Conturbada desde o início das negociações para a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal, a relação entre integrantes da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) e técnicos da Secretaria Estadual da Fazenda (Sefaz) piorou a partir do dia 31 de julho. A situação só começou a mudar na última semana, quando, por determinação do Palácio do Planalto, a Advocacia-Geral da União (AGU) assumiu o papel de mediadora para viabilizar a adesão do Estado ao regime de recuperação fiscal.
No dia 31 de julho, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) ingressou com medida cautelar no Supremo Tribunal Federal (STF) para suspender o pagamento da dívida com a União. Segundo a PGE, a medida foi necessária devido à degeneração das finanças estaduais, apesar dos esforços de contenção de gastos, e ao "risco concreto de efeitos irreparáveis à prestação dos serviços essenciais". Embora o governo do Rio de Janeiro tenha feito o mesmo em 2016, a decisão foi encarada como uma afronta pela STN e azedou a interlocução que já vinha mal.
O clima se complicou ainda mais a partir do dia 2 de agosto, quando o ministro Marco Aurélio Melo concedeu liminar favorável ao Estado, autorizando não apenas a suspensão da dívida como proibindo o governo federal de aplicar qualquer sanção. Resumindo, Marco Aurélio antecipou um dos benefícios previstos no regime de recuperação por entender que o Estado estava prestes a firmar acordo com o Ministério da Fazenda.
Dias depois, a AGU fez um pedido de reconsideração ao STF – que ainda não foi apreciado no pleno –, com base no argumento da STN de que a adesão do Estado estaria longe de ocorrer. No texto, foram citados dados repassados pelos técnicos gaúchos durante as tratativas, o que causou desconforto.
– A partir dali, se criou uma parede. Não houve mais troca de informações – relata uma fonte próxima a Sartori.
Sem saída, o Piratini decidiu prosseguir a elaboração do plano por conta própria, de forma unilateral. No início de setembro, estava decidido que Sartori iria a Brasília até o fim do mês para entregar o documento, mesmo sem o amparo da STN – e correndo o risco de levar um "não" como resposta. A situação mudou depois de uma reunião com o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, no último dia 13. Desde então, a AGU entrou em campo para destravar o acordo e ajudar Estado e STN a chegarem ao consenso.
O que é o regime de recuperação fiscal
- É uma alternativa criada pelo governo federal para socorrer Estados em calamidade financeira, como RS e RJ, em troca de uma série de contrapartidas.
- Os Estados podem solicitar adesão e, a partir daí, firmar acordos com a União com a duração de três anos, prorrogáveis por mais três.
- Os benefícios incluem carência no pagamento da dívida pelo período de adesão e autorização para novos financiamentos com o objetivo de reequilibrar as contas.
Como funciona a adesão
- O Estado interessado deve apresentar um plano de recuperação fiscal, que será avaliado no Ministério da Fazenda.
- No documento, deve listar em detalhes todas as medidas que se compromete a adotar para zerar pendências e atingir o equilíbrio fiscal no prazo definido.
- Se os técnicos entenderem que o plano é realista, o Estado poderá aderir, mas isso terá de ser aprovado na Assembleia.
Principais contrapartidas exigidas pela União
- Privatização de empresas dos setores financeiro, de energia e de saneamento, entre outros, para a quitação de passivos.
- Oferta de ativos como garantia para a obtenção de novos financiamentos, no dobro do valor solicitado.
- Congelamento de salários de servidores e proibição de contratação de novos funcionários.
O que o governo do RS busca
- Carência no pagamento da dívida por pelo menos três anos (fôlego de R$ 9,5 bilhões), e aval para um financiamento de R$ 3 bilhões.
Os pontos polêmicos
- Ao final do período de carência da dívida, os valores não pagos elevarão o passivo em R$ 10,5 bilhões (R$ 1 bilhão em juro e correção).
- A obtenção de novo financiamento aumentará a dívida com instituições financeiras.
- Para os críticos, o acordo é insuficiente para solucionar a crise e as contrapartidas são excessivas. O governo argumenta que não há alternativa.
O plano de recuperação do RS
Em fase de finalização, o plano deve ser entregue pelo governador José Ivo Sartori ao Ministério da Fazenda na próxima semana. Confira os principais pontos em debate:
1) Prorrogação do aumento de ICMS
- Em 2015, o governo aprovou na Assembleia o aumento de alíquotas do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) com vigência até 2018.
- Se as alíquotas voltarem ao patamar de 2015, o governo diz que não será possível reequilibrar as contas até 2020, por isso avalia pedir a prorrogação, que terá de passar pela Assembleia.
2) Privatizações ou federalizações
O governo estuda propor a alienação de pelo menos seis estatais:
- Com necessidade de plebiscito: Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE), Companhia Riograndense de Mineração (CRM) e Sulgás.
O governo tentou aprovar proposta para vender essas empresas sem a necessidade de consulta pública. Não conseguiu. Como alternativa, decidiu pedir aval dos deputados para fazer plebiscito em 2018, mas, até agora, não teve êxito por falta de apoio. Agora, estuda a possibilidade de reapresentar a proposta inicial.
- Sem necessidade de plebiscito: Empresa Gaúcha de Rodovias (EGR), Badesul e a parte do Estado no Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE).
Para poder alienar esses órgãos, o governo terá de aprovar projetos de lei na Assembleia. No caso do BRDE, a parte do Estado poderá ser oferecida a Paraná e Santa Catarina ou ser federalizada, com a anuência dos parceiros. Quanto à EGR, o governo pode extinguir o órgão para oferecer a concessão das rodovias pedagiadas como ativo.
3) Custeio da máquina
- O plano vai prever o congelamento dos salários dos servidores públicos estaduais pelo menos até 2020.
- Não serão criados cargos ou funções nem haverá alteração de planos de carreira que resultem em aumento de despesa nesse período.
- Contratações serão congeladas, exceto para a reposição de aposentadorias em áreas essenciais, como saúde, segurança e educação.
4) Isenções fiscais e depósitos judiciais
- O plano deve prever a redução de 10% dos incentivos fiscais concedidos pelo Estado e o fim dos saques dos depósitos judiciais (recursos de pessoas e empresas em litígio na Justiça, que o Estado "pega emprestado" desde 2004 para cobrir buracos nas contas).
5) Maior rigor sobre pensões
- O Estado incluirá no plano o compromisso de adequar os critérios de concessão de pensões à lei federal nº 13.135, de 2015. Isso se dará via projeto a ser enviado à Assembleia.
- Uma das mudanças é o fim das pensões vitalícias para cônjuges com idade inferior a 44 anos. Outra é a necessidade de comprovação, pelos pensionistas, de pelo menos de dois anos de união estável para ter o benefício em caso de morte do titular.