O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, considerou uma "perda de paradigmas" a decisão do colega e ministro Luiz Fux que determina que a devolução do projeto anticorrupção à Câmara para análise da proposta a partir da estaca zero. Segundo ele, impor ao Congresso que aprove um texto sem fazer alterações é o mesmo que fechar o Legislativo.
– É um AI-5 do Judiciário – afirmou.
Para ele, o Supremo caminha para o "mundo da galhofa".
– Dizer que o Congresso tem que votar as propostas que foram apresentadas e só? Então é melhor fechar o Congresso logo e entregar as chaves. (…) Entrega a chave do Congresso ao (Deltan) Dallagnol (coordenador da força-tarefa da Lava-Jato). Isso aí é um AI-5 do Judiciário. Nós estamos fazendo o que os militares não tiveram condições de fazer. Eles foram mais reticentes em fechar o Congresso do que nós – afirmou Gilmar Mendes ao Estado.
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Ele sugeriu ainda que a "chave" do Congresso poderia ser entregue "ao Zveiter". O desembargador Luiz Zveiter foi impedido pelo STF nesta quarta-feira de assumir a presidência do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, após a Corte considerar inconstitucional regra que permitia a reeleição. O ministro Luiz Fux, que concedeu a liminar sobre o pacote anticorrupção, também é do Estado do Rio de Janeiro.
– Hoje (quarta-feira) decidimos que a eleição do Zveiter não valeu. De repente, ele é do Rio, vocacionado para bom gestor. De repente entrega a ele (a chave do Congresso) ou à Lava-Jato, que fez a proposta – afirmou Mendes.
O ministro foi um crítico da decisão de Marco Aurélio de Mello, derrubada pelo plenário do Supremo, que chegou a afastar, na semana passada, Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. Sobre a situação da Corte, afirmou:
– De repente nós todos enlouquecemos e não descobrimos ainda (…) Estamos (STF) caminhando rapidamente para virar uma instituição de galhofa.
Ele mencionou ainda que se o Congresso não pudesse alterar propostas que são encaminhadas pelo Judiciário e pelo Ministério Público, não haveria margem, por exemplo, para discutir o orçamento dos tribunais. A proposta de orçamento do STF é elaborada pela própria Corte e submetida ao Executivo e Legislativo.
– Se não (puder alterar a proposta) já valia a decisão. Imagine nos projetos de iniciativa do STF ou do STJ teria que aceitar o que viesse. (…) E por que estamos fazendo isso? Para preservar o projeto ou porque estamos interessados em preservar os nossos salários, os salários dos nossos filhos que estão empregados no Judiciário? É interesse da comunidade ou estamos tratando dos nossos próprios interesses? – criticou Mendes.
"Não sei se é água que estamos bebendo no tribunal"
Nesta quinta-feira, Mendes classificou a decisão de Fux como "tudo que não se faz em matéria de discussão". Questionado sobre a decisão, Mendes respondeu que o STF vive um "surto decisório", o que não corresponde à tradição do Supremo de ter cautela antes de interferir em conflitos.
– Não sei se é a água que estamos bebendo no tribunal – ironizou. – Estamos em tempos esquisitos – acrescentou o ministro.
Mendes, que é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ressaltou que o processo legislativo tem múltiplos mecanismos de controle, não cabendo interferências judiciais antes que se conclua todo o rito de tramitação dos projetos de lei.