Por volta das 19h30min do dia 17 de maio de 2017, uma quarta-feira, uma publicação do colunista Lauro Jardim, do jornal O Globo, estremeceu o governo do presidente Michel Temer, que recém havia completado um ano. O jornalista revelou que Joesley Batista, um dos donos do grupo J&F, controlador da JBS, gravou o que seria o aval do chefe do Executivo nacional para a compra do silêncio de Eduardo Cunha, deputado cassado e ex-presidente da Câmara, preso na Lava-Jato. O relato estava no acordo de delação firmado entre executivos da empresa e o Ministério Público Federal (MPF).
A revelação caiu como uma bomba no cenário político nacional, que recém tentava se recuperar após a divulgação da temida delação da Odebrecht. Naquele dia, as sessões da Câmara dos Deputados e do Senado foram encerradas às pressas, em meio a informações sobre os supostos crimes cometidos durante o mandato pelo ocupante do cargo mais alto da política brasileira.
A colaboração dos executivos do conglomerado impulsionou duas denúncias contra Temer — que se tornou o primeiro presidente a responder por crime comum durante o mandato no Brasil —, engavetou a reforma da Previdência de vez e desestabilizou o poder político do emedebista, que teve de se empenhar em barrar as acusações para garantir o restante de seu governo.
Acusações e alvos
Dois fatos principais pesam contra o presidente: o suposto aval para a compra do silêncio de Cunha e o vídeo que mostra Rodrigo Rocha Loures, um dos assessores de Temer na época, recebendo mala com R$ 500 mil de um dos executivos da JBS, no dia 24 de abril de 2017. O dinheiro teria sido entregue para garantir vantagens à empresa, segundo a Procuradoria-Geral da República (PGR). Ele devolveu o montante no dia 22 de maio, mas faltando R$ 35 mil. O restante foi entregue posteriormente.
A conversa entre Temer e Joesley, ocorreu dia 7 de março, durante reunião noturna e fora da agenda oficial. Na ocasião, o empresário disse que havia "zerado as pendências" com Cunha. Segundo o empresário, a pedido de Temer, ele teria pago R$ 5 milhões para comprar o silêncio do deputado cassado:
— Eu tô de bem com o Eduardo — disse o empresário.
— É, tem que manter isso, viu? — respondeu Temer.
Além de Temer, as acusações atingiram o senador Aécio Neves (PSDB-MG), que, segundo Joesley, teria solicitado R$ 2 milhões para pagar despesas com sua defesa na Operação Lava-Jato. O valor, conforme a PGR, seria propina.
Na noite em que as informações dominavam os noticiários, o parlamentar estava em sessão no plenário do Senado e saiu às pressas do local, sem falar com a imprensa.
No dia seguinte, 18 de maio, a irmã de Aécio, Andrea Neves, e o primo do senador, Frederico Pacheco de Medeiros, apontado como intermediário nos repasses ao tucano, foram presos na Operação Patmos. Aécio foi afastado de suas funções no Senado e da presidência do PSDB. A defesa alegou que o dinheiro foi resultado de um empréstimo firmado entre o parlamentar e o empresário.
Após 45 dias afastado, Aécio voltou ao Senado em 4 de julho após decisão do ministro Marco Aurélio Mello.
Em setembro do ano passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) afastou Aécio novamente do Senado e impôs recolhimento noturno ao tucano. Posteriormente, o próprio STF definiu que a decisão sobre as medidas cabia ao Legislativo, que derrubou as restrições.
Também no dia 18 de maio do ano passado, Temer fez pronunciamento no Palácio do Planalto, em que negou as informações das delações. Em um discurso inflamado, o presidente da República afirmou que não iria renunciar:
– Não renunciarei. Exijo investigação plena e muito rápida para os esclarecimentos ao povo brasileiro.
Processos
- Os fatos narrados pelos executivos do grupo J&F geraram vários processos. Com relação ao presidente Michel Temer, foram duas denúncias da PGR. A primeira, apresentada em 26 de junho, trata de corrupção passiva. A segunda acusação, de 14 de setembro, refere-se a crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça. Por ser presidente da República, as denúncias contra Temer precisaram passar pelo crivo da Câmara, onde foram barradas.
- Aécio é réu por corrupção passiva e obstrução da Justiça. A irmã e o primo do senador respondem por corrupção passiva.
- Os irmãos Joesley e Wesley Batista tornaram-se réus por uso de informações privilegiadas e manipulação de mercado. Os executivos são acusados de utilizar dados relacionados ao acordo de colaboração premiada para lucrar com transações no mercado financeiro. Joesley e Ricardo Saud, executivo do J&F, foram incluídos na segunda denúncia contra Temer. Os Batista também são alvo de outros processos não relacionados ao acordo de delação. A colaboração firmada com a procuradoria está sob risco de revogada. Os motivos são o conteúdo de um dos áudios entregues por Joesley no acordo no qual conversa com Saud. O diálogo sugere que Marcelo Miller, ex-auxiliar da procuradoria-geral da República, teria atuado em favor da empresa enquanto ainda estava no Ministério Público Federal (MPF).
- Rocha Loures é réu no caso do transporte dos R$ 500 mil.
Quebra do acordo
No ano passado, o então procurador-geral da República, Rodrigo Janot, anulou a imunidade penal que foi concedida por ele a Joesley e Ricardo Saud, ex-executivo da JBS. O benefício, que é a renúncia por parte da procuradoria a processar os acusados, foi anulado porque Janot concluiu que Batista e Saud omitiram da PGR informações durante o processo de assinatura do acordo de delação premiada.
Um dos principais motivos para a revogação é o conteúdo de um dos áudios entregues por Joesley no acordo. O arquivo mostra uma conversa informal entre o empresário e Saud. O diálogo entre os executivos sugere que Marcelo Miller, ex-auxiliar de Janot, atuou em favor da empresa enquanto ainda estava no Ministério Público Federal (MPF). Joesley e Wesley Batista e Saud chegaram a ser presos. Hoje, eles respondem em liberdade, cumprindo medidas cautelares.
Amigos de Temer
Em abril deste ano, José Yunes, ex-assessor da presidência da República, e o coronel aposentado da Polícia Militar João Batista Lima Filho, o coronel Lima, ambos amigos do presidente, foram incluídos em desdobramento do chamado quadrilhão do MDB, descrito na segunda denúncia apresentada pela PGR contra Temer. Segundo o órgão, ambos seriam responsáveis por recolher propina direcionada ao presidente.
A denúncia é baseada nas delações de Joesley e Saud. Conforme os delatores, a pedido de Temer, a empresa entregou R$ 1 milhão ao coronel Lima. Os recursos teriam como destino campanha eleitoral, mas Temer teria ficado com o montante para uso pessoal.
Decreto dos portos
As investigações com base na delação da JBS levantaram as primeiras suspeitas a respeito do decreto assinado por Temer sobre questões da área portuária. Saud, afirmou que Temer recebia propina de uma empresa beneficiada pela medida.
Uma das principais mudanças previstas no decreto é a alteração do artigo 19, que ampliou de 25 anos para 35 anos os prazos dos contratos de concessões e arrendamentos portuário e permitiu que eles possam ser prorrogados até o limite de 70 anos. A medida permitiria investimentos que não estavam previstos nos contratos iniciais. Essa modificação é uma das principais suspeitas em relação ao ato presidencial, pois teria sido feita para beneficiar a Rodrimar, que atua no porto de Santos.
As suspeitas em relação à assinatura do decreto originaram inquérito contra Temer. Existe a possibilidade de a investigação impulsionar uma eventual terceira denúncia contra o presidente.