Quinze anos após a chegada do PT à Presidência em 2002, quase todos os mandarins do partido sucumbiram à Justiça. Muitos foram presos, alguns condenados mais de uma vez, mas jamais alguém ousou confessar os crimes praticados em nome de um projeto que visava à manutenção do poder em detrimento dos princípios éticos que nortearam a fundação da legenda. Coube a Antonio Palocci, o mais poderoso e influente ministro dos governos Lula e Dilma, abrir o baú da corrupção petista em troca de uma tornozeleira eletrônica.
Diferente dos principais alvos do mensalão e da Lava-Jato, Palocci não aceitou a cadeia com resignação e obediência ao código de silêncio imposto pelo partido. Preso em Curitiba desde setembro de 2016 e sentenciado a 12 anos de prisão, ele sentou-se diante do juiz Sergio Moro na quarta-feira e desfiou um cipoal de falcatruas supostamente cometidas pelos dois presidentes da era PT.
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- A denúncia procede, os fatos são verdadeiros. Eu diria apenas que os fatos desta denúncia dizem respeito a um capítulo de um livro um pouco maior do relacionamento da Odebrecht com o governo do ex-presidente Lula e da ex-presidente Dilma, que foi uma relação bastante intensa, bastante movida a vantagens, a propinas pagas pela Odebrecht para agentes públicos, em forma de doação de campanha, de benefícios pessoais, em forma de caixa 1 e caixa 2 - disse Palocci já no início do depoimento.
Tamanha eloquência surpreendeu até mesmo os procuradores da República que acompanhavam o interrogatório. Embora estivessem negociando um acordo de delação premiada com o ex-ministro, eles não esperam um jorro de inconfidências justo sobre os presidentes a quem Palocci servira com discrição e lealdade. Dilma o chamou de canalha e Lula de mentiroso.
Até 2002, Palocci era apenas um quadro promissor do partido. Prefeito de Ribeirão Preto (SP), ganhara prêmios e fama por fazer uma administração moderna. Sua ascensão se deu após a morte do prefeito de Campinas (SP), Celso Daniel, então coordenador da campanha presidencial de Lula. Para seu lugar, Lula escolheu Palocci. Médico sanitarista e ex-militante do movimento trotskista Liberdade e Luta (Libelu), Palocci era um pragmático. Logo trocaria os companheiros revolucionários por uma tendência menos radical do PT, elegendo-se elegeu vereador, deputado estadual e prefeito.
À frente da campanha de Lula, forçou uma guinada ao centro, aproximando-se de banqueiros e empresários, e ditou a redação da Carta ao Povo Brasileiro, usada para acalmar o mercado diante da eminente vitória do petista.
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Eleito, Lula anunciou Palocci ministro da Fazenda. A escolha foi festejada pela elite empresarial e Palocci logo começou a rivalizar com Dirceu pela proeminência junto ao presidente. No comando da economia, conduziu um rígido ajuste fiscal que reduziu a inflação de 17% em 2003 para 3% em 2006. Neste ano, caiu em desgraça ao ser acusado de frequentar a "mansão do lobby", uma casa onde empresários faziam acordos e celebravam festas com garotas de programa em Brasília. Acabou pedindo demissão após a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa, seu algoz no escândalo. Até então, Palocci era o favorito para suceder Lula como candidato petista em 2010.
Defenestrado, Palocci submergiu, mas jamais perdeu a influência no Planalto. Era chamado com frequência ao gabinete de Lula para opinar sobre medidas econômicas e articulações políticas. Na eleição de 2010, foi escalado pelo presidente para coordenar a campanha de Dilma. Arrecadou recursos e mais uma vez atuou como avalista junto ao mercado diante das desconfianças que pairavam sobre a candidata.
Nomeado chefe da Casa Civil, Palocci se tornou eminência-parda. Discreto a ponto de dispensar as placas oficiais nos sedans pretos em que circulava por Brasília, não se intimidava ao cobrar com veemência os colegas de Esplanada. Após reuniões diárias com Dilma, distribuía tarefas e exigia resultados.
