A chegada de Jair Bolsonaro (PSL) ao Palácio do Planalto marcará o envio ou a defesa de projetos afinados com a guinada conservadora do Congresso. Pelo menos seis propostas de emendas constitucionais (PEC), além de projetos de lei vistos como polêmicos, deverão entrar na pauta, exigindo coesão da futura base aliada e habilidade política do presidente eleito.
Aguardada com ansiedade pelo mercado financeiro, a reforma da Previdência deverá ser encaminhada nos primeiros meses de governo. O texto final é discutido em encontros a portas fechadas pela equipe de transição, em Brasília. A tendência é a inclusão de idade mínima para aposentadoria por tempo de serviço, o que só pode ser autorizado via PEC.
O mesmo caso se aplica à alteração da maioridade penal. Apesar de incluir em seu plano a intenção de reduzir para 16 anos, Bolsonaro já avisou que deverá adotar via alternativa: 17 anos. A mudança de rumo visa à quebra de resistências em partidos de centro.
A autorização para a venda de terras indígenas pelos índios, a inclusão expressa na Constituição de prisão para condenados em segunda instância e até a revogação da PEC da Bengala – apoiada por deputados do PSL e que aceleraria a aposentadoria de magistrados – poderão entrar em discussão em 2019.
Para alterar a Constituição, são necessários os votos de 308 deputados (de 513, no total) e de 49 senadores (de 81) em dois turnos de votação em cada Casa.
A negociação em busca de apoio já começou. No entanto, o movimento de interlocutores do futuro governo é vista como incerto. Em vez de aproximação com líderes partidários, as conversas são feitas com bancadas temáticas.
O grupo que defende o agronegócio foi o responsável pela indicação da ministra da Agricultura (DEM-MS), Tereza Cristina. Já os parlamentares que atuam na área da saúde emplacaram Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS).
Os demais confirmados no governo a partir de janeiro são pessoas próximas a Bolsonaro, técnicos ou militares. O deputado federal Alceu Moreira (MDB-RS), cotado para assumir a presidência da Câmara com o apoio de Bolsonaro, avalia que o novo governo terá apoio para aprovar PECs com temas polêmicos, mas pontua que a negociação política é essencial no processo:
— Tem de ter os dois ingredientes (negociações com bancadas e partidos). As bancadas temáticas são importantes, mas a Câmara se organiza em blocos partidários.
Como a renovação da Câmara foi superior à do Senado, com troca de metade das cadeiras e maior perfil conservador, Moreira afirma que os deputados vão oferecer mais facilidade para aprovação de temas propostos pelo Executivo.
Mirando o quinto mandato na presidência do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL) adota tom cauteloso ao comentar as negociações com o Planalto. Diz que ainda não decidiu se irá concorrer ao posto e não teve nenhuma conversa com Bolsonaro sobre o assunto.
O MDB terá 11 senadores a partir do próximo ano, mantendo o posto de maior bancada da Casa e tendo posição estratégica para negociações de apoio. Até o momento, apenas o DEM foi contemplado com ministérios. Além de Tereza e Mandetta, Onyx Lorenzoni (RS) será o chefe da Casa Civil. A falta de interlocução incomoda partidos que pretendem integrar a base do governo, mas que ainda não foram procurados oficialmente.
— A gente não sabe quem é, como vai ser, se vai dar certo, mas precisamos aguardar porque tudo é muito novo – comenta um dos principais interlocutores do PP no Congresso.
Outro candidato à presidência da Câmara é Rodrigo Maia (DEM-RJ), que ocupa o posto atualmente. Seu nome vem perdendo força devido à grande presença de seu partido no primeiro escalão de Bolsonaro.
Além de PECs, há propostas que necessitam apenas de projetos de lei ou projetos de lei complementares, que precisam de votação menor para serem aprovados. Neste contexto, entrariam a privatização de subsidiárias da Petrobras, modificações de leis trabalhistas – como a criação da carteira de trabalho verde e amarela – e a tipificação de invasões de propriedades como terrorismo.
Devido à complexidade dos temas, juristas avaliam que eventuais aprovações poderão ter sua constitucionalidade contestada no Supremo Tribunal Federal (STF), gerando disputas jurídicas.
