A última semana de trabalho do Judiciário em 2017 foi indulgente com os alvos da Operação Lava-Jato. Pelo menos 11 investigados foram beneficiados com decisões polêmicas e irão passar o Natal sem maiores preocupações.
No Supremo Tribunal Federal (STF), quatro parlamentares livraram-se de responder ação penal, um governador teve o inquérito suspenso e três presos ganharam liberdade.
A maior parte das benesses teve participação decisiva do ministro Gilmar Mendes, crítico contumaz da atuação do Ministério Público Federal (MPF) nas apurações envolvendo políticos.
Em medidas monocráticas (individuais), ele ordenou a soltura da mulher do ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB), Adriana Ancelmo, de dois empresários envolvidos no mesmo esquema criminoso, do também ex-governador Anthony Garotinho (PR-RJ) e do presidente do PR, Antônio Carlos Rodrigues.
O ministro também suspendeu inquérito contra o governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), que tramitava no Superior Tribunal de Justiça (STJ), e proibiu o cumprimento de mandados de condução coercitiva nas ocasiões em que o investigado não tenha sido convocado previamente a depor.
As decisões de Gilmar geraram indignação na força-tarefa da Lava-Jato. Coordenador do núcleo de investigações, o procurador Deltan Dallagnol disse que o ministro “mina as bases da Lava-Jato e pavimenta o caminho para a anulação de provas”.
Gilmar impôs a todas as investigações do país sua visão como a única admissível.
DELTAN DALLAGNOL
Procurador da República
Reclamou especialmente da restrição às conduções coercitivas, instrumento usado 222 vezes nos quase quatro anos da operação. A ação para limitar as conduções foi ajuizada pelo PT em abril de 2016, um mês depois de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ser levado para depor.
– Gilmar impôs a todas as investigações do país sua visão como a única admissível. Nas entrelinhas, chama milhares de juízes, delegados e promotores de abusadores – disparou Dallagnol.
Houve também desconforto na cúpula do Judiciário. Em conversas reservadas, colegas de Corte e ministros de outros tribunais superiores não escondem o incômodo com a desenvoltura de Gilmar em atacar a Procuradoria-Geral da República (PGR), criticar a Lava-Jato e, sobretudo, tirar da prisão personagens emblemáticos do esquema criminoso, como já ocorreu com os empresários Eike Batista e Jacob Barata Filho.
Chamado de “Rei do Ônibus” e suspeito de ser o principal financiador das propinas pagas a Cabral, Barata Filho já recebeu três habeas corpus sucessivos de Gilmar. A relação entre os dois – o ministro é padrinho de casamento da filha do empresário – motivou pedido de suspeição no STF, mas até agora o caso não foi apreciado.
– Há um sentimento de perplexidade. A ação do ministro Gilmar está virando motivo de chacota. E isso não é bom para o Supremo – comenta um ex-ministro da Corte.
Denúncia em turma desfalcada
Apesar da proeminência, Gilmar não atuou sozinho na concessão dos benefícios pré-natalinos. Em dobradinha com o ministro Dias Toffoli, derrotou o relator da Lava-Jato, Edson Fachin, por dois votos a um, em três julgamentos da 2ª Turma, rejeitando denúncias apresentadas pela PGR. Como a composição da turma estava desfalcada pelas ausências dos ministros Ricardo Lewandowski e Celso de Mello, Fachin pediu para adiar as sessões, mas acabou vencido.
Em um dos casos, a PGR pedia a abertura de ação penal contra o deputado federal Eduardo da Fonte (PP-PE), acusado de intermediar propina de R$ 10 milhões de empreiteiras investigadas na CPI da Petrobras para o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), que morreu em 2014. O recebimento da denúncia começou a ser julgado em novembro de 2016, com voto favorável do então relator Teori Zavascki. Toffoli, que na ocasião pediu vista, devolveu o processo à turma somente um ano depois, às vésperas do recesso judicial.
