Dono das Lojas Riachuelo, uma das maiores redes de moda do país, Flávio Rocha (PRB) tentará, pela segunda vez, concorrer ao Palácio do Planalto. Depois de ser deputado constituinte, o pernambucano lançou, em 1994, uma fracassada candidatura ao cargo mais alto do país. Mais de duas décadas depois, repetirá a empreitada.
Aos 60 anos, surge como o candidato apoiado pelo Movimento Brasil Livre (MBL), de quem se aproximou ao ser o primeiro empresário a defender publicamente o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Tal qual o grupo, Rocha prega a liberdade na economia e o conservadorismo nos costumes, negando incorrer em contradição pelos posicionamentos antagônicos.
Durante seu comando, a Riachuelo chegou a lucro recorde em meio à recessão. Porém, no mesmo período, o dirigente viu-se às voltas com ações trabalhistas e se envolveu em polêmica ao lançar acusações contra uma procuradora. Tornou-se réu e teve de se retratar.
Evangélico, apoia bandeiras polêmicas. O presidenciável coloca-se a favor do direito da população de se armar e da redução da maioridade penal. Para Rocha, o país precisa enterrar o "marxismo cultural" disseminado pela esquerda.
A seguir, leia os principais trechos da entrevista concedida por telefone a GaúchaZH de sua casa, no bairro Jardim América, na capital paulista.
O senhor se apresenta como um liberal conservador. Não seria uma contradição?
O livre mercado está na origem do capitalismo moderno, e o respeito a sua sabedoria suprema é o pensamento econômico mais conservador que há. O que surgiu depois foi a hiper-regulação, o socialismo e o intervencionismo do Estado. Vejo total coerência entre um pensamento que acredite na sabedoria suprema do livre mercado e no respeito aos valores judaico-cristãos que embasam a sociedade. Dizer que essas duas linhas siamesas são incoerentes seria dizer que o Partido Republicano (norte-americano) é incoerente porque defende a liberdade na economia e se opõe à estratégia de dominação da esquerda. No marxismo cultural, está a crença de que seria preciso realizar uma faxina nos valores judaico-cristãos para construir a sociedade imaginada. Nos contrapomos a isso, que representa um ataque à base da sociedade — a família.
Mesmo que lentamente, o campo dos direitos femininos e homossexuais, por exemplo, vêm avançando nos últimos anos. O senhor é contra?
Eu festejo essas conquistas. Na Riachuelo, 80% da força de trabalho é feminina e 85% das vendas são para mulheres. Também somos o maior empregador de transexuais no país. Ser conservador não significa ser moralista ou careta, mas contrapor esse discurso sórdido de destruição de valores para construção de uma sociedade com uma ideologia tóxica que deu errado em todo o mundo. As ideias econômicas da esquerda estão mortas e enterradas, não precisamos mais combatê-las. Agora, acredito que essa eleição se dará basicamente na discussão de valores, os que querem bagunçar para dominar contra os que se opõem.
Em resumo, a quais valores o senhor se refere?
Os valores familiares em todas as suas configurações. Na economia, as ideias de esquerda sempre vêm associadas à inversão de valores nos costumes. É contra isso que nos opomos. Nas comunicações, isso se manifesta quando você liga a televisão e, invariavelmente, o vilão é o empresário, como estereótipo do egoísmo e da ganância, enquanto o bandido é um poço de virtude e a polícia é sempre corrupta. É a vitimização do bandido e a socialização da culpa. Pelas ideias econômicas da esquerda, a criação de riquezas e o mérito são ilegítimos, uma apropriação da mais-valia. Essa ideia é prima-irmã da socialização da culpa, de que o bandido seria uma vítima da sociedade. Essa é a esquerda comportamental. Nós dizemos "não", porque o crime é uma decisão individual. É o indivíduo quem decide puxar o gatilho e matar uma pessoa. Essa culpa não é social. Na economia, a esquerda é a socialização dos méritos. Nos valores, é a socialização da culpa. Claramente, essa é a demanda do eleitor neste momento. Até me chamo de "candidato óbvio" como contraponto ao que tivemos até agora — a inversão de valores e o intervencionismo do Estado.
Baseado no argumento de que o crime é uma escolha individual, há quem defenda que bandido bom é bandido morto. O senhor concorda?
Não. Repudio totalmente. Por isso, acho fundamental a existência desse perfil. Esse radicalismo é consequência da orfandade no campo dos valores por causa da covardia da classe política. Quando alguém toca nesse assunto, toca com radicalismo, berrando nas cores. Existe espaço para uma contraposição a essa inaceitável proposta de erosão dos valores para construir a utopia "deles" sem descambar para "bandido bom é bandido morto".
Na sua visão liberal, quais seriam as propostas para enfrentar a crise econômica?
