Nos três dias em que se entrincheirou no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em resistência à ordem de prisão para cumprimento de pena de 12 anos e um mês por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou um recado claro: os jovens Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D'Ávila (PC do B), ambos pré-candidatos à Presidência, são os ungidos pelo líder petista para disputar a hegemonia da esquerda nacional.
Desde quinta-feira, ambos eram vistos a todo momento ao lado de Lula, em lugares de destaque, o que já havia acontecido nas semanas anteriores, em edições das caravanas do petista pelo Brasil.
Para não restar dúvida, o ato mais simbólico aconteceu neste sábado (7), quando Lula apontou no final do seu discurso, do alto de um carro de som em frente ao sindicato, os dois como a nova geração da política.
— Quero dizer a você, Guilherme, e a Manuela. Quero dizer a vocês dois que, para mim, é motivo de orgulho pertencer a uma geração que está no final dela vendo nascer dois jovens disputando o direito de ser presidente da República deste País — bradou Lula, trazendo os dois para o seu lado, à frente do palanque, onde receberam saudações do público.
Boulos ficou conhecido nacionalmente como líder e coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST). Obteve ascensão nos protestos contra a Copa de 2014 e ocupações de terrenos particulares desocupados próximos da Arena Corinthians, quando promoveu mobilizações e sentou com o governo do PT da época para negociar políticas públicas de moradia popular.
Boulos se notabilizou como o líder do movimento social que mais cresceu no país nos últimos anos. O MTST se aproximou dos níveis de influência alcançados pelo MST ao longo da história recente do país. Ele também exerceu a coordenação da frente Povo Sem Medo, agrupamento de organizações de esquerda criado para atuar contra o impeachment de Dilma Rouuseff.
Somente em março de 2018, Boulos se filiou a um partido político. Escolheu o PSOL, sendo lançado imediatamente pré-candidato à Presidência. A queda de Dilma, o fortalecimento da direita e os processos judiciais e prisões de lideranças de esquerda trataram de reorganizar a unidade deste campo político. Na sua filiação, Boulos recebeu um vídeo com mensagem de Lula, que o qualificou como bom quadro para o futuro. O recado do ex-presidente causou descontentamento em setores minoritários do PSOL críticos à aproximação com o PT.
Aos 35 anos, o pré-candidato do PSOL nasceu em São Paulo. Filho de dois médicos e professores da USP, é originário da classe média-alta. Ele é filósofo, psicanalista, professor e escritor.
Militante do PC do B desde a juventude, Manuela, 36 anos, é natural de Porto Alegre e se formou em jornalismo na PUCRS. Teve carreira meteórica na política. Carismática e com boa capacidade de comunicação, se elegeu vereadora de Porto Alegre em 2004, quando estourou com o bordão "Eaí, beleza?" Dois anos depois, em 2006, saltou à Câmara dos Deputados. Foi reeleita em 2010, alcançando o apoio de 482.590 eleitores, a maior votação de um deputado no Brasil naquele ano.
O sucesso nas disputas a cargos legislativos não se repetiu quando ela buscou o Executivo. Nas duas vezes em que concorreu à prefeitura de Porto Alegre, não conseguiu chegar onde esperava. Em 2008, surpreendeu ao ameaçar retirar o PT do segundo turno. Mas, na reta final, acabou ultrapassada por Maria do Rosário (PT), ficando em terceiro. Embora o PC do B tenha sido, na maioria dos anos, um fiel escudeiro do PT, muitas vezes apontado como linha auxiliar, a campanha de 2008 marcou um episódio de tensão nas relações. Líder de um partido menor, ao enfrentar o PT em pé de igualdade nas urnas, Manuela gerou atritos e embates públicos com os antigos aliados.
Já em 2012, arrancou como favorita, mas viu o então pedetista José Fortunati (PSB) vencer em primeiro turno após uma disparada ao longo da campanha.
Em 2014, decidiu concorrer a mandato de deputada estadual, deixando Brasília. Novamente ficou em primeiro lugar entre os concorrentes, com mais de 222 mil votos.
Sua atuação inicial na política era voltada à juventude — na trajetória, ela sempre manteve laços e funções diretivas em organizações como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e a União da Juventude Socialista (UJS). Ainda como vereadora, foi uma das autoras da lei da meia-entrada em eventos de lazer, culturais e esportivos para estudantes. Já em Brasília, foi autora do Lei do Estágio, que garantiu alguns direitos trabalhistas aos estagiários, e relatora do Estatuto da Juventude e do Vale-Cultura. Com a evolução da carreira política, ampliou o campo de atuação. Hoje, está na linha de frente das políticas de direitos humanos e dos LGBTs. Na área econômica, faz oposição às medidas reformistas do presidente Michel Temer. Casada com o músico Duca Leindecker, se tornou mãe em 2015.
O fato de Lula estar ungindo dois nomes de partidos de fora do PT reflete o momento crítico da sigla — os petistas se notabilizaram por monopolizar a liderança da esquerda e as cabeças de chapa — e também demonstra a sinuca de bico em que se encontra o próprio ex-presidente.
Fernando Haddad
Lula poderia incluir um terceiro nome entre os herdeiros do seu espólio político, o petista Fernando Haddad. Ex-ministro da Educação e ex-prefeito de São Paulo, Haddad é um nome citado como alternativa do PT à Presidência. Ele estava neste sábado no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC com Lula, mas não recebeu a mesma deferência concedida a Boulos e Manuela.
Como os petistas e o próprio Lula mantêm o discurso de que ele será candidato à Presidência em outubro de 2018, fazer menções mais inflamadas a Haddad soaria contraditório e um possível indicativo de que, intimamente, os petistas já não acreditam mais na hipótese de uma candidatura presidencial de Lula.