a reportagem, ele volta a refletir sobre atender clientes atingidos pelas operações da Polícia Federal, que ele comandava.
— Tu fez uma boa pergunta. Até vou fazer essa discussão no escritório para nossa postura ética quanto a isso. Mesmo porque uma coisa as pessoas não entenderam. Eu fiz a quarentena, certo? Mas o que eu obtive de dados sigilosos, eles continuam sigilosos. Eles só deixarão de ser sigilosos quando a Polícia Federal disser que eles não são mais sigilosos. A obrigação de sigilo não desaparece com a aposentadoria.
Na banca, Daiello faz parceria com outro egresso do governo federal, o ex-ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (CGU) Valdir Simão.
— É um escritório empresarial e societário que praticamente não faz criminal e eu fiquei com o ministro Valdir Simão na parte de investigações empresariais e societárias e de compliance. Então ficou bom para mim, porque eu não entro na parte criminal. Então dá para fazer o quê? Dá para trabalhar, ganhar um bom dinheiro, bom, razoável, e não expor, entendeu, que era o mais difícil. Porque, quando eu saí (da PF), as pessoas não me queriam para fazer um trabalho, diria assim, republicano, né? Aí não dava.
Nesta segunda-feira (22), o ex-chefe da Polícia Federal será moderador de um painel sobre segurança pública no Fórum Jurídico de Lisboa. No mesmo evento, mas em outro painel, estará também o ministro da Justiça, Sergio Moro, que ele considera estar fazendo um bom trabalho no governo de Jair Bolsonaro.
— Eu não comentaria a ida do Moro (para o governo). Eu comentaria que o ministro Moro está fazendo um bom trabalho, importante hoje. Eu acho muito importante o trabalho que ele está fazendo tanto na questão do enfrentamento da criminalidade, do sistema penitenciário e outras frentes.
Daiello não entra em detalhes sobre o pacote anticrime que Moro tenta fazer passar no Congresso, mas entende que são necessárias mudanças legislativas para o avanço do combate à criminalidade.
— É um tema interessante. Muito se falou do Congresso e do mundo político. Mas se tu fizer uma avaliação, a própria Operação Lava Jato decorre de evoluções legislativas que ocorreram dentro do Congresso — diz.
Sobre o futuro da Lava-Jato, o ex-chefe da PF diz que a investigação continua sólida.
— A investigação continua em várias frentes dentro do que tanto a mídia quanto todos nós esperávamos. Acho que o enfrentamento à corrupção segue porque hoje já tem os órgãos do estado bem fomentados nesse sentido, aqui eu falo Polícia Federal, Receita Federal, Coaf, Banco Central, o Ministério Público já têm a sua estrutura, uma capacidade operacional.