O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz é um dos mais renomados militares brasileiros. Em nome das Nações Unidas, chefiou a força multinacional de paz no Haiti (em 2007) e comandou a maior Missão de Paz já feita pela ONU, no Congo – onde chefiou 22 mil homens de 20 países, entre 2013 e 2015. Foi por essas credenciais que, ao aposentar a farda, esse gaúcho de Rio Grande aceitou o convite de ser o secretário nacional de Segurança Pública. Com a criação do Ministério da Segurança Pública, mês passado, Cruz se tornou o número 2 do ministro Raul Jungmann. Cabe a ele fazer o meio campo com todas as polícias brasileiras (a federal, as civis e as militares) e também com o explosivo sistema penitenciário.
Mal havia assumido a nova função quando estourou a comoção provocada pelo assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) no Rio. Nesta entrevista a GaúchaZH, Santos Cruz fala sobre a morte da parlamentar, de como propiciar segurança pública num país assolado pelo crime e da cada vez maior presença de generais no governo Michel Temer.
Quais suas considerações sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco, no Rio?
Tenho dito que deve gerar uma investigação arrasadora, exemplar. O Rio vive um quadro criminoso inadmissível. Não é só esse homicídio, infelizmente virou rotina. Matam policial, juiz, políticos, cidadãos mais e menos famosos...Agora, é preciso evitar o tipo de especulação puramente emocional que tem acontecido, tanto por parte dos adversários políticos da vereadora quanto por parte de seus admiradores.
As redes sociais espalharam vários boatos sobre Marielle, principalmente de que seria ligada a uma facção criminosa e a um famoso bandido carioca. Algo disso procede?
Não há indício nesse sentido, pelo que fui informado. Há muita exploração política nesses boatos. E se ela conhecesse algum criminoso? Em nada mudaria o fato de que foi assassinada e o crime tem de ser esclarecido. O investigador não pode ser parcial, nem agir conforme quem ela era. Não pode atuar com paixão. Nem ser emocional.
Qual a diferença de trabalho durante o tempo no Haiti e agora no Ministério da Segurança Pública? O senhor continua o que estava fazendo no Ministério da Justiça e da Segurança Pública?
No Haiti, no início de 2007, a decisão foi confrontar as gangues, as chamadas "street gangs", para eliminar a ousadia que tinham. Na região central da cidade, a decisão foi pelo confronto direto. Já na periferia, onde estava o batalhão do Sri Lanka, foi um ritmo intenso de operações de cerco, busca e apreensão, utilizando as tropas do batalhão e da polícia. Tivemos sucesso nas duas áreas. Aqui, atualmente, no Ministério da Segurança Pública e anteriormente, no Ministério da Justiça e Segurança Pública, as atividades são mais de coordenação e de gerenciamento de projetos de apoio às atividades de segurança pública. A tônica não está concentrada nas atividades de execução de atividades diretas contra os criminosos. Como disse, a maior parte é de gerenciamento de projetos de apoio e de coordenação. Fazemos exatamente o mesmo trabalho que vínhamos fazendo no Ministério da Justiça. Pessoalmente mudou um pouco, pois estou acumulando as responsabilidades pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) e também como Secretário Executivo do novo Ministério da Segurança Pública.
O investigador não pode ser parcial, nem agir conforme quem ela era
Quais os próximos passos em nível de Ministério?
Além das atividades que continuam absolutamente normais para todo o Ministério (Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal, Departamento Penitenciário e Secretaria Nacional de Segurança Pública), existe um grande trabalho administrativo, burocrático, que é exatamente a estruturação do novo Ministério. Assim, existe, no momento, um acúmulo das atividades operacionais de rotina com o trabalho de organização do novo Ministério.
Há possibilidade de uma intervenção em outro Estado, nos moldes do que houve no Rio de Janeiro?
Decretar uma intervenção é uma decisão política que sai do escopo de trabalho da Secretaria Nacional de Segurança Pública e até do Ministério. Segurança pública no Brasil, infelizmente, chegou a uma situação problemática em vários Estados, como se pode acompanhar pelas informações disponíveis, com altos índices de violência em diversos locais, com dificuldades visíveis para algumas unidades da federação adotarem as medidas necessárias. No entanto, como disse, é uma decisão absolutamente reservada ao governo federal, na pessoa do presidente da República. Portanto, tecnicamente, sempre existe a possibilidade, do ponto de vista da legislação. Pessoalmente, não vejo nenhum movimento nessa direção.
O Ministério da Justiça continua com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen)? Como vê essa divisão? Há algum prejuízo nessa situação?
O Depen saiu do Ministério da Justiça e passou para o da Segurança Pública, que ficou constituído também com Senasp, PF, PRF. Eu não vejo nenhum prejuízo na divisão, da maneira como ela foi feita. A Segurança Pública assumiu uma dimensão muito grande no Brasil e foi isso que motivou a formação de um órgão específico, a fim de que o assunto seja tratado por um ministério próprio. O Ministério da Justiça tem suas atribuições bem definidas e específicas, sendo um dos mais antigos na história do Brasil. E o Ministério da Segurança Pública veio para responder a uma necessidade que se tornou fundamental para o Brasil atualmente.
A participação das Forças Armadas na administração pública é absolutamente normal
Há um aumento da influência de generais em postos na Administração Pública. O que é esse movimento? O presidente fez um apelo? As Forças Armadas ofereceram isso?
A participação de elementos das Forças Armadas na administração pública é um processo absolutamente natural. Não existe nenhum movimento calculado, pensado exclusivamente para isso. Claro que as Forças Armadas jamais se insinuaram para isso, nem foi feito qualquer "apelo" presidencial. É uma decisão normal da autoridade, no caso o Presidente. Não existe nenhum problema de as Forças Armadas participarem da administração pública do país com pessoas de seus quadros. Talvez aqueles que se preocupem com isso o façam por conta de posicionamento ideológico, análise política irracional, desatualizada, ultrapassada. O que a população quer é dedicação, capacidade para a função, honestidade e resultados. Tem que ser visto por esse lado. O restante são posicionamentos que carecem de sentido prático ou que contém outros interesses. É muito importante estar em sintonia com a avaliação social.
Qual a prioridade da segurança pública no país?
Bem, com tantos problemas, é muito difícil sintetizar qual é a prioridade da segurança pública. Existem muitos problemas que precisam ser atacados ao mesmo tempo – integração de inteligência e de dados, recomposição de efetivos, capacitação de pessoal, equipamentos básicos, tecnologia, legislação, funcionamento do Judiciário e do Ministério Público, execução penal, sistema penitenciário, performance dos governos, em todos os níveis (federal, estadual e municipal) na área social, na educação, na saúde, na eliminação da corrupção etc. Para sintetizar em um único objetivo: o foco tem que ser na população. Mesmo sendo a segurança pública obrigação de todos os cidadãos, é importante destacar a obrigação que tem os governantes, as instituições e os funcionários públicos de administrar com transparência e honestidade, sempre com o foco na obrigação de prestar serviço para a população. Nesse grande e complexo problema da segurança pública, o cidadão é a prioridade. Daí vem todo o restante.