Já desgastado por tentativas frustradas de aprovar a adesão ao regime de recuperação fiscal na Assembleia, o Piratini enfrenta uma nova frente de batalha em busca do acordo com a União. A liminar do Tribunal de Justiça (TJ) que suspendeu a votação do projeto pegou o governo de surpresa e acirrou atritos institucionais entre Executivo, Legislativo e Judiciário na discussão sobre como vencer a calamidade financeira do Estado.
Já passavam das 23h de segunda-feira (5) quando o chefe da Casa Civil, Fábio Branco, recebeu um telefonema do procurador-geral do Estado, Euzébio Ruschel, para avisar que a Justiça estadual concedera liminar favorável a uma ação de deputados da oposição contra a tramitação do projeto. Confiante de que o governo teria os votos necessários em plenário, Branco mal conseguiu dormir.
— Não há como ter governabilidade sem a aprovação desse projeto — sustenta.
Outro temor do Piratini é de que a demora em aderir ao programa federal leve à derrubada de uma outra decisão liminar, que permitiu ao governo suspender o pagamento das parcelas mensais da dívida com a União. Nesse caso, além de voltar a depositar os valores, poderia ser necessário devolver R$ 1,5 bilhão já economizados.
Nos bastidores do Piratini, causou estranheza a decisão favorável do desembargador do TJ Luiz Felipe Brasil Santos. Na avaliação de interlocutores do governador, a medida abre uma crise entre Executivo e Judiciário.
— Da oposição, podíamos esperar tudo. Mas tínhamos certeza de que o magistrado iria indeferir o pedido de liminar, porque seria uma interferência impensável entre os poderes — afirma uma fonte próxima a Sartori.
— Houve uma interferência indevida do Judiciário no Legislativo. Antes de recorrer à Justiça, poderiam ser apresentados recursos ao presidente da Assembleia, à Comissão de Constituição e Justiça ou ao próprio plenário — diz o líder do governo na Assembleia, Gabriel Souza (PMDB).
Deputados da oposição argumentaram que o projeto apresentado pelo governo não continha o contrato a ser firmado com a União – o que seria uma exigência do regimento interno da Assembleia.
— Nosso pedido de liminar privilegia a Assembleia ao respeitar seu regimento. Por isso, não houve interferência alguma — sustenta o deputado Pedro Ruas (PSOL), um dos autores da ação ao lado de Juliana Brizola (PDT), Stela Farias e Tarcísio Zimmermann (ambos do PT).
Em entrevista à Rádio Gaúcha, Branco classificou a decisão judicial como "esdrúxula", aumentando o tom da desavença institucional. Na verdade, já sobravam sinais de que o acerto entre Piratini e Planalto era visto com reservas por parte da magistratura. Ao tomar posse na presidência do TJ, em 1º de fevereiro, o desembargador Carlos Eduardo Zietlow Duro condenou o congelamento do orçamento do Judiciário e fez críticas ao acordo:
— A Assembleia foi palco de debates em relação à recuperação fiscal, que, se aprovada nos moldes como está sendo apresentada, causará problemas.
Um experiente desembargador acredita que o descompasso entre integrantes do Executivo e do Judiciário não configura uma crise entre os poderes. Sob condição de anonimato, avalia que a definição da liminar como "esdrúxula" é fruto das tensões atuais:
— Está todo mundo de cabeça quente. As palavras fortes devem ser creditadas à emoção do momento.
O magistrado também refuta a tese de interferência do Judiciário na Assembleia.
— Como poderia ter havido interferência se o próprio Legislativo procurou o Judiciário? Fomos provocados a nos manifestar — argumenta.
Segundo o desembargador, há colegas contrários e favoráveis ao regime de recuperação fiscal, mas o tribunal se limita a analisar a questão sob o ponto de vista legal. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) recorreu ao Supremo Tribunal Federal (STF) por entender que se trata de questão constitucional – devido à suposta interferência entre poderes – e que a resposta tende a ser mais rápida e efetiva. Outro argumento utilizado foi o risco de "grave lesão" às finanças do Estado.
— Se tivermos de voltar a pagar a dívida e devolver as parcelas pendentes, teremos sérios problemas — adverte Ruschel.
Os pedidos de suspensão de liminar encaminhados ao STF são julgados pela presidente da Corte, ministra Cármen Lúcia, e não precisam ser posteriormente submetidos ao plenário – salvo em caso de recurso. A Assembleia também decidiu recorrer, mas ao TJ.
Conforme o líder do governo, se a liminar que suspendeu a votação for derrubada até o final da manhã de quarta-feira (7), a matéria poderia ir à votação no mesmo dia. Se isso não ocorrer, o desfecho da nova batalha enfrentada pelo governo estadual deverá ficar para depois do Carnaval.