A Polícia Federal (PF) afirmou, nesta sexta-feira (9), que as investigações da Operação Capitu, deflagrada em cinco Estados e no Distrito Federal, deixaram claro que o empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, "mentiu e ocultou fatos" na delação premiada que firmou no âmbito da Lava-Jato. O objetivo de Joesley era "tirar a PF da linha de investigação correta", afirmaram os delegados responsáveis pelo caso.
A Capitu, desdobramento da Lava-Jato, investiga pagamento de propina a representantes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), pelo setor de fornecedores de proteína animal, conforme a PF, em 2014 e 2015. Entre os presos está o vice-governador de Minas Gerais, Antônio Andrade, que foi ministro da pasta no governo Dilma Rousseff (PT).
O delegado regional da PF em Minas Gerais, Rodrigo Morais, disse que a colaboração tinha a tendência de direcionar a investigação da PF.
— E tirar a PF da linha de investigação correta, levando ao interesse desses colaboradores, colocando em risco a própria credibilidade da instituição responsável pela investigação, do Ministério Público e da Justiça — disse o delegado Mario Veloso, responsável pela investigação.
O delegado lembrou que a colaboração premiada de Joesley foi rescindida unilateralmente pela Procuradoria-Geral da República (PGR). A decisão aguarda posicionamento final do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF).
— Isso (a investigação) prejudica a legitimidade dessa colaboração, embora muitas das provas apresentadas e declarações dos colaboradores sejam válidas independente dessa colaboração ser invalidada futuramente ou não — afirmou Veloso.
Segundo Veloso, quando as investigações foram confrontadas com as delações feitas dentro da Lava-Jato, foram dadas quatro oportunidades para que os colaboradores fornecessem informações, o que não ocorreu.
— A PF descobriu omissões intencionais e contradições graves que colocam em cheque a credibilidade da delação. Isso caracterizou obstrução de Justiça e prejuízo à instrução criminal do inquérito. Mentiram e omitiram sobre pontos. Há indícios fortes disso — disse Veloso.
Nas delações, sócios e executivos da JBS afirmam ter repassado recursos para políticos.
Capitu
A operação deflagrada nesta sexta-feira (9) apura o repasse de recursos por frigoríficos a representantes do Ministério da Agricultura. Em troca, medidas que beneficiavam o setor eram tomadas, segundo a PF. Há indícios de pagamento de R$ 15 milhões em uma única negociação. O valor total em propina chegaria a R$ 30 milhões.
Os recursos, ainda segundo a corporação, teriam sido repassados a políticos do MDB, partido de Andrade. O deputado estadual João Magalhães (MDB) teve o mandato suspenso e foi proibido de contatar outros investigados na Capitu. A lavagem de dinheiro aconteceria através de escritórios de advocacia e por uma rede de supermercados de Minas Gerais.
Nenhum nome, das empresas ou dos presos, foi divulgado pela PF. Um total de R$ 9 milhões teria sido repassado a candidatos do partido nas eleições de 2014, o que poderá acarretar investigação sobre fraude eleitoral.
Modus operandi
Pelo menos parte dos recursos chegou a ser repassada pela rede de supermercados em malas e caixas de sabão, segundo o delegado Veloso.
— Durante as investigações, chegamos a falar em pagamento de "propina cabo", em referência ao dólar cabo — afirmou.
Pelo sistema, um operador da moeda no Exterior aciona um doleiro no Brasil e pede que repasse um valor a determinado cliente e, depois, faz o acerto, explicou o delegado. A rede de supermercados é cliente dos fornecedores de proteína animal.
Uma das medidas tomadas pelo Ministério da Agricultura que gerou o pagamento de propina, segundo a PF, diz respeito a exportações do setor de proteína animal.
— Isso impediu que empresas de menor porte atendessem requisitos do ministério, concentrando produção nas empresas maiores — declarou.
Ao todo foram emitidos 19 mandados de prisão. Do total, três não foram cumpridos até o momento. O vice-governador foi preso em Vazante, na região noroeste de Minas Gerais. Há ainda advogados e empresários entre os alvos dos mandados. Pelo menos um sócio da rede de supermercados é considerado foragido, mas negocia sua entrega à PF. O empresário está no Uruguai.
Um dos mandados foi cumprido em Curitiba, de integrante já preso, que seria o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha (MDB-RJ). Todos vão responder por constituição de organização criminosa, corrupção ativa e passiva, obstrução de justiça e lavagem de dinheiro.
Em Minas Gerais o total de prisões, até o momento, é de oito. Todos, exceto o vice-governador, foram encaminhados para a Penitenciária de Segurança Máxima Nelson Hungria, em Contagem, na Grande Belo Horizonte. Andrade seria levado para penitenciária em Uberlândia, no Triângulo Mineiro.
Defesas
Em nota, a defesa do vice-governador Antonio Andrade disse que "haverá manifestação tão logo a defesa tome conhecimento do conteúdo do inquérito. Durante o depoimento, Andrade respondeu tudo o que lhe foi perguntado e colaborou com o trabalho da Polícia Federal."
O advogado André Callegari afirmou que "Joesley Batista é colaborador da Justiça e tem cumprido à risca essa função. Portanto, causa estranheza o pedido de sua prisão no bojo de um inquérito em que ele já prestou mais de um depoimento na qualidade de colaborador e entregou inúmeros documentos de corroboração. A prisão é temporária e ele vai prestar todos os esclarecimentos necessários."
Em nota, o advogado Pierpaolo Bottini afirmou que "a investigação só existe porque os executivos da J&F colaboraram com a Justiça. O acordo segue vigente. Joesley, Ricardo Saud e Demilton Castro já depuseram, cada um deles, três vezes na Justiça, e nunca se recusaram a colaborar. Esperamos que a prisão seja revogada assim que esclarecidos os fatos."