Ao elogiar dois eventuais adversários do PT na corrida presidencial, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) demonstrou mais do que somente apreço a Manuela D’Ávila (PC do B-RS) e Guilherme Boulos (PSOL-SP). As nove menções à dupla nos 55 minutos de discurso no último sábado indicam a intenção do petista de unificar os militantes de esquerda frente à previsão de dificuldades nas eleições de outubro.
A Boulos, líder do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), Lula dispensou um conselho seguido por ele próprio, eleito presidente após três tentativas frustradas nas urnas:
– Você tem futuro, meu irmão, é só não desistir nunca.
Após cumprimentar Manuela, o petista disse que é “um motivo de orgulho e uma perspectiva de esperança para esse país ter gente nova” disputando eleições à Presidência.
Os afagos são vistos como parte de uma estratégia para evitar agressões entre partidos que defendem bandeiras semelhantes. O campo político, que tem pré-candidatos em todas as suas maiores legendas, poderá sofrer com a dispersão dos votos que, inicialmente, iriam para Lula. Um ambiente pacificado poderia beneficiar um nome indicado por ele que venha de dentro do PT.
O mais lembrado para liderar uma chapa da sigla é o ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad (PT). Ele foi citado apenas uma vez no discurso do ex-presidente. Lideranças do partido entendem que deferência maior ao nome de um petista poderia sinalizar a desistência da sigla em manter o nome de Lula como plano A, hipótese rechaçada até o momento.
A tentativa de alinhavar uma aliança de esquerda, em contraponto às dobradinhas feitas com PMDB – fiador do impeachment de Dilma Rousseff e partido do atual presidente, Michel Temer – nas últimas eleições é outra possibilidade. Para o ex-governador Tarso Genro (PT-RS), a sinalização de Lula demonstra que o partido quer se afastar do fisiologismo.
– A citação é o reconhecimento da necessidade de nova frente política capaz de se mover de maneira mais consequente – pontua.
Um cenário de afunilamento, em que apenas duas candidaturas disputariam diretamente a herança lulista – Ciro Gomes (PDT) e outra representando as demais legendas –, não é considerado. No entanto, uma campanha com pacto de boa convivência entre os nomes de PT, PSOL, PC do B e PDT poderia levar a uma grande frente política em eventual segundo turno, como já admitido por Boulos em entrevistas.
Para que isso ocorra, analistas acreditam que o ex-presidente, reverenciado como líder da esquerda no país, deve assumir a dianteira nesse processo, evitando possíveis fissuras.
– O discurso de Lula reforça duas candidaturas (Manuela e Boulos), mas é importante lembrar que ele é uma espécie de fiador da estabilidade desse campo político – opina o cientista político e professor da Unisinos Bruno Lima Rocha.
Nos bastidores, lideranças de PC do B e PSOL concordam com o potencial de crescimento das candidaturas de seus filiados na manifestação de Lula, embora ainda não saibam mensurar o impacto que isso trará aos eleitores.
Outras correntes das duas siglas evitam fazer projeções eleitorais. Para o deputado estadual Pedro Ruas (PSOL-RS), a deferência a Boulos ocorreu devido à proximidade que ele tem com o ex-presidente. O parlamentar afirma que não há nenhuma negociação, mesmo que informal, para possível aliança futura.
O deputado federal Orlando Silva (PC do B), que esteve em São Bernardo do Campo para prestar apoio ao petista – de quem foi ministro dos Esportes –, também evita falar em acordo eleitoral. Para ele, o gesto demonstra agradecimento ao partido, histórico aliado do PT, mas também valoriza o protagonismo de Manuela.
Ciro não esteve em São Bernardo do Campo neste fim de semana. Embora defenda a liberação da candidatura do ex-presidente, o pedetista evita opiniões mais contundentes. Na última semana, ao ter a ausência em um ato favorável ao petista questionada, disse não ser “puxadinho do PT”, mas que tem história de 16 anos com Lula.
Para o cientista político da Unisinos, Ciro tem de manter distância segura da esquerda, o que possibilita a tentativa de atrair votos do centro e da direita.
Os elogios do petista
Boulos tem 35 anos. Eu tinha 33 quando fiz minha primeira greve. Você tem futuro, meu irmão, é só não desistir nunca.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (PT)
Ao se referir a Guilherme Boulos (PSOL-SP)
Você é motivo de orgulho e esperança para o país.
LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA (PT)
Ao se referir a Manuela D’ávila (PC do B-RS)