O que está em jogo
Medidas que precisam de PEC
Maioridade penal -Redução dos atuais 18 para 17 anos. O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) atenuou o discurso durante a campanha, já que defendia, inicialmente, a maioridade penal aos 16 anos.
Prisão após 2ª instância - Em entrevistas, o futuro ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, tem defendido mudança na Constituição para prever expressamente a prisão aos condenados em 2ª instância. Atualmente, a decisão de prender está amparada em interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2016.
PEC da Bengala - Aliados de Bolsonaro sugerem que a aposentadoria compulsória de integrantes de Cortes superiores ocorra aos 70 anos. Desde 2013, o teto é 75 anos. Caso haja a mudança, o presidente eleito poderia indicar um número maior de magistrados para o Supremo. Juristas acreditam que a regra valeria somente para novas indicações, não limitando a atuação dos atuais ministros.
Perda de propriedades - Retira da Constituição punição com perda da propriedade a quem explorar trabalho escravo ou cultivar planta psicotrópica.
Reforma da Previdência - A principal mudança que exigiria emenda constitucional é a adoção de idade mínima para a aposentadoria por tempo de serviço. A equipe econômica de Bolsonaro ainda não apresentou uma proposta para a Previdência. O Ministério do Planejamento afirma que há "necessidade imediata de revisão de despesas obrigatórias".
Terras indígenas - A Constituição prevê que índios tenham posse permanente de suas terras demarcadas. Bolsonaro quer que eles possam vender ou arrendar suas propriedades.
DÚVIDA
Outros assuntos em que há discussão sobre a necessidade de PEC ou se seriam constitucionais se fossem aprovados por qualquer meio
Fim do regime semiaberto - A Constituição prevê a individualização de penas e, por isso, os regimes aberto e semiaberto não poderiam ser extintos. Porém, é possível mudar as regras via projeto de lei alterando o Código Penal.
Simplificação tributária - Bolsonaro já mencionou a intenção de desburocratizar o repasse de tributos da União aos Estados. Isso pode ser feito por projeto de lei. Mas, se houver alterações nas atribuições de cada esfera, será necessário apresentar uma PEC.
Carteira de trabalho verde e amarela - As contratações por meio da carteiro verde e amarela – em vez da azul, a tradicional – seriam regidas pelo contrato individual entre o empregador e o funcionário, em detrimento à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Os direitos e garantias fundamentais, como 13º salário e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), seriam mantidos. Há dúvidas entre juristas quanto à constitucionalidade do instrumento.
Venda da Petrobras -A necessidade de mudanças na Constituição para a privatização da estatal divide especialistas. A Carta define algumas operações envolvendo o petróleo como monopólio da União, mas também destaca que o governo pode contratar com empresas privadas para exercer as atividades. Como a futura gestão sinaliza com a venda de "partes" da companhia, há a possibilidade de questionamentos jurídicos no Supremo Tribunal Federal (STF).
Via PL que pode ser derrubado pelo Supremo
Lei Antiterrorismo - Ponto que divide Bolsonaro e Moro. O presidente eleito defende endurecer as sanções contra quem invadir propriedades, por exemplo. O ex-juiz afirma ser contra criminalizar movimentos sociais. A alteração seria permitida por meio de projeto de lei, embora analistas acreditem que a medida poderia ser considerada inconstitucional pelo Supremo.
Policiais que matam em serviço - O aumento da retaguarda jurídica para policiais que matam em serviço foi uma das bandeiras de campanha de Bolsonaro, embora sem detalhamento. No entanto, o "excludente de ilicitude" já existe na lei brasileira em casos de legítima defesa, mas demandam a abertura de inquérito e julgamento. A medida é vista como "eleitoreira" por juristas.
13º salário - Por ser direito fundamental, não pode ser extinto. Mas, por meio de projeto de lei, é possível alterar a forma de pagamento, como fazer a quitação em 12 parcelas em vez de dividir o valor em duas datas, formato atual. Durante a campanha, o vice-presidente eleito, Hamilton Mourão (PRTB), criticou o pagamento do 13º e do adicional de férias aos trabalhadores.