Aos 64 anos, o general Carlos Alberto Santos Cruz adotou o terno e a gravata como uniforme de trabalho. Novo secretário nacional de Segurança Pública, o militar assumiu na última quinta-feira tarefa que ele considera tão "complexa" quanto as missões da Organização das Nações Unidas (ONU) que comandou no Haiti e na República Democrática do Congo: ajudar a reduzir os índices de homicídios dolosos, feminicídios e violência contra mulher pelo país.
Natural de Rio Grande, general de divisão da reserva do Exército, Santos Cruz tem como prioridade tirar do papel o plano nacional de segurança, lançado em janeiro pelo governo de Michel Temer, durante a crise dos presídios, e que ainda não deslanchou. O cenário é complicado pela crise fiscal dos Estados e da União, que anunciou contingenciamento de R$ 42,1 bilhões no orçamento de 2017.
– A gente vai tentar cumprir. O que não der para ser feito agora, aguarda outras parcelas de recursos – simplifica o general, que recebeu Zero Hora em seu gabinete no quinto andar do Ministério da Justiça.
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Conhecido por acompanhar seus comandados na linha de frente nas missões, Santos Cruz não pretende ser um secretário recluso ao escritório. Planeja uma série de viagens. Entre as capitais que já recebem ações do plano nacional, Porto Alegre está no roteiro que o general prepara. Ele pretende se reunir com o secretário de Segurança, Cezar Schirmer, para "refinar" a parceria no Estado, cuja principal frente, por ora, é a presença da Força Nacional.
Apesar das diferenças entre a atividade militar e o trabalho na segurança pública, Santos Cruz confia em uma adaptação rápida ao novo cargo. Com discurso de valorização das polícias e de ações integradas, prega uma lição executada com sucesso nas missões da ONU: intensificar operações, inclusive em áreas de risco. No Haiti, entre 2006 e 2009, ele liderou 12 mil militares. No Congo, de 2013 a 2015, coordenou o trabalho de outros 23,7 mil. A missão, agora, é afinar ações com 27 secretários de Estados. A seguir os principais trechos da entrevista.
Como tirar o Plano Nacional de Segurança do papel?
Ainda não é possível fazer a medição do que já foi implantado. Pretendo fazer esse trabalho com as equipes que visitam os Estados e falando, pessoalmente, com os secretários de segurança. Tem de ter contato com secretário, comandante da polícia militar, chefe da Polícia Civil. A percepção do Estado sobre a segurança é fundamental para reduzir índices de homicídios e de violência contra a mulher.
O plano demanda investimento e o governo anunciou contingenciamento de R$ 42 bilhões. Vai atrasar?
Você tem de estabelecer prioridades. Nosso farol é o plano e as ações listadas, e a gente vai tentar cumprir. O que não der para ser feito agora, aguardará outras parcelas de recursos.
Porto Alegre já recebe o plano, com centro integrado cujos relatos indicam que ainda não funciona na plenitude. Quando a atuação será concreta?
Vou visitar o Rio Grande do Sul para a gente refinar essa coordenação.
O senhor é general do Exército, atuou em missões da ONU. A formação do militar não é voltada para a segurança pública. Como se adaptar?
Do ponto de vista teórico, tem diferenças, mas, na prática, não é difícil a adaptação. Primeiro, vem o respeito à lei, porque dentro dela estão embutidos princípios de direitos humanos. Também é preciso valorizar o elemento que executa a segurança pública. Veja a quantidade de policiais e de gente da população que a gente perde na mão dos criminosos. Tem de valorizar a polícia, que assume riscos, e o plano tem esse enfoque.
Algum ensinamento das missões no Haiti e Congo pode ser usado na sua nova função?
Na parte operacional, você tem de, em primeiro lugar, se dispor a correr certo nível de risco. A outra coisa é manter um ritmo de operações para obter resultados.
A ideia é discutir com os secretários o aumento do ritmo das operações?
É o tipo da atividade que você não pode relaxar. Você tem dois aspectos: policiamento ostensivo normal e ações em áreas de maior risco, para policiais e população, aonde você tem que se dispor ao risco e a manter um nível de atividade operacional.
Operações exigem efetivos dos Estados, que enfrentam dificuldades. A Força Nacional será um reforço, como já serve no patrulhamento ostensivo em Porto Alegre?
O objetivo não é reforçar os Estados com a Força Nacional. É usá-la de maneira integrada. Se você pegar os números, são 200 homens no Rio Grande do Sul, não caracteriza reforço. Quando você tem um evento de crise nos presídios, pontual, a Força resolve e sai. No Rio Grande do Sul, acontece nesse tempo todo a implantação de uma metodologia de integração, auxilia a implementar o plano nacional.
A atribuição da Força Nacional é atuar por tempo indeterminado em Estados com problemas na segurança pública?
Você acaba auxiliando, mas a ideia não é substituir as polícias. O calendário indica até julho estar em 16 Estados, mas isso fica condicionado ao orçamento, não tem saída.
Em Porto Alegre, o Exército patrulha parques e algumas ruas. Qual a sua opinião sobre utilizar as Forças Armadas na segurança pública?
Situação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) sai da rotina, em situações excepcionais, como foi no Espírito Santo. Não é controle de trânsito na volta do quartel, porque isso é medida de segurança das instalações. A participação do Exército na rua é excepcional, apesar de, na faixa de fronteira, a lei dar poder de polícia para as Forças Armadas.
O secretário de segurança do Estado, Cezar Schirmer, defende vigilância mais intensa nas fronteiras. É possível?
O secretário tem a perfeita noção da realidade local. Se a percepção dele é de que precisa intensificar, vamos conversar e ver o que é possível fazer dentro do plano. O que falta, às vezes, são recursos.
Trabalhar para reduzir índices de criminalidade no Brasil é mais complexo do que uma missão no Haiti ou no Congo?
É tão complexo quanto. A segurança é uma das áreas mais complexas, porque também depende de situação econômica e de ações de governo. Acredito nas polícias. Se der os recursos e o treinamento, dá certo.
Como manter motivados policiais com salários parcelados?
É um fator que afeta o desempenho pessoal em qualquer profissão. A remuneração é parte do planejamento familiar, afeta, tremendamente a moral da pessoa, da família.
Nas missões da ONU, o senhor ficou conhecido por acompanhar seus homens na linha de frente das operações. Vai manter o perfil na Secretaria da Segurança, participando de operações nos Estados?
A atividade militar e policial envolve risco. Para você dar uma ordem para alguém correr risco, essa pessoa tem de acreditar que você tem coragem de correr o mesmo risco. É fundamental o exemplo. As polícias têm seus chefes e comandantes nos Estados, mas, sempre que tiver oportunidade e achar conveniente, vou acompanhar.