Para especialistas, a recém sancionada lei que flexibiliza a abertura de créditos suplementares sem autorização do Congresso não teria impacto no processo de impeachment que cassou o mandato de Dilma Rousseff. Isso, porque remanejamentos no orçamento não podem descumprir a meta fiscal sem a aprovação de deputados e senadores.
No julgamento da ex-presidente, o Senado entendeu que houve crime de responsabilidade em razão de pedaladas fiscais e do fato de a petista ter editado em 2015 decretos que estavam descumprindo a meta da época. O aval do Congresso veio apenas no final do ano passado.
– Dilma remanejou sem consultar o Congresso. Ela fez o ato e depois pediu autorização. Se tivesse consultado primeiro e remanejado depois, não haveria o crime de responsabilidade – defende o tributarista Gil Vicente Gama, sócio do Nelson Wilians e Advogados Associados.
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Proposta por Dilma em abril, a lei foi sancionada na sexta-feira pelo deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que estava no exercício da Presidência da República. Segundo o texto, o governo pode reforçar, por decreto, até 20% do valor de uma despesa já prevista, mediante o cancelamento de 20% do valor de outro gasto. O limite anterior era de 10%. A mudança vale só para o orçamento deste ano.
Ministro da Advocacia-Geral da União no governo Dilma, Luís Inácio Adams diz que a nova lei não exime Michel Temer do aval do Congresso para remanejar em "desacordo" com a meta fiscal:
– Aumentar o percentual dá maior liberdade para remanejar despesas sem autorização do Congresso, mas não permite ampliar o gasto global do orçamento de 2016. Se colocar em risco o cumprimento da meta fiscal, deve ser pedida autorização.
Testemunha de Dilma no processo de impeachment, o tributarista Ricardo Lodi Ribeiro critica a mudança na lei. Em sua página no Facebook, registrou que a defesa da petista alegou que a abertura de crédito suplementar não violaria a meta de superávit, pois o decreto altera a programação do orçamento, e não a execução. Para Lodi, a aprovação da nova lei constitui reconhecimento pelo Congresso que admite a possibilidade de abrir crédito suplementar com base em superávit primário, mesmo quando a meta não está sendo cumprida.
Técnico e nada simples
O que é
Crédito suplementar é uma modalidade de crédito adicional com o objetivo de reforçar uma dotação orçamentária já existente. Precisa ser autorizado por lei (aval do Congresso) e aberto por decreto do Executivo.
As diferenças
Além do suplementar, há outros tipos de crédito adicional: o especial e o extraordinário. O especial visa atender a uma necessidade não contemplada no orçamento e depende de autorização legislativa. O extraordinário pressupõe situação de urgência ou imprevisão (como guerra ou calamidade pública) e é aberto por decreto do Executivo, que informará imediatamente o Legislativo.
O impeachment
Dilma Rousseff foi considerada culpada por crime de responsabilidade em razão de atrasar transferências do Tesouro Nacional ao Banco do Brasil relacionadas ao Plano Safra (as chamadas pedaladas fiscais) e assinar três decretos de crédito suplementar sem autorização do Congresso e em descumprimento da meta fiscal em vigor.
Quais são
Os três decretos editados em julho e agosto de 2015 são em favor dos ministérios da Educação, da Previdência, do Trabalho e da Cultura (R$ 1,701 bilhão), de diversos órgãos do poder Executivo (R$ 29,8 milhões) e de órgãos do Executivo e do Judiciário (R$ 600,3 milhões).
O problema
O remanejamento de crédito suplementar precisa estar dentro da meta de superávit primário. Mas o pedido para alterar essa meta só foi enviada depois da edição dos decretos e aprovada em dezembro de 2015. A defesa de Dilma ponderou que a situação estava legal dentro do orçamento fechado no fim de dezembro. Mas a maioria dos senadores não concordou.
Nova regra
Na semana passada, Rodrigo Maia, no exercício da Presidência da República, sancionou lei que flexibiliza as regras para abertura de crédito suplementar sem necessidade de aval do Congresso. O governo pode reforçar, por decreto, até 20% do valor de uma despesa no orçamento de 2016, mediante o cancelamento de 20% do valor de outros gastos. Antes, o limite era de 10%. A lei não permite ampliar o gasto global do orçamento de 2016. Ou seja, só será possível fazer o remanejo sem autorização do Congresso se a mudança não estourar a atual meta fiscal – déficit de R$ 170,5 bilhões.
Conclusão
A nova lei não influiria sobre o crime de responsabilidade julgado pelos senadores.