Nos outros dois julgamentos, contra o senador Benedito de Lira (PP-AL) e os deputados federais Arthur Lira (PP-AL) e José Guimarães (PT-CE), Toffoli também havia pedido vista e, novamente, votou pelo arquivamento, sendo acompanhado por Gilmar. As acusações contra os parlamentares tinham por base informações e documentos apresentados na delação premiada do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa.
Presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho Cavalcanti vê a série de decisões no apagar das luzes de 2017 como reação de um flanco do STF:
– Perder julgamento colegiado, mesmo que não estejam todos os ministros, faz parte. O regimento do STF permite e ainda cabe recurso da PGR. Contudo, vemos movimento consistente, mais do que identificado, de reação de uma ala do Supremo aos mecanismos usados pela Lava-Jato. Isso é preocupante.
Decisões pré-natalinas
Adriana Ancelmo
- Com condenações que somam 26 anos de prisão, a mulher do ex-governador Sérgio Cabral (PMDB-RJ) obteve habeas corpus concedido pelo ministro Gilmar Mendes e deixou a cadeia para cumprir prisão domiciliar, no Rio.
Antônio Carlos Rodrigues
- O presidente do PR foi beneficiado pelo mesmo habeas corpus que tirou Garotinho da cadeia. Ex-ministro dos Transportes, Rodrigues chegou a estar foragido e, antes de se entregar, disse que não iria se submeter às “humilhações do cárcere.”
Beto Richa
- Investigado por suspeita de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e caixa 2, o governador do Paraná teve o inquérito suspenso por Gilmar Mendes. O ministro disse que a investigação não tem justa causa e “coloca em risco o sistema político”.
Anthony Garotinho
- Como presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes determinou a soltura do ex-governador do Rio, atualmente filiado ao PR, suspeito de corrupção, concussão (vantagem indevida), participação em organização criminosa e falsidade na prestação das contas eleitorais.
Benetido de Lira e Arthur Lira
- Também por dois a um, a 2ª Turma do STF rejeitou denúncia contra o senador, Benetido, e o filho deputado federal, Arthur (ambos PP-AL), na qual os dois eram acusados de ter recebido R$ 1,5 milhão em suborno para apoiar a manutenção de Paulo Roberto Costa na diretoria de Abastecimento da Petrobras.
Eduardo da Fonte
- Gilmar Mendes e Dias Toffoli venceram Edson Fachin na 2ª Turma do STF ao votar pelo arquivamento da acusação contra o deputado federal do PP de Pernambuco. Ele teria intermediado e participado, em 2009, de reunião na qual o então senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), que morreu em 2014, teria solicitado R$ 10 milhões para barrar a CPI da Petrobras.
Gustavo Estellita e Miguel Iskin
- Acusados de pagar propina no esquema criminoso montado pelo ex-governador do Rio Sérgio Cabral (PMDB-RJ), os empresários foram soltos pelo ministro Gilmar Mendes. Presos desde abril, eles são réus por corrupção, organização criminosa e lavagem de ativos.
José Guimarães
- Por dois votos a um, a 2ª Turma do STF rejeitou denúncia contra o deputado federal petista, acusado por suspostamente ter recibo R$ 97,7 mil em propina. O entendimento do ministro Edson Fachin foi vencido pelos votos a favor do réu, dos ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes.
Lucio Funaro
- O acordo de delação previa dois anos de prisão em regime fechado, mas o período foi encurtado em seis meses. Na terça-feira, Funaro obteve permissão da 10ª Vara Federal de Brasília para cumprir o resto da sanção (mais seis anos) em sua fazenda no interior de São Paulo.
Restrição das conduções coercitivas
- Em decisão liminar, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes proibiu a polícia de cumprir mandado de condução coercitiva sem que o alvo tenha sido convocado para prestar depoimento. A decisão atende a pedidos do PT e da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).