Correção: Entre 21h39min de segunda-feira (22/5) e 18h30min de terça-feira (23/5), esta reportagem informou erroneamente que o mandado de segurança pedindo ao Supremo Tribunal Federal a cassação da homologação da delação da JBS havia sido protocolado pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). O autor do pedido foi o Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (Ibradd). A informação já foi corrigida.
Proprietário da JBS, Joesley Batista conseguiu preparar uma delação premiada que lhe garantiu a liberdade e pouco prejuízo levou a sua conta bancária. Após lançar denúncias que abalaram a República, ele agora está com a família longe do país.
Principal alvo, o presidente Michel Temer usou do sentimento de indignação compartilhado pela população em pronunciamento no sábado. Disse que Joesley cometeu o crime perfeito: não foi julgado, muito menos preso e "passeia solto" pelas ruas de Nova York. E o Instituto Brasileiro do Direito de Defesa (Ibradd) protocolou, nesta segunda-feira, no Supremo Tribunal Federal (STF), mandado de segurança pedindo o cancelamento da homologação da delação.
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O criminalista Aury Lopes Jr. concorda com o sentimento de impunidade difundido após a divulgação do acordo. Mas ressalta que, neste tipo de negociação, quanto maior a contribuição para a investigação, maior será o benefício concedido ao "dedo-duro":
– Juridicamente, o acordo está perfeito, uma vez que a lei permite que se reduza a pena ou se chegue até mesmo ao perdão judicial. A questão é o quanto estamos dispostos a pagar pela delação. As pessoas têm de analisar a qualidade da informação e o seu ineditismo, porque a delação é, sim, distribuição seletiva de impunidade. O grande choque foi a total impunidade neste caso. Foi um tapa na cara do brasileiro, que não está acostumado a esse tipo de negociação.
Entidade considera multa aplicada "insignificante"
No pré-acordo de delação, disponível no sistema eletrônico do STF, estabeleceu-se uma série de vantagens aos colaboradores, entre as quais, a anistia a denúncias que pudessem vir a ser apresentadas pela Procuradoria-
Geral da República (PGR), a inclusão no programa de proteção a testemunha e a permissão para que morem no Exterior. Foi fixada ainda multa – pelo que se tem notícia, de R$ 225 milhões.
Os termos do acordo definitivo ainda não vieram a público mas, segundo o jornal O Globo, a autorização para que a família resida fora do país teria sido excluída do documento final.
O IDDD, além de criticar a decisão do ministro Edson Fachin de homologar o acordo de forma monocrática em vez de levar a questão ao plenário da Corte, lembrou que a JBS teve faturamento de R$ 170 bilhões em 2016 e considerou "insignificante" a multa proposta.
Para o procurador Antônio Carlos Welter, integrante da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba, a aparente suavidade dos termos está diretamente relacionada ao impacto das denúncias feitas porJoesley. O empresário apresentou colaboração bomba – seu depoimento implicou diretamente Temer em crimes que, em tese, seguiam ocorrendo mesmo no curso das investigações.
– O Marcelo (Odebrecht), quando começou a conversar conosco, já tinha condenação e, naturalmente, o benefício teria de ser proporcional. Ele apresentou fatos graves, mas que haviam acontecido no passado. Desconheço o acordo (da delação da JBS), mas parece que foi considerado dizer respeito a um fato que ainda estava acontecendo, que seria o pagamento de vantagens ao (Eduardo) Cunha e ao próprio Temer.
A recenticidade do fato justifica esse benefício maior, sem contar a relevância das pessoas entregues – diz Welter.
Outro aspecto pesa a favor do empresário. Em estratégia sagaz, ele antecipou-se à eventual investida da Lava-Jato que poderia resultar em sua prisão. Antes que lhe apresentassem algemas, conseguiu sair sem sequer tornozeleira.
– Em acordo de delação ou leniência, quanto mais informações e linhas de investigação são abertas com ineditismo, maior é a premiação. Enquanto não compreender essa lógica, o senso comum não vai entender essa nova dinâmica. O modelo de punição clássico não se aplica – diz o criminalista Alexandre Wunderlich, um dos negociadores da delação de executivos da Odebrecht.
Negociação para leniência da empresa foi retomada
Em paralelo à delação dos irmãos Joesley e Wesley Batista e de mais cinco executivos da JBS, a J&F, controladora do frigorífico, negocia acordo de leniência com o Ministério Público Federal (MPF). Enquanto o primeiro é celebrado por pessoas físicas, para se verem livres de punições previstas no Código Penal, o segundo ocorre com empresas e se refere a infrações contra a ordem econômica.
As conversas foram retomadas nesta segunda-feira. Iniciadas em fevereiro, as negociações haviam sido interrompidas na sexta-feira em razão de impasse referente ao valor da multa a ser paga.
O MPF propôs R$ 11,169 bilhões em 10 anos (o equivalente a 5,8% do faturamento do grupo no ano passado), mas a J&F ofereceu R$ 1,4 bilhão. Após a recusa do MPF, a nova proposta de acordo deve incluir multa bem mais inflacionada, analisa o criminalista Lúcio de Constantino.
– As pessoas estão se assombrando muito com a leveza do acordo de delação premiada envolvendo uma empresa que tem bilhões de dólares. Foi modesto, considerando os valores que essa empresa possui. Mas, calma, porque outras ações, administrativas e cíveis, estão por vir, e são pesadas. Nesses casos, não se trabalha com compensação, como na multa imposta na delação, mas com o ressarcimento – explica Constantino.
Participação de ex-procurador levanta polêmica
O acordo de leniência da JBS também está envolto em polêmica. Ex-braço direito de Rodrigo Janot no grupo da Procuradoria-Geral da República (PGR) dedicado à Lava-Jato, Marcelo Miller passou a trabalhar no escritório que encaminha com a instituição os termos do acordo de leniência da J&F, complementar à delação. Em nota, a PGR esclareceu que Miller não participou das negociações para delação. No que diz respeito ao acordo de leniência, diz o texto, o ex-procurador envolveu-se somente na fase inicial de discussão e, depois, foi afastado.