A ressaca pós-eleição sentida por grande parte de deputados federais e senadores que não conseguiram se reeleger também trará dor de cabeça para o próximo presidente. Nesta semana, duas votações no Congresso autorizaram despesa extra de R$ 8,5 bilhões a partir de 2019. A ação contrariou a equipe econômica do atual governo, expondo ainda mais a fragilidade de Michel Temer e o esfacelamento de sua base aliada.
A maior parte do custo adicional – R$ 4,8 bilhões nos próximos três anos – virá do reajuste do piso salarial de 355 mil agentes comunitários de saúde. Atualmente em R$ 1.004, o salário-base dos servidores chegará a R$ 1.550 em 2021.
Aprovado em agosto, o trecho do projeto que previa o aumento foi vetado pelo presidente, após orientação da equipe econômica do Planalto. A ação gerou forte reação, inclusive de aliados. Um dos principais articuladores para a derrubada do veto foi o colega de partido de Temer e presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE). Apesar de não ter conseguido a reeleição, prometeu durante a campanha que manteria a valorização dos salários. Pressionados pela categoria, outros parlamentares da base aliada seguiram o mesmo caminho.
– Falei com o Michel (Temer) e ele sabia que a gente ia derrubar. Há a questão fiscal, mas tem coisas que não dá (para votar contra) – relata o vice-líder do governo Beto Mansur (MDB-SP), que também não conseguiu a reeleição.
A União é responsável por 95% do valor do piso. O restante fica a cargo das prefeituras, que eram contrárias ao reajuste. Outro projeto, sobre renegociação de dívidas de agricultores familiares das regiões Norte e Nordeste, sofreu modificações no Congresso. Deputados e senadores ampliaram o benefício para trabalhadores de todo o país, além de aumentar para dezembro o prazo para adesão ao programa, inicialmente previsto para outubro.
A alteração no Legislativo fez a conta inicial do governo aumentar em R$ 3,7 bilhões.
– Eles (administração Temer) sabiam da derrota porque é uma questão de necessidade. Se fosse um governo forte, em meio de mandato, seria diferente – admite a líder do MDB no Senado, Simone Tebet (MS).
Votação de pautas-bomba é tendência em governos fragilizados
Os problemas de Temer com sua base aliada tiveram início em 2017, quando duas denúncias apresentadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR) contra ele foram congeladas na Câmara. As negociações em busca de apoio integraram a distribuição de cargos e a liberação de emendas parlamentares. Apesar do êxito inicial, o desgaste fez com que aliados passassem a evitar a proximidade com o emedebista, em especial devido ao período eleitoral.
Professor de Finanças Públicas da Universidade de Brasília (UnB), Roberto Picitelli relembra que a votação de pautas-bomba pelo Congresso à revelia do Executivo é tendência em governos fragilizados. Ele lembra que situação semelhante ocorreu em 2016, antes do impeachment de Dilma Rousseff (PT), quando o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (MDB-RJ), pautou projetos que representavam impacto financeiro superior a R$ 200 bilhões à época, em retaliação à ex-presidente.
– É impossível colocar ordem na casa quando os interesses são tão oportunistas. Com o governo fraco, sem maioria, o presidente se torna refém – pontua.
O Congresso terá sessão na próxima quarta-feira, embora a expectativa é de que nenhum projeto de impacto seja votado. Câmara e Senado voltarão a se reunir somente depois do segundo turno das eleições. Com o novo presidente escolhido, a tendência é de que as negociações passem pelos crivos do atual e do futuro governo.
Para 2019, a projeção de rombo nas contas públicas, sem contar os juros, é de R$ 132 bilhões. A equipe econômica do Planalto aposta que o déficit cairá nos anos seguintes, em especial, pela redução dos gastos públicos, represados pela emenda constitucional que condiciona o aumento de investimentos ao avanço da inflação, e pela possível retomada da economia e da geração de empregos.