O juiz federal Sergio Moro, que assumirá o Ministério da Justiça no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), afirmou na tarde desta terça-feira (6) que "não existe a menor chance" de usar a pasta para perseguição política. Moro também afirmou que pretende replicar o modelo de força-tarefa da Operação Lava-Jato durante o seu período como ministro da Justiça.
O ex-titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, que era responsável pela análise de processos decorrentes da Operação Lava-Jato — inclusive com a condenação e mandado de prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —, falou a jornalistas pela primeira vez depois de aceitar o convite de Bolsonaro para ser ministro.
Ele refutou a tese de que usará o trabalho no Ministério da Justiça — que controlará, entre outros órgãos, a Polícia Federal — para perseguição política.
— Não existe a possibilidade de usar o Ministério da Justiça para perseguição política, assim como não aconteceu na Lava-Jato — declarou.
Moro também afirmou que a sua indicação não tem "nada a ver" com a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
— Não posso pautar a minha vida com base em uma fantasia, um álibi falso de perseguição política — afirmou o juiz.
"Homenagem" à Operação Lava-Jato
Por diversas vezes Moro chamou Bolsonaro de ponderado, moderado e sensato. O juiz, que está em férias e se afastou da Lava-Jato para assumir o cargo, fez uma exposição inicial de dez minutos e apresentou parte de seu pacote que pretende encaminhar logo que tomar posse. Disse que a Operação Lava-Jato teve papel importante para a quebra da impunidade e que pretende implementar forças-tarefas semelhantes no ministério.
Moro começou a entrevista afirmando que devia esse encontro à imprensa, como uma espécie de "homenagem" pelos serviços prestados pelos jornalistas durante a operação.
— A operação Lava-Jato faz parte de uma quebra da tradição da impunidade. Sempre, durante os trabalhos, eu tinha a dúvida se a operação seria uma exceção ou uma mudança de patamar no tratamento desses crimes. Eu, assim como outros, trabalhei com bastante dedicação, o que teve um certo custo. Me perturbava a sensação de que a minha sorte, ou a sorte da Operação Lava-Jato, pudesse ser encerrada — declarou.
Para Moro, a chance de assumir o Ministério da Justiça é uma oportunidade de implantar uma agenda anticorrupção no âmbito do Poder Executivo, levando o mesmo modelo de força-tarefa implantado na Operação Lava-Jato a outras apurações de suspeitas de crimes de colarinho branco.
— O objetivo é no governo federal implantar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado.
Vaga no STF
Quando questionado se uma futura vaga no Supremo Tribunal Federal (STF) estaria em jogo na sua indicação para o Ministério da Justiça, Moro declarou que não estabeleceu isso como condição para assumir o posto no governo de Jair Bolsonaro (PSL).
— Não estabeleci condições. Fui conversar com o presidente eleito com uma pauta, nós sabíamos que teríamos convergências e onde teríamos divergências superáveis. Jamais procuraria o presidente e estabeleceria condições para assumir um cargo público. No que se refere ao STF, não existe uma vaga no momento. Não acho muito apropriada a discussão a respeito de uma vaga no Supremo atualmente. Tenho um grande apreço, grande respeito pelo ministro Celso de Mello, acho um dos grandes magistrados do Supremo Tribunal Federal, mas não me sinto confortável em discutir isso especificamente. Quando no futuro surgirem vagas, isso precisa ser discutido em um segundo contexto — afirmou o juiz.
Divergências com Bolsonaro
Moro foi questionado várias vezes sobre possíveis pontos de divergência com Jair Bolsonaro, como nas questões relacionadas ao desarmamento, à tipificação do MST e do MTST como organizações terroristas e ao excludente de ilicitude para policiais que matam em serviço. Em vários momentos, Moro afirmou que não conversou com Bolsonaro sobre todas as suas propostas e ideias para a segurança pública.
— (Bolsonaro) Me pareceu um homem sensato, ponderado. Na campanha eleitoral, houve todos os exageros possíveis para destruir a imagem dele, mas me pareceu um homem sensato. Fui conversar com ele sobre uma proposta de trabalho, e a nossa conversa foi positiva. Ainda que possa não haver uma convergência absoluta, podemos conversar. A última palavra é do presidente. Sou um subordinado. Se eu não concordar, decido se continuo ou não — declarou.
A última palavra é do presidente. Sou um subordinado. Se eu não concordar, decido se continuo ou não
SERGIO MORO
Sobre relação com Bolsonaro
Moro afirmou que "não se pode tratar movimentos sociais como inimputáveis", mas não declarou se concorda com a opinião de tipificá-los como organizações terroristas. Sobre ampliação do direito da legítima defesa, Moro declarou que a legislação já contempla isso para policiais no cumprimento do dever, mas não foi específico sobre uma eventual proposta.
Acerca do desarmamento, mostrou preocupação com a "flexibilização excessiva" do porte e da posse de armas, mas evitou contrariar Bolsonaro. Em relação à redução da maioridade penal, citou ser possível dar um tratamento diferenciado a partir dos 16 anos, argumentando que, nesta idade, o adolescente já tem percepção de que não pode matar nem cometer estupros.
Moro disse que foi procurado pelo futuro ministro da Economia, Paulo Guedes em 23 de outubro, para compor o governo. Segundo o juiz, adiantou seu entendimento de que trataria do assunto somente depois das eleições. Também que seu primeiro encontro com Bolsonaro foi na residência dele, no dia 1º de novembro.
— Mesmo com as divergências, podemos chegar a um meio termo — afirmou.
Relação com Onyx Lorenzoni
Moro também foi questionado acerca de sua relação com o futuro chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni (DEM-RS), uma vez que fez severas críticas ao uso de caixa 2 em campanhas eleitorais no passado. Onyx já admitiu que fez uso de caixa 2 em maio de 2017.
— Tenho uma grande admiração pelo deputado Onyx Lorenzoni pelo trabalho com as 10 medidas contra a corrupção. Na época, ele trabalhou inclusive contra os seus próprios colegas (em favor da proposta), e o projeto foi totalmente desfigurado. Quanto à admissão de caixa 2, ele admitiu seus erros, pediu desculpas e tomou as providências adequadas.
Moro também afirmou que as suspeitas sobre Paulo Guedes, futuro ministro da economia, são muito "incipientes". O economista é investigado pelo MPF por gestão temerária em fundos de pensão.
— Não posso emitir qualquer juízo de valor — declarou.
As primeiras medidas
Moro disse que vai apresentar uma série de medidas legislativas, mas antes quer discutir com o governo.
— A ideia é usar parte das 10 medidas contra a corrupção do Ministério Público e da sociedade civil organizada, Transparência Internacional e Fundação Getúlio Vargas.
Moro citou alguns exemplos, como alteração das regras de prescrição dos crimes, deixar mais clara uma lei sobre a prisão após condenação em segunda instância, execução de sentenças do Tribunal do Júri, proibição de progressão de regime prisional quando comprovada relação do preso com organizações criminosas, negociação de penas em crimes menores, regulação para ações de policiais disfarçados.