Em mais uma tentativa de sensibilizar os deputados estaduais, o governador Eduardo Leite usou a tribuna da Assembleia Legislativa, nesta terça-feira (5), na primeira sessão ordinária do ano, para falar da situação financeira do Estado, apresentar o diagnóstico dos principais problemas do Rio Grande do Sul e anunciar seus planos. O mais imediato deles é a proposta de emenda à Constituição (PEC) que dispensa a exigência de plebiscito para a venda ou federalização de três estatais: CEEE, Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás.
Considerado vital pelo Palácio Piratini para que o Estado possa aderir ao regime de recuperação fiscal, o texto será o primeiro proposto na nova gestão e, antes mesmo de chegar ao Legislativo, já é alvo de controvérsia. Sob vaias de servidores públicos insatisfeitos, Leite pediu apoio aos parlamentares, defendeu a quebra de velhos paradigmas, em especial o "do conflito", e disse que "a Assembleia precisa, sim, exercer sua responsabilidade", chamando os deputados ao debate.
Sem sinais de nervosismo e falando de improviso, o chefe do Executivo foi interrompido pelos manifestantes por cerca de 30 segundos. Parlamentares de oposição apoiaram o coro.
A situação levou o presidente da Casa, Luis Augusto Lara (PTB), a interceder, pedindo silêncio. Leite então continuou, em meio a mais vaias e também a aplausos – no plenário, além de críticos, estavam presentes todos os secretários de Estado, que acompanharam o governador na visita ao Legislativo, em uma demonstração de força.
— Eu respeito a manifestação legítima, democrática, e saúdo a manifestação. Aliás, é bom que aconteça aqui, diante do governador também, porque certamente será exercida sobre os senhores e as senhoras (dirigindo-se aos deputados) no momento das votações. E aí eu peço aos senhores que não ouçam apenas os grupos que aqui se manifestarão, mas que escutem o silêncio de uma maioria do povo gaúcho, que aguarda os resultados das urnas, da nossa tomada de decisões — destacou.
Alvo da polêmica, a PEC deverá ser protocolada até quinta-feira (7). A expectativa do Piratini é de que seja votada em 45 a 50 dias. Antes de Leite, o ex-governador José Ivo Sartori (MDB) tentou o mesmo caminho, sem sucesso. A iniciativa, muito semelhante, sofreu forte resistência e sequer foi a votação. Depois disso, Sartori chegou a tentar autorização para o plebiscito, mas também não conseguiu aval dos parlamentares.
Desta vez, sabendo que Leite voltaria a tocar no tema, sindicalistas retomaram a pressão e estenderam uma faixa no plenário com a seguinte frase: "CEEE, CRM e Sulgás, patrimônio dos gaúchos, não são moedas de barganha", em referência às negociações com a União. Não foi o suficiente para desestabilizar o governador nem o chefe da Casa Civil, Otomar Vivian (PP).
— Acredito que teremos mais do que os 33 votos necessários para a aprovação da PEC — projetou Vivian, logo depois do ocorrido, confiante nas articulações em curso.
Mais tarde, em entrevista coletiva concedida no Palácio Piratini, Leite retomou o assunto, esclarecendo a opção do governo pela dispensa da consulta popular. Na avaliação dele, a população já tomou sua decisão sobre as privatizações ao levar ao segundo turno dois candidatos que defenderam abertamente a venda de CEEE, CRM e Sulgás. Além disso, para Leite, "o plebiscito não é desejado, a bem do interesse público", pela "complexidade do tema".
— Respeitamos a manifestação da população e entendemos que ela se deu nas urnas, nas eleições. Temas complexos, que devem ser encarados julgando oportunidade de negócios, mudança de contexto econômico, capacidade operacional, todas essas variáveis, têm de ser julgados pelos representantes da população na Assembleia. Tanto é assim que, na nossa proposta, vamos retirar o plebiscito, mas manter a exigência de quórum qualificado, de maioria absoluta, para a venda de estatais (isto é, pelo menos 28 dos 55 votos) e para que a decisão seja robusta no futuro — concluiu.