Em um formato que garantiu uma hora de confronto livre e direto entre os dois concorrentes à Presidência, Jair Bolsonaro (PL) e Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fizeram neste domingo (16) um debate marcado por acusações recíprocas de mentira e discussões envolvendo temas como educação, saúde e corrupção.
O petista procurou explorar pontos frágeis do atual governo no combate ao coronavírus e na condução da economia, enquanto a estratégia do atual presidente foi vincular as gestões anteriores à corrupção. O embate organizado por Grupo Bandeirantes, TV Cultura, UOL e Folha de S.Paulo começou às 20h, foi dividido em três blocos e contou com os dois adversários circulando livremente pelo palco enquanto divergiam.
Na primeira etapa, Lula e Bolsonaro tiveram meia hora de confronto direto, cada um com 15 minutos, para abordar temas como educação e saúde, mais especificamente o combate à pandemia, e corrupção.
Lula ostentava na roupa um broche de campanha contra violência sexual infantil — referência velada à polêmica surgida nos dias anteriores em razão de