A simetria nos três votos que mantiveram a condenação de Luiz Inácio Lula da Silva no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) levantou um debate sobre eventual acerto prévio entre os desembargadores. Além da unanimidade no veredito em relação aos crimes atribuídos ao ex-presidente, os magistrados concordaram integralmente na rejeição às preliminares levantadas pela defesa e na pena de 12 anos e um mês de prisão.
Para quem está acostumado a ver debates muitas vezes acalorados no Supremo Tribunal Federal (STF), inclusive com ofensas, a harmonia vista no TRF4, na quarta-feira (24), pode ter causado surpresa. Mas não haveria ilegalidade em hipótese de combinação, ainda que provoque questionamentos.
Um voto divergente no julgamento abriria chance à defesa de Lula para a apresentação de embargos infringentes e concederia mais força para questionar a decisão no Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou no STF. Como tanto o veredito quanto a pena foram unânimes, Lula pode ter decretada sua prisão tão logo sejam julgados os embargos de declaração, recurso utilizado pela defesa para buscar esclarecimentos sobre a decisão do tribunal e que, no TRF4, leva de um a dois meses em média para ser apreciado.
Nos julgamentos da Lava-Jato no TRF4, é praxe os desembargadores conhecerem os votos uns dos outros antes de cada sessão. Dessa forma, ninguém é surpreendido com a posição de um colega na hora do julgamento. Em alguns casos, quando há consenso no mérito e penas diferentes estipuladas por cada magistrado, em geral é elaborado um "voto médio", pelo qual todos concordam com a punição a ser conferida ao réu.
Ainda assim, votos convergentes em todos os aspectos não são exceção no tribunal. Na apelação do ex-deputado Pedro Corrêa (PP), o cenário foi semelhante ao de quarta-feira. Por 3 votos a 0, os desembargadores mantiveram a condenação do político, com aumento da pena de 20 anos para 29 anos. Também houve unanimidade nas decisões sobre os outros quatro réus. O mesmo ocorreu quando o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto foi condenado pela primeira vez na Corte, com o tempo de prisão aumentado de 10 para 24 anos.
— É comum os julgadores conversarem antes. E entre três é mais fácil chegar a um consenso. Talvez tenha havido um acerto para ninguém pedir vista ou até mesmo no tamanho da pena, mas ainda assim creio que cada um votou de acordo com suas convicções, firmadas com exame minucioso das provas — avalia um ministro aposentado de tribunal superior.
A prática de compartilhamento dos votos é comum em colegiados, sobretudo no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Integrante da 5ª Turma da Corte, na qual são julgadas as ações da Lava-Jato, o ministro Jorge Mussi é um dos juízes que irá analisar um eventual recurso de Lula. Ele afirma que, na véspera de cada sessão, todos os magistrados disponibilizam seus votos:
— Na 5ª Turma, dificilmente há voto divergente. Quando são homogêneas, as decisões colegiadas dão densidade e musculatura ao processo, conferindo mais segurança jurídica. O julgamento do ex-presidente no TRF4 me pareceu bem tranquilo. O relator convenceu seus colegas, que concordam na autoria e na materialidade dos crimes, assim como no elementos para aumento de pena, que é a culpabilidade elevada e reprovabilidade da conduta. Não vejo nada de anormal.
Mas o tema não deixa de provocar controvérsia. Para o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a forma como os três desembargadores convergiram em seus votos tisnou o julgamento. Kakay diz que até mesmo os argumentos técnicos usados pelo trio para aumentar a pena de Lula foram semelhantes:
— Não quero ser leviano, mas acho que combinaram. Academicamente, os votos formaram um conjunto, um complementando o outro. Não houve divergência, algo muito comum em colegiados.
Ao discursar no lançamento de sua candidatura à Presidência, nesta quinta-feira, em São Paulo, Lula disse que o consenso foi proposital e tinha por objetivo impedir a apresentação de recurso que pudesse modificar a decisão.
— Construíram um cartel para dar uma sentença unânime — reclamou.
Como votaram os desembargadores
O relator considerou o petista culpado pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro, aplicando pena de 12 anos e um mês de prisão, punição superior à aplicada por Sergio Moro. Também impôs multa de R$ 1,3 milhão. Leia mais
Há provas acima de razoáveis de que o ex-presidente foi um dos articuladores, se não o principal, de um amplo esquema de corrupção.
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Presidente da turma revisor da apelação, o desembargador seguiu integralmente o voto do relator. Para Paulsen, não restou dúvida de que Lula foi "beneficiário indireto da propina do triplex". Leia mais
Tudo que poderia ter sido feito para ter um julgamento digno e justo, foi feito pela 13ª Vara Federal de Curitiba e por esta Turma.
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Victor Luiz dos Santos Laus
Terceiro desembargador a votar, Laus acompanhou os colegas e fechou a unanimidade pela condenação de Lula. Leia mais
A ampla maioria dos depoimentos foi convergente. Como se fosse um muro, cada um deles foi acrescentando um tijolo.
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Próximos passos
Revisão dos votos
Terminado o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cada desembargador revisa seu voto antes de remetê-lo à publicação. Em média, isso demora dois dias.
Publicação do acórdão
Com os três votos revisados e publicados, o relator do processo, João Pedro Gebran Neto, redige o acordão (a decisão do julgamento). A estimativa no Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) é de que o documento seja publicado no final da próxima semana.
Embargos de declaração
Após a publicação do acórdão, a defesa tem dois dias para ingressar com os embargos de declaração (servem para o relator esclarecer eventual contradição, ambiguidade ou algum trecho obscuro da decisão). Em média, são julgados no prazo de um a dois meses.
Execução de pena
Terminada a análise dos embargos, termina a tramitação do processo no TRF4, o que permite ao tribunal determinar a execução provisória da pena. Com isso, caberá ao juiz Sergio Moro expedir ordem de prisão contra Lula.