O depoimento ao juiz Sergio Moro em que acusou o ex-presidente Lula de ter um "pacto de sangue" com a Odebrecht e de receber dinheiro de propina não era tudo o que o ex-ministro Antonio Palocci tinha a dizer sobre o que viu e do que participou no governo.
Ministro da Fazenda e Lula, coordenador da campanha e chefe da Casa Civil de Dilma Rousseff, Palocci pediu desligamento do PT em uma carta demolidora para os dois antigos chefes e para o partido que ele ajudou a fundar.
O médico que Lula definiu como "frio e calculista" pelo depoimento a Moro escreveu uma carta de quatro páginas em que não deixa pedra sobre pedra.
"Somos um partido ou uma seita guiada por uma pretensa divindade?", pergunta Palocci em um dos trechos. Em outro, diz que foi um choque ter visto "Lula sucumbir ao pior da política no melhor dos momentos de seu governo".
Linha após linha, o ex-ministro desconstrói a imagem de Lula, de Dilma e do PT. Diz que as declarações dadas a Moro "são fatos absolutamente verdadeiros", situações que presenciou, acompanhou ou coordenou, "normalmente junto ou a pedido do ex-presidente Lula".
Em uma espécie de mea culpa, já que foi o coordenador da campanha de Dilma, Palocci diz que "foi um erro eleger e reeleger um mau governo, que destruiu cada conquista social e cada um dos avanços econômicos tão custosamente alcançados".
Noves fora os adjetivos, há acusações gravíssimas. Uma delas: que em uma reunião no Palácio do Alvorada, na presença de Dilma e do então presidente da Petrobras, José Sergio Gabrielli, Lula encomendou sondas e propinas.
O ex-ministro define esse momento como a "cena mais chocante que presenciei do desmonte moral da mais expressiva liderança popular que o país construiu em toda nossa história".
Palocci diz na carta frases que o Brasil se acostumou a ouvir dos adversários do PT: "Houve uma evolução e acúmulo de corrupções nos governos a partir do segundo mandato de Lula".
Em nota (confira a íntegra aqui), a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, a quem a carta é dirigida, disse que Palocci mente e que "já está fora do partido, política e moralmente".
"A forma desrespeitosa e caluniosa como se refere ao ex-presidente Lula demonstra sua fraqueza de caráter e o desespero de agradar seus inquisidores", diz Gleisi.
Trechos da carta de Palocci:
Sei dos erros e ilegalidades que cometi e assumi minhas responsabilidades. Mas não posso deixar de destacar o choque de ter visto Lula sucumbir ao pior da política, nos melhor dos momentos do seu governo
Até quando vamos fingir acreditar na autoproclamação do 'homem mais honesto do país' enquanto os presentes, os sítios, os apartamentos e até o prédio do Instituto (!!!) são atribuídos à Dona Marisa?
Afinal, somos um partido político sob a liderança de pessoas de carne e osso ou somos uma seita guiada por uma pretensa divindade?
Alguém já disse que quando a luta pelo poder se sobrepõe à luta pelas ideias, a corrupção prevalece. Nada importava, nem mesmo o erro de eleger e reeleger um mau governo (o de Dilma), que redobrou as apostas erradas, destruindo, uma a uma, cada conquista social e cada um dos avanços econômicos tão custosamente alcançados, sobrando poucas boas lembranças e desnudando toda uma rede de sustentação corrupta e alheia aos interesses do cidadão.
Nós, que nascemos diferentes, que fizemos diferente, que sonhamos diferente, acabamos por legar ao país algo tão igual ao pior dos costumes políticos.
Coordenei várias campanhas eleitorais, em vários níveis e pude acompanhar de perto a evolução de nosso poder e nossa deterioração moral. Assumo toda as minhas responsabilidades quanto a isso, mas lamento dizer que, nos acertos e nos erros, nos trabalhos honrados nos piores atos de ilicitudes nunca estive sozinho.
Enquanto os fatos me eram imputados e eu me mantive calado não se cogitava minha expulsão. (...) Agora que resolvo mudar minha linha de defesa e falar a verdade, me vejo diante de um tribunal inquisitorial dentro do próprio PT.
Depurar e rejuvenescer o partido será tarefa para nossos novos e jovens líderes. Minha geração talvez tenha errado mais do que acertado. Ela está esgotada. E é nossa obrigação abrir espaço a novas lideranças, reconhecendo nossas graves falhas e enfrentando a verdade. Sem isso, não haverá renovação.