Após entrar em uma polêmica ao fazer alusão ao trabalho escravo para solicitar o acúmulo da aposentadoria como desembargadora e do salário de ministra dos Direitos Humanos (o valor chegaria a R$ 61 mil por mês), Luislinda Valois afirmou, em entrevista ao programa Timeline na manhã desta quinta-feira (2), que tem "o direito de peticionar". Ela defendeu que pode solicitar um salário correspondente à função que exerce no governo Temer e que tem contas a pagar.
A entrevista foi concedida aos jornalistas David Coimbra, Luciano Potter e Kelly Matos, com produção de Tiago Boff. Hoje, Luislinda recebe o teto permitido pela Constituição: R$ 33,7 mil. Do valor, R$ 30.471,10 são referentes à aposentadoria por ter atuado como desembargadora e R$ 3.292 são por atuar como ministra. O jornal O Estado de S. Paulo apontou, nesta quinta, que ela entrou com uma petição de 207 páginas solicitando receber integralmente também o salário de ministra.
Na ação, Luislinda defendeu que o salário reduzido como ministra, "sem sombra de dúvidas, se assemelha ao trabalho escravo, o que também é rejeitado, peremptoriamente, pela legislação brasileira desde os idos de 1888 com a Lei da Abolição da Escravatura". Diante da repercussão do tema, no entanto, a ministra desistiu da petição na tarde desta quinta-feira.
Ouça a entrevista:
— É meu direito peticionar (fazer uma petição). Recebo aposentadoria porque trabalhei mais de 50 anos e paguei todas as minhas obrigações previdenciárias. Isso não se discute porque é direito adquirido. Moro em Brasília, trabalho de 12 a 14 horas por dia, de segunda a segunda, e recebo um salário (de ministra) de menos de R$ 3 mil. O Brasil está sendo justo comigo? Citei a escravidão porque (na época) não se tinha salário nem nada. Fiz alusão a um fato histórico — defendeu a ministra.
Confrontada sobre as críticas por mencionar o trabalho escravo apesar de receber o salário mais alto permitido por lei, Luislinda afirmou que tem contas a pagar e que quer "ter uma vida um pouco mais digna" e "um salário mais justo" pela função de ministra.
— Como vou comer, beber e calçar? Só no meu IPTU em Brasília pago mais de R$ 1 mil. E tenho meu apartamento em Salvador, que pago uma pessoa para cuidar. Sou aposentada, poderia me vestir de qualquer jeito e sair de chinelo na rua, mas, como ministra de Estado, não me permito andar dessa forma. Tenho o direito de peticionar, a autoridade vai decidir e eu vou acolher (a decisão). É algum pecado fazer analogia (à escravidão)? Não acho que errei — disse.
A petição polêmica
A ministra dos Direitos Humanos apresentou ao governo federal uma petição de 207 páginas em que solicita a possibilidade de acumular o seu salário com o de desembargadora aposentada, valores que, somados, chegariam ao vencimento bruto de R$ 61,4 mil. No documento, ela se queixa do teto constitucional do funcionalismo público, que limita seus vencimentos totais a R$ 33,7 mil.
Confira a seguir trechos do documento apresentado pela ministra, e os argumentos apresentados por ela:
"O trabalho executado sem a correspondente contrapartida, a que se denomina remuneração, sem sombra de dúvidas, se assemelha a trabalho escravo, o que também é rejeitado, peremptoriamente, pela legislação brasileira desde os idos de 1888 com a lei da Abolição da Escravatura, aliás, norma que recebeu o nº 3533."
"Por oportuno, vale mencionar também que o trabalho igual prestado por cidadãos ao mesmo empregador com remuneração diferenciada muito se distancia do tão cantado e decantado princípio da igualdade, no seu sentido mais amplo que for possível se lhe dar."
"Antes de concluir, trago à baila a motivação de que ao criar o teto remuneratório não se pretendeu, obviamente, desmerecer ou apequenar o trabalho daquele que, por direito adquirido, já percebia, legalmente, os proventos como sói a acontecer na minha situação."
Abre aspas
Leia as principais declarações da ministra sobre o tema:
Moro em Brasília, trabalho de segunda a segunda, mais de 12 horas por dia, e recebo um salário (de ministra) de menos de R$ 3 mil. O Brasil está sendo justo comigo? Por que não se remunerar o trabalho?
É meu direito peticionar. Recebo aposentadoria, por lei, porque trabalhei mais de 50 anos pagando todas as minhas obrigações previdenciárias rigorosamente em dia. Isso não se discute porque é direito adquirido, é direito constitucional.
Tenho o mesmo título dos demais ministros, mas sou a ministra que ganha menos. Como ministra, esse mês eu acho que eu vou receber R$ 2,7 mil. É justo?
Como vou comer, beber e calçar? Só no meu IPTU em Brasília pago mais de R$ 1 mil. (...) E tenho meu apartamento em Salvador, que pago uma pessoa para cuidar.
Eu fiz uma alusão, uma simbologia (ao trabalho escravo), porque todo trabalho que se executa e que não tem a respectiva remuneração, ele não é correto, ele não é um trabalho legal.
Eu apenas citei, porque é um fato público e notório, todo mundo sabe como foi que aconteceu a escravidão. Não se tinha salário, não se tinha comida, não se tinha nada. Eu fiz uma alusão a um fato histórico.
É algum pecado se fazer alguma analogia (à escravidão)? Eu acho que eu não pequei, eu acho que eu não errei. Por favor, gente, não me crucifiquem por isso.
Eu, como aposentada, eu podia vestir qualquer roupa. Eu podia calçar uma sandália Havaianas e sair pela rua. Mas, como ministra de Estado, eu não me permito andar dessa forma. Eu tenho uma representatividade.
Como ministra de Estado, não posso fazer isso. Eu tenho uma representatividade. Não de luxo, mas de pelo menos me apresentar trajada dignamente. É cabelo, é maquiagem, é perfume, é roupa, é sapato, é alimentação. Porque, se eu não me alimentar, eu vou adoecer e, aí, vou dar trabalho para o Estado. É tudo isso que tem que ter.
Antes de ser ministra eu sou brasileira, eu sou cidadã, eu voto, eu pago imposto, eu sou sujeita a doenças, eu sou sujeita a morrer, como todos nós. Então, por que essa celeuma?
Eu acho que é um direito que eu tenho, porque eu estou trabalhando. Eu não estou pretendendo amealhar, até porque eu não sou 'dinheirista'. Agora eu quero os meios para ter uma sobrevida um pouco mais digna, um pouco melhor, a remuneração pelo meu trabalho atualmente.