– Os ministros têm medo, pois sabem que ele está ligando para cobrar algo. E quando o Palocci fala, é a mando da Dilma. Eles governam juntos – resumiu à época um assessor ministerial.
Numa das brigas mais ruidosas, pediu a demissão da então presidente da Caixa Econômica Federal, Maria Fernanda Coelho, que se recusava a nomear um indicado do PMDB. O postulante era Geddel Vieira Lima, preso sexta-feira sob suspeita de manter R$ 51 milhões em um apartamento. Maria Fernanda caiu e Geddel foi empossado vice-presidente jurídico.
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Contudo, de novo Palocci seria abatido. Com apenas seis meses no cargo, pediu demissão após a revelação de que seu patrimônio havia crescido 20 vezes entre 2006 e 2010. Somente no período em que chefiou a campanha de Dilma, sua empresa de consultoria faturou R$ 20 milhões. Fora do governo, reclamava ter sido abandonado pelo partido. Quando foi preso, grão-petistas que sempre o viram com desconfiança se apavoraram. Durante uma reunião recente em Brasília, José Dirceu alertou que Palocci iria delatar.
- A gente estava (no complexo médico-penal) em Pinhais quando chegou a notícia da prisão dele. Ficamos esperando ele chegar. Como ele nunca chegou, tive certeza de que ele iria falar - disse o ex-ministro, aludindo a presença de Palocci na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.
CONFINADOS E CALADOS
Até o depoimento de Palocci, nenhum petista influente alvo do mensalão ou da Lava-Jato havia revelado os esquemas do partido.
José Dirceu
Chamado por Lula de seu "capitão do time", Dirceu foi considerado o chefe da quadrilha do mensalão. Condenado a sete anos e 11 meses de cadeia, ficou quase um ano preso. Jamais admitiu culpa ou delatou os companheiros. Foi preso novamente em agosto de 2015, por envolvimento na Lava-Jato. Condenado duas vezes a uma pena total de 32 anos, está solto desde maio.
José Genoino
Presidente do PT após a eleição de Lula em 2002, assinou os contratos fraudulentos de empréstimos que embasaram o mensalão. Condenado a quatro anos e oito meses, cumpriu pouco mais de um ano da pena. Confirmou ter repassado empréstimos ao PTB, mas jamais admitiu ter cometido crime.
Delúbio Soares
Tesoureiro do PT no escândalo do mensalão, era o interlocutor do partido junto ao empresário Marcos Valério. Condenado a seis anos e oito meses, foi expulso do PT em 2005 mas readmitido seis anos depois. Ficou preso apenas 10 meses e jamais admitiu a existência do mensalão, afirmando que o caso se tornaria "piada de salão". Na Lava-Jato, foi condenado a cinco anos.
Sílvio Pereira
Secretário-geral do PT em 2002, era o responsável pelas indicações ao governo Lula. Denunciado por formação de quadrilha, confessou ter recebido uma Land Rover de um fornecedor da Petrobras, mas jamais admitiu crime. Prestou serviços comunitários em troca da suspensão do processo e acabou preso em 2016 pela Lava-Jato, sendo solto cinco dias depois.
Paulo Ferreira
Sucessor de Delúbio na tesouraria do PT, Ferreira foi colocado no posto por José Dirceu, de quem é amigo fiel. Fez duas campanhas milionárias à Câmara, mas ficou apenas na suplência. Preso pela Lava-Jato em junho de 2016, foi solto em fevereiro. Admitiu ter praticado caixa 2, mas negou qualquer outro crime e não citou companheiros de partido. O processo contra Paulo Ferreira na Lava-Jato está pronto para ser julgado por Sérgio Moro.
João Vaccari
Tesoureiro do PT de 2010 a 2015, multiplicou a arrecadação do partido. Preso em abril de 2015 pela Lava-Jato, permanece confinado no complexo médico-penal em Pinhais, no Paraná. Foi condenado em cinco ações penais, somando 31 anos de cadeia, mas jamais admitiu os ilícitos ou entregou companheiros. Num dos processos, foi absolvido em segunda instância.