Nada mais simbólico para o destino de Antonio Palocci do que a postura corporal adotada pelo ex-ministro no fatídico depoimento prestado à Justiça Federal de Curitiba em 6 de setembro.
Sentado no banco dos réus, ficou de frente para o juiz Sergio Moro enquanto atribuía ao ex-presidente Lula crimes que nenhum outro petista de seu porte jamais ousara revelar. Quando inquirido pelo advogado de Lula, não mudou a posição da cadeira, respondendo sem mirar nos olhos do interlocutor. Ali, Palocci dava definitivamente as costas ao PT.
Na última terça-feira, o ex-homem forte dos governo Lula e Dilma enviou ao partido uma carta de desfiliação e, numa autocrítica lancinante, questiona: "afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?". Confira abaixo a trajetória do mais influente ministro dos governos petistas.
A formação política
Caçula entre os quatro filhos do artista plástico Antonio Palocci e da costureira Antônia de Castro, conhecida como Dona Toninha Palocci, o ex-ministro nasceu em Ribeirão Preto (SP) em 4 de outubro de 1960.
Ativista católica, Toninha militou na organização trotskista Convergência Socialista. Por influência da mãe, Palocci acabou ingressando no movimento estudantil e logo aderiu ao Liberdade e Luta (Libelu), grupo de oposição ao regime militar.
A desenvoltura na Libelu lhe catapultou ao posto de presidente do centro acadêmico da Faculdade de Medicina da USP em Ribeirão Preto. Foi fundador do PT em 1980, elegendo-se vereador oito anos depois.
O primeiro escândalo
Palocci ficaria apenas dois anos na Câmara de Vereadores. Em 1990, elegeu-se deputado estadual, cargo que abandonou para assumir a prefeitura de Ribeirão Preto em 1993, no único mandato que concluiu.
Em 1998, já presidente do PT de São Paulo, conquistou uma cadeira na Câmara dos Deputados, mas voltou à prefeitura em 2000. Durante a campanha, conduzida pelo publicitário Duda Mendonça, adotou um tom moderado, substituindo o vermelho do PT por tons de azul.
No primeiro ano de governo, envolveu-se no primeiro escândalo: uma licitação para merenda escolar previa a compra de latasde "molho de tomate refogado e peneirado, com ervilhas".
Empresários reclamaram de direcionamento, pois havia um único fabricante do produto no país, uma fábrica instalada no Rio Grande de Sul. O caso acabaria arquivado pelo STF em 2003.
O coordenador de campanha
Sem jamais ter perdido uma eleição, Palocci fazia de Ribeirão Preto sua vitrina. Considerado um administrador moderno, abriu o capital da companhia telefônica municipal, ganhou prêmios no Exterior e foi chamado para ajudar no plano de governo do PT para a eleição de 2002.
Em janeiro daquele ano, contudo, o assassinato do coordenador da campanha, o prefeito de Santo André, Celso Daniel, fez com que o PT escolhesse Palocci para o posto. Conquistou a confiança de Lula e passou a dialogar com empresários e banqueiros, diminuindo a resistência ao candidato em setores historicamente hostis ao petista.
Seu maior êxito foi a concepção da Carta ao Povo Brasileiro, na qual Lula se comprometia a manter a política econômica de Fernando Henrique Cardoso, com atenção ao ajuste fiscal.
O ministro da Fazenda
Com a vitória de Lula, Palocci foi designado para chefiar a equipe de transição de governo. Na função, se aproximou de técnicos do governo FHC, convidando vários para permanecer na função durante o governo petista. Se aproximou ainda mais do mercado, atuando como fiador de Lula.
A desenvoltura e a confiança obtida junto à elite econômica do país fez dele o favorito para assumir o Ministério da Fazenda. Foi o primeiro integrante do novo governo a ser anunciado por Lula, durante visita do petista ao então presidente dos EUA, George W. Bush, em Washington.
A escolha foi festejada pelo mercado e Palocci logo começou a rivalizar com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, pela proeminência no Planalto. No comando da economia, conduziu um rígido ajuste fiscal que reduziu a inflação de 17% em 2003 para 3% em 2006.
A primeira queda
Com o escândalo do mensalão, José Dirceu deixou o governo e Palocci cresceu ainda mais na hierarquia petista, sendo considerado favorito para suceder Lula na eleição de 2010.