Sobra Estado em muitas áreas e falta em muitas outras. O Estado se especializou em privilégios e se tornou um Robin Hood às avessas, se apropriando de praticamente 50% do esforço de produção dos brasileiros. Não existem recursos para o fundamental — saúde, educação, justiça e polícia —, mas existem para contracheques que chegam a R$ 1 milhão. Há que se redesenhar profundamente o Estado para que volte a ser o servidor e não o ensimesmado. O conflito não está entre capital e trabalho, Sudeste e Nordeste, negro e branco, machista e feminista O verdadeiro conflito está entre quem puxa a carruagem e quem está aboletado em cima da carruagem estatal. A imensa maioria puxa a carruagem, mas sem consciência da força que tem. Trabalhadores e empresários que somam 98% da força brasileira pagam a conta da farra estatal, mas há uma tentativa de estimular artificialmente um conflito absolutamente ultrapassado entre capital e trabalho. Na verdade, o conflito está entre os que produzem e os que parasitam.
Mas o Estado também oferece muitos benefícios a empresários, por exemplo.
Esses também estão em cima da carruagem, e eu repudio. Fantasiados de empresários, são uma metástase do câncer estatal. Os empresários de conchavo, que não nos representam. Nós somos os empresários que levantam de manhã cedo para atender a dona Maria. Existem outros que se dizem empresários, mas não têm nada de empresários. São aqueles que acordam e pensam a quem pagar propina para ganhar um contrato público.
Parte da solução estaria em um amplo programa de privatizações?
Quando menciono menos Estado onde não precisa e mais Estado onde é essencial, também estou falando de privatizações. Ou, ao menos, de concorrência. Recentemente, assistimos episódios no campo de óleo e gás que nunca aconteceriam em um quadro concorrencial. Quando haveria um insumo, como navios-sonda ou plataforma de petróleo, com 200% de sobrepreço em uma empresa sujeita à concorrência? Por isso, as privatizações são absolutamente importantes. Há uma falácia de dizer que as empresas são estratégicas. Claro, a Caixa era estratégica para o Geddel (Vieira Lima, ex-ministro do presidente Michel Temer), e a Petrobras, para o José Dirceu (ex-ministro do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva), mas nunca para o povo brasileiro. O povo quer acesso a serviços de qualidade, não quer pagar a gasolina mais cara do mundo para preservar os privilégios de quem está mamando nessas gordas tetas. Na iniciativa privada, quando noto que as coisas estão sendo ditas para me agradar, levanto da cadeira e falo: "aqui, está sentada a nossa patroa, a dona Maria, que tem o poder de nos demitir ou promover". Por que no Estado não é assim? Quero levar essa prática para o governo. É um método eficiente para evitar que, em reuniões ministeriais, o pensamento saia da reeleição ou do financiamento do partido. O Estado tem de se mover para atender o usuário final e, quanto mais incha, mais se distancia do propósito de servir.
O senhor acaba de deixar uma bem-sucedida diretoria da Riachuelo para entrar na política. Por quê?
Estava no apogeu da minha vida profissional, mas com a sensação de que ocupava uma confortável cabine de um transatlântico em direção a um iceberg. De que adianta sucesso empresarial às vésperas da eleição mais importante da história do Brasil, correndo o risco de devolver o país à mesma quadrilha que o saqueou? Somos o 15º maior empregador do Brasil e, de longe, o maior do meu Estado (Pernambuco). Eu sei como gerar emprego, que é o melhor programa de governo que existe. Você resolve saúde, educação, moradia, segurança... Tudo. E, no Brasil, isso é mais fácil de resolver do que em outras partes do mundo. Temos de evitar que destruam o emprego. Com dinheiro público, bancamos uma máquina de "não fazer" e uma burocracia ideologizada que transforma o Brasil em um dos lugares mais hostis ao investimento. Vamos fazer essa faxina. Tiramos essa ideologia tóxica do Planalto, mas segue enraizada em todas as esferas da burocracia brasileira. Quem produz está sendo atacado de todos os lados. O meu indicador gerencial é o índice de liberdade econômica, porque economias prósperas são economias livres que geram empregos. Aqui, quantos Steve Jobs e Bill Gates nasceram e foram lançados em uma terra salgada pela burocracia? O Brasil empreende mais do que os Estados Unidos, mas a taxa de germinação é muito mais baixa pela hostilidade do ambiente de negócio. Com quatro reformas, podemos transformar o Brasil em um dos países mais hospitaleiros à figura sublime do gerador de empregos: a trabalhista, a tributária, a de Estado e a da Previdência.
Com um discurso semelhante de "ataque ao emprego", o senhor tornou-se réu por caluniar uma procuradora do trabalho que identificou irregularidades em uma das empresas subcontratadas pela Riachuelo.
A Justiça do Trabalho tem sido muito mais serena e sóbria. Acredito que acabará atendendo inclusive à demanda dos trabalhadores, que se revoltaram contra essa decisão e saíram em caravanas pedindo que não destruam seus empregos. Me rebelei contra o cerco burocrático que chegou ao setor têxtil. Depois de nove anos de um verdadeiro assédio, coloquei nas mídias sociais o que estava acontecendo. O resultado foi uma insubordinação dos próprios trabalhadores, que saíram em nossa defesa. Em 2009, a fábrica (Guararapes Confecções) tinha 20 mil funcionários. De lá pra cá, a Riachuelo quintuplicou de tamanho, enquanto a Guararapes reduziu a um terço por causa desse cerco feroz. É necessário deter essa máquina de não fazer financiada com dinheiro público que destrói empregos por causa dessa burrice burocrática. Em todo o mundo, os países se esforçam para criar empregos. Aqui, temos de deter essa aristocracia burocrática, ideologizada e que recebe altos salários para destruir empregos. Essa é a minha bandeira. Temos de fazer uma faxina dessa contaminação ideológica que retira o Brasil do jogo competitivo. O único caminho para a prosperidade está no bom e velho livre mercado.
Mas, ao ter direitos suprimidos, como apontou o Ministério Público do Trabalho no caso Guararapes, o trabalhador também não está sofrendo um ataque?
Isso não é verdade. Lidamos com aproximadamente 150 sindicatos, cada um com um piso salarial. Há variações de centavos, R$ 1 ou R$ 2. Sessenta pequenas empresas produzem e vendem para a gente, cada uma com um sindicato e uma realidade. Aí, enfatizam que uma ou outra fábrica tem piso diferente, que um ou outro trabalhador possui menos direitos. Sinceramente, olha que absurdo. Na nossa empresa, o trabalhador ganha vale-refeição e vale-transporte. Mas, se em uma cidade de 5 mil habitantes, ele trabalha a 50 metros de casa, não recebe vale-transporte, nem vale-refeição porque deixa a fábrica, almoça em casa e retorna. Maliciosamente, coloca-se isso como perda de direitos. Não é. Às vezes, são condições de trabalho muito melhores do que quem precisa ficar uma hora no ônibus. Os ataques são absolutamente injustos. Quem quiser saber a verdade, que pergunte aos trabalhadores.
O senhor se apresenta como o "candidato óbvio", que cumpre o anseio da população. Porém, aparece com 1% ou zero das intenções de voto. Quando a sua candidatura irá decolar?
Para mim, foi uma surpresa ter pontuado (na pesquisa Datafolha divulgada em 15 de abril) porque a minha filiação ocorreu há menos de um mês. Pontuamos em todos os cenários, o que não aconteceu com nomes nacionais que estão na mídia. Talvez eu seja o menos conhecido dos pré-candidatos. Até o fim da campanha, serei conhecido por algo próximo a 100%. Mantendo esse percentual de adesão, estarei no segundo turno. Apareço à frente de nomes como Henrique Meirelles (ministro da Fazenda), Jaques Wagner (ex-governador da Bahia), Rodrigo Maia (presidente da Câmara), o próprio Temer. Estou empatado com o Temer, que é conhecido por 100% da população. É um ótimo começo de campanha.
O apoio do MBL deve impulsionar seu nome?
A aproximação ocorreu quando fui o primeiro empresário a se manifestar favorável ao impeachment (de Dilma Rousseff). Admiro a maturidade intelectual do MBL em um ambiente no qual existia uma hegemonia de esquerda. Esse contraponto é muito saudável para o debate. Lógico, trata-se de jovens, e jovens de esquerda são tão impetuosos quanto jovens de direita. Agora, já ouvi dizer que sou o candidato do MBL, da Igreja Evangélica, da Fiesp, do varejo, dos empresários... A cada alegação, sinto muita alegria do quão plural é a minha candidatura.
O MBL tem se envolvido com a distribuição de fake news, especialmente no caso Marielle. Esse método do movimento pode contaminar a sua candidatura?
A origem dessa notícia foi uma declaração de uma desembargadora, desmentida por ela mesma depois. Não só o MBL foi vítima, vários outros grandes órgãos de imprensa também. Sou defensor da liberdade plena de imprensa. Quando alguém se engana, vem a correção. O perigo existia na época em que a informação era concentrada. Agora, cada um de nós é um polo emissor de informação. Quando alguém escorrega... Se a mentira tinha pernas curtas, agora, nas redes sociais, mais ainda. Quem divulga uma inverdade é corrigido muito rapidamente.
Mas, nesse caso, o MBL nunca se corrigiu.
Bom, aí é com eles. A solução para isso é a liberdade de imprensa. A pior solução, muitas vezes ventilada, é reprimir, restringir, censurar. Não acho que o MBL nem ninguém deve ser censurado. A liberdade de imprensa é o anticorpo natural contra qualquer fake news.