Com a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a presidência da República, o próximo passo no rito democrático é a transição entre governos. O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) terá reunião na quinta-feira (3) com o ministro de Bolsonaro Ciro Nogueira (Casa Civil) no Tribunal de Contas da União (TCU) para discutir a formalização e o início do processo de transição de governo. O ex-governador de São Paulo é o coordenador da equipe de transição.
Os próximos dois meses costumam ser marcados pelo diálogo entre o atual governo, o Congresso e a próxima gestão federal. O prédio do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), em Brasília, será cedido para as equipes trabalharem. Mas o tempo é curto devido ao amplo leque de assuntos envolvendo este processo.
O principal deles, neste novembro de 2022, é o orçamento anual, pois todas propostas que serão feitas pelo futuro presidente precisam caber dentro dela. O texto que é analisado pelo Congresso, no entanto, foi enviado pelo atual presidente Jair Bolsonaro (PL) ainda no final de agosto.
A previsão é de que o texto seja votado até 16 de dezembro, mas disputas políticas costumam jogar esse prazo para frente. Os principais limitadores para 2023 são dois: o teto de gastos – valor que não deveria ser excedido, mas que já foi recalculado cinco vezes nos últimos quatro anos – e as emendas parlamentares direcionadas aos relatores – o polêmico e volumoso Orçamento Secreto.
O relator do orçamento no Congresso, senador Marcelo Castro (MDB-PI), afirma que dificilmente haverá dinheiro suficiente para todas as propostas de Lula. Segundo ele, os parâmetros atuais do Orçamento que foi encaminhado por Bolsonaro e o ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Congresso não comportariam as promessas do presidente eleito.
— Tem várias coisas que o Lula prometeu que temos de avaliar se será feito agora ou depois — disse, em entrevista nesta quarta (2).
Entre os temas a serem debatidos pela equipe de transição e o Congresso nos próximos dois meses, os mais impactantes podem ser resumidos nestes quatro pontos a seguir.
Revisão do orçamento
Um déficit de até R$ 435 bilhões pode ser encontrado pela equipe econômica do presidente eleito para o primeiro ano de seu terceiro mandato. Lula, Alckmin e os ministérios precisam encaixar seus projetos dentro da responsabilidade e limites que herdarão da atual política econômica. Na melhor das hipóteses, o orçamento arrancará em R$ 175,2 bilhões negativos, de acordo com números do Ministério da Economia.
Em agosto, antes do Auxílio Brasil de R$ 600 ser prometido por Bolsonaro durante a campanha, a equipe econômica do ministério de Paulo Guedes afirmava que já não havia espaço para aumentar os gastos. Os três meses seguintes extrapolaram esta limitação, fazendo com que o orçamento de 2023 possa começar com um buraco com tamanho equivalente a 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) de 2022, caso todas as promessas de Lula sejam executadas em um cenário pessimista projetado por especialistas.
Aumento real do salário mínimo de 1,3% ou 1,4%
Com este cenário de gastos bilionários, Lula e os seus precisarão encontrar alternativas para entregar o reajuste do salário mínimo. Aumentar o índice em 1,3% depois de um mandato inteiro de mais inflação do que reajuste é mais um dos desafios econômicos que o futuro ministro vai encarar a partir de janeiro. A estimativa deste reajuste veio nas palavras do coordenador do governo Lula para o orçamento, o senador eleito Wellington Dias (PT-PI). Ele afirmou, nesta quarta-feira (2) que a previsão da próxima gestão é de um ganho real (acima da inflação) de 1,3% ou 1,4% no salário mínimo em 2023.
Caso o salário mínimo determinado por Bolsonaro para 2022 tivesse sido ajustado mês a mês junto com a inflação, os R$ 1.212, de 1º de janeiro já teriam virado R$ 1.261,57 ao final de setembro.
Assim, o salário mínimo projetado pelas promessas de Lula chegaria a R$ 1.277,97, considerando a inflação, calculada pelo Índice de Preço ao Consumidor Amplo (IPCA), que gira em torno de 4% até a semana do segundo turno da eleição, e os 1,3% de chamado “aumento real”.
Auxílio Brasil de R$ 600
O benefício que surgiu em meio a pandemia e substituiu o Bolsa Família foi ampliado por Bolsonaro e deve seguir com Lula. O senador Wellington Dias (PT-PI), responsável pelo orçamento na transição, projetou a manutenção do Auxílio Brasil no valor de R$ 600 a partir de 1ª de janeiro de 2023. O tema era uma das principais respostas do atual presidente aos questionamentos sobre igualdade social em debates, e é tratado com atenção pela equipe da próxima gestão.
O Auxílio Brasil deve ser um dos principais assuntos da reunião marcada para a quinta-feira (3) com o relator do orçamento de 2023 no Congresso, o senador Marcelo Castro (MDB-PI), com a participação de Alckmin. Assim como todos projetos sugeridos pelos presidentes desde o fim da Ditadura Militar, o sucesso e realização de cada uma delas caberá ao congresso e à negociação entre executivo e legislativo.
Correção da tabela do IR
Antes mesmo da campanha eleitoral de 2022, as cobranças de imposto sobre a renda do brasileiro são debate entre especialistas em economia. Taxar grandes fortunas ou cobrar um percentual sobre os dividendos gerados pelo lucro de empresas que dividem seu patrimônio com acionistas na bolsa de valores são temas que foram citados por candidatos à presidência.
Lula, o futuro presidente, prometeu isentar da cobrança do Imposto de Renda de quem ganha até R$ 5 mil de salário mensal. Isso causaria um aumento significativo no rombo do orçamento, pois diminuiria a parcela da arrecadação que vem do fisco. Quem alerta é o próprio relator dele, o Senador Marcelo Castro (MDB-PI).
— O Lula disse que vai isentar o Imposto de Renda das pessoas que ganham até R$ 5 mil. Isso dá uma perda de R$ 21,5 bilhões. Estamos tratando de algo perto de R$ 100 bilhões (no total) — ilustra.
Desoneração de combustíveis
Após subir a patamares recordes de preço na história recente, os meses de setembro e outubro registraram queda no preço da gasolina, álcool, diesel e gás veicular. O barateamento foi fruto da diminuição de impostos, medida emergencial feita por Bolsonaro e aprovada pelo Congresso no começo da campanha para reeleição. Tal redução causaria, de acordo com o atual texto considerado, uma perda de R$ 52,9 bilhões em arrecadação de tributos nacionais.