Ainda em 2006, porém, caiu em desgraça ao ser acusado de frequentar a "mansão do lobby", uma casa onde empresários faziam acordos e celebravam festas com garotas de programa em Brasília.
Acabou pedindo demissão após a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, seu algoz no escândalo. Em entrevista ao Estado de S. Paulo, Francenildo disse ter visto Palocci várias vezes na mansão.
Um diz após o caseiro depor à CPI do Bingos, a revista Época divulgou um extrato bancário de Francenildo, sugerindo que ele havia sido pago para incriminar o ministro. Pressionado por supostamente ter vazado o extrato, Palocci se viu obrigado a pedir demissão.
O retorno à planície
Apesar da queda, Palocci se elegeu deputado federal em 2006. No Congresso, era um dos parlamentares mais influentes. Mesmo mantendo postura discreta, fazia a articulação política para o governo e era chamado ao Planalto para opinar em quase todos os temas importantes, da economia à infraestrutura.
Em 2009, teve o nome sugerido como alternativa para concorrer ao governo de São Paulo no ano seguinte ou até mesmo para substituir Dilma Rousseff como candidato do PT à Presidência. Nesse período, montou uma empresa de consultoria, a Projeto.
A volta por cima
A pedido de Lula, Palocci não tentou se reeleger deputado. O presidente tinha uma missão mais importante para ele: coordenar a campanha de Dilma à Presidência. Mais uma vez, atuou como fiador do PT junto ao mercado, incorporando o papel de arrecadador de recursos para a eleição.
Também cuidava da agenda da candidata, que o consultava para quase todos os assuntos. A vitória de Dilma o levou de volta ao Palácio do Planalto, desta vez como chefe da Casa Civil. Logo se tornaria uma espécie de primeiro-ministro, sendo responsável pela relação com o Congresso e pelas cobranças aos colegas de Esplanada.
Chamado de eminência parda, entrava no gabinete presidencial sem bater à porta, não dava entrevistas e circulava em carros oficiais sem placas que o identificavam como autoridade.
A segunda queda
A supremacia de Palocci duraria apenas seis meses. Em junho de 2011, reportagem da Folha de S. Paulo revelou que seu patrimônio havia crescido 20 vezes entre 2006 e 2010. Somente no período em que chefiou a campanha de Dilma, sua empresa de consultoria faturou R$ 20 milhões.
De acordo com o jornal, antes de assumir a Casa Civil o petista comprou dois imóveis em São Paulo, sendo um deles um apartamento avaliado em mais de R$ 6 milhões. Acusado de fazer tráfico de influência nos anos em que estivera fora do governo, se negou a revelar os nomes dos clientes e pediu demissão.
Sem cargo e sem mandato, reclamava ter sido abandonado pelo partido.
A prisão na Lava-Jato
Na última terça-feira (26), Palocci completou um ano de cadeia. Ele foi preso em 26 de setembro de 2016, na 35ª fase da Lava-Jato. Levado a Curitiba com dois assessores também detidos, teve ainda bloqueados R$ 61,7 milhões de suas contas bancárias.
O ex-ministro era investigado por supostamente ter recebido R$ 2 milhões na campanha de Dilma em 2010. Ele seria condenado pelo juiz Sergio Moro em junho deste ano.
O magistrado o sentenciou a 12 anos, 2 meses e 20 dias de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro em processo por favorecimento à Odebrecht em contratos de aluguel de sondas à Petrobras.
Ele ainda responde a pelo menos dois inquéritos no Supremo Tribunal Federal.
A delação
Para surpresa dos demais petistas presos em Curitiba, Palocci jamais foi levado ao Complexo Médico-Penal de Pinhais, onde está a maioria dos réus e condenados da Lava-Jato. Há um ano o ex-ministro segue na carceragem da Polícia Federal, onde as condições carcerárias são melhores.
A situação alertou para uma possível delação do ex-ministro. Palocci chegou a insinuar uma colaboração, mas Moro interpretou seu gesto como intimidação.
Ao condenar o petista, o juiz disse que suas declarações "soaram mais como uma ameaça para que terceiros o auxiliem indevidamente para a revogação da prisão preventiva, do que propriamente como uma declaração sincera de que pretendia colaborar com a Justiça".
Palocci então trocou de advogado e começou a preparar uma delação.
Ao depor novamente a Moro em outra ação penal em que é réu ao lado de Lula, incriminou o ex-chefe ao dizer que o petista recebia propina e tinha um "pacto de sangue" com a Odebrecht.