Criada em 2010 por meio de um projeto de iniciativa popular, que recebeu mais de 1,3 milhão de assinaturas, a Lei da Ficha Limpa se consagrou como um dos instrumentos de combate à corrupção mais conhecidos no país. Desde as eleições de 2012, a regra prevê 14 situações que tornam políticos inelegíveis por oito anos, que vão desde a compra de votos até crimes comuns.
Em outubro passado, o Supremo Tribunal Federal (STF) alterou a interpretação da lei, estendendo seus efeitos a condenados antes de 2010. A medida foi recebida com preocupação no Congresso. Deputados passaram a intensificar articulações para derrubar a decisão, a partir de um projeto protocolado apenas seis dias depois do aumento no rigor da legislação.
A lei determina que políticos que se enquadrem nas sanções previstas fiquem inelegíveis por oito anos. Até a decisão proferida pela Corte no início de outubro, pendências com a Justiça anteriores a 2010 eram regidas exclusivamente pela lei complementar 64, de 1990, que previa punição de apenas três anos fora da vida pública.
Parlamentares alegam que a situação poderá fazer com que políticos eleitos em 2014 e 2016 percam os mandatos. São casos de condenados antes de 2010, que ficaram fora da política por três anos e, após o prazo, voltaram a concorrer. Se o entendimento do STF for mantido, a punição a eles seria ampliada e, com isso, poderia haver a cassação dos registros de candidatura.
Nos bastidores, a estimativa é de que mais de 200 vereadores, 40 prefeitos e dois deputados federais poderiam ser atingidos.
Autor do projeto que quer evitar a revisão de prazos da Lei da Ficha Limpa, o deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP) usa o placar apertado na decisão dos ministros do STF – seis a cinco pela retroatividade – como um dos motivos que o levaram a apresentar a proposta:
– É pela segurança jurídica. Os argumentos dos cinco ministros que votaram contra me convenceram.
Críticos apontam “corporativismo”
O parlamentar, que responde a inquérito no STF por suspeita de corrupção passiva, afirma que sua proposição não modifica a lei, apenas fixa 2010 como o marco para a inelegibilidade de oito anos a partir de condenações a políticos. Ele destaca que, atualmente, não há regra clara quanto ao início da vigência da regra.
– Não podemos deixar o mesmo juiz usar dois pesos e duas medidas com candidatos diferentes. Temos de disciplinar a atuação da Justiça – pontua.
Líder do PT na Câmara até o final do ano, Carlos Zarattini (SP) segue a mesma linha. Para ele, a interpretação do STF sobre o tema foi “equivocada”, com “maioria de um voto só”. O parlamentar explica que a lei continuará sendo restritiva em casos de corrupção, mas sugere que não pode ser utilizada em casos anteriores a 2010.
– Há pessoas que foram condenadas a três anos de inelegibilidade em julgamentos anteriores. Você não pode dizer agora que elas irão cumprir uma pena de oito anos – diz Zarattini.
Deputados federais contrários ao projeto que tramita na Câmara classificam como “corporativismo” a tentativa de evitar a ampliação dos prazos de inelegibilidade. O líder do PSB, deputado Júlio Delgado (MG), diz que está sendo pressionado por colegas para que a regra definida pelo STF seja combatida:
– Não corresponde ao desejo de uma parcela significativa da sociedade que quer moralizar a política.
Líder da Rede na Câmara, João Derly (RS), afirma que qualquer alteração na legislação será ruim para a imagem do Congresso e dos partidos. Ele também ataca a pressa em votar a mudança:
– A gente percebe que, quando tem alguma coisa para liberar recursos ou safar algum deputado, todo mundo se mobiliza.
Para agilizar a tramitação do projeto na Câmara, Marquezelli protocolou requerimento de urgência. Para isso, obteve o apoio de líderes de 15 bancadas, entre as quais PMDB, PP, PT, PRB, DEM, PTB, SD e PC do B. Juntas, as siglas têm 295 deputados, o suficiente para aprovar o texto, já que um projeto de lei complementar necessita de apenas 257 votos. O Congresso retoma os trabalhos em fevereiro.
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse, no fim do ano passado, não se opor em colocar o texto em votação e rechaça a versão de que a matéria traz mudanças no mecanismo da lei:
– A lei brasileira, do ponto de vista de muitos, nunca retroagiu para prejudicar. Então, é essa a dúvida que está colocada e é essa a questão que está no projeto. Se vai avançar ou não, é uma questão que vamos discutir depois com os líderes.
Para um dos idealizadores da Lei da Ficha Limpa, o advogado e ex-juiz Márlon Reis, o projeto que tenta fixar prazo para a validade da regra foi baseado em uma confusão causada pelos deputados. Ele afirma que, por se tratar de alteração de uma norma dentro do direito eleitoral, é possível que sua aplicação seja estendida a períodos anteriores a sua entrada em vigor:
— Os políticos tentam confundir inelegibilidade com normas penais. É uma reação ao fato de que pessoas poderosas estão sendo alcançadas. O corporativismo político está sendo usado para salvar o mandato de pessoas condenadas.
Em 2016, Márlon deixou a magistratura e se filiou à Rede. Em 2018, deverá concorrer ao governo de Tocantins.
A inelegibilidade
Passo a passo da Lei da Ficha Limpa
- O candidato ficará inelegível se for condenado por crimes em segunda instância ou se enquadrar nos termos da lei complementar 135/2010 (Lei da Ficha Limpa).
- Se ele tentar concorrer, sua candidatura poderá ser contestada por outros candidatos, por partidos e coligações ou pelo Ministério Público Eleitoral.
- Mesmo se não houver Ação de Impugnação de Registro de Candidatura, o juiz eleitoral tem a prerrogativa de barrar o postulante a cargo público.
- O Tribunal Regional Eleitoral (TRE) analisará cada caso e poderá indeferir o registro de candidatura.
- Se isso acontecer, o candidato só poderá concorrer na eleição caso entre com recurso no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
- No entanto, se o TSE decidir por não autorizar o registro, ele ficará fora do pleito.
- Nessa situação, a única exceção para que o candidato possa concorrer é obter uma medida cautelar por meio da Presidência do TSE ou de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF).
Fonte: Gabinete Eleitoral do Ministério Público RS