No ano em que a Constituição completa 30 anos, o Brasil volta a ver um general do Exército assumindo um braço decisório do Estado. Decreto assinado nesta sexta-feira (16) pelo presidente Michel Temer determinou a intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro, retirando a área da alçada do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) e colocando o poder nas mãos do comandante militar do Leste, general Walter Braga Netto.
É a primeira vez no atual regime democrático que a União intervém no controle de uma unidade da federação. Imediatamente após o anúncio, instalou-se a divergência entre os que defendem a iniciativa como única saída para restaurar a paz no Rio e os que conferem ao plano um pano de fundo político.
Em anúncio no Palácio do Planalto, Temer classificou o ato como "medida extrema que as circunstâncias exigem", em referência à escalada de violência e criminalidade no território fluminense, que atingiu ápice no feriadão de Carnaval.
— O crime organizado quase tomou conta do Estado do Rio de Janeiro. É uma metástase que se espalha pelo país e ameaça a tranquilidade do nosso povo — afirmou o presidente.
O decreto tem validade imediata, mas precisa ser aprovado pelo Congresso. Ainda nesta sexta-feira, foi incluído na pauta da sessão da Câmara marcada para as 19h de segunda-feira. O presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ), pretende votá-lo no mesmo dia. Depois, o Senado também precisa avaliar a medida.
Temer viajará ao Rio neste sábado (17) para reunião com representes de órgãos públicos, na qual o general Braga Netto será apresentado como novo responsável para tentar restaurar a segurança pública no Estado.
Na oposição, a decisão é encarada como manobra política visando solucionar, de uma só vez, múltiplas preocupações de Temer. Os desdobramentos da intervenção tomam o espaço antes ocupado pela repercussão das declarações do diretor-geral da Polícia Federal (PF), Fernando Segovia, e pelo debate quanto à possível interferência indevida em inquérito do qual o inquilino no Planalto é alvo, sob suspeita de corrupção na edição do decreto dos portos.
— É, na verdade, uma grande cortina de fumaça — afirmou o líder do PSOL na Câmara, Ivan Valente (SP).
A medida ainda dá fôlego ao governo federal diante das dificuldades em conseguir os 308 votos necessários para aprovar, na Câmara, a reforma da Previdência. A votação fica impedida enquanto vigorar a intervenção no Rio – no período, é proibida a apreciação de propostas de emenda à Constituição (PEC), segundo seu próprio texto.
"Sem votos para aprovar a reforma, governo muda pauta", atacou a presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann (PR), em publicação no Twitter.
Ao assinar o decreto, Temer garantiu que as negociações pela Previdência continuam. Disse que, quando o Congresso estiver pronto para votar, fará "cessar a intervenção", e que pretende restaurá-la tão logo a apreciação tenha sido encerrada. A estratégia é motivo de polêmica.
"A Constituição não veda a discussão de temas, e elas continuarão acontecendo", diz trecho de nota divulgada pelo ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, que confirmou para segunda-feira reunião de líderes dos partidos da base com Maia sobre a tramitação da PEC.
Fustigado desde a posse por sucessivos escândalos de corrupção, Temer conseguiu suspender na Câmara duas denúncias que poderiam levá-lo ao impeachment e apostou na habilidade de negociar com o Congresso, mas as alterações na Previdência, consideradas prioridade máxima desde o ano passado, não deslancharam.
— O decreto me parece muito em defesa dele próprio. Está encurralado por ter se comprometido com a reforma, que não tem apoio, será derrotada. Para não retirar da pauta e não precisar admitir a derrota, Temer pode avaliar solução desse tipo, extrema — disse o deputado federal Miro Teixeira (Rede-RJ).
Apelo popular e impacto eleitoral
Apresentada como ação de urgência, a intervenção tem apelo popular entre cariocas e fluminense acuados pela violência. O sucesso da medida pode inflar as pretensões eleitorais do presidente. Mesmo na condição de “ficha-suja” – tem condenação em 2ª instância por doação de campanha acima do limite legal –, ele não descarta a reeleição.
— Tentam sair de uma pauta impopular, que é a Previdência, e passar para a defesa da vida das pessoas, como se este governo defendesse a vida de alguém. Jogada de risco, obviamente — criticou a deputada Jandira Feghali (PC do B-RJ).
Aliados do presidente trataram de reforçar o discurso do combate à insegurança no Rio. "É preciso agora uma ação para que os criminosos sejam presos e não se refugiem em outros Estados.", disse, por meio de nota, o líder do DEM no Senado, Ronaldo Caiado (GO).
O governador do Rio negou sentir-se "diminuído" e afirmou não ser "culpado" pelo descontrole da criminalidade no Estado, mas sinalizou que a situação marca o fim de sua carreira política:
— Não disputo mais nada. Vou terminar meu mandato de cabeça erguida.
Com o afastamento do secretário da Segurança do Rio, Roberto Sá, ficará a cargo do general Braga Netto gerir ações das polícias Militar e Civil, do Corpo de Bombeiros, e de tropas das Forças Armadas que apoiam as operações. A amplitude das atribuições também gerou questionamentos.
— A situação da segurança no Rio é grave, mas fiquemos alertas que pode vir junto mais repressão aos movimentos sociais e mais suspensão de direitos constitucionais — afirmou Gleisi.
O ministro da Defesa, Raul Jungmann, garantiu a intervenção é um movimento "absolutamente constitucional":
— Não há nenhum risco para a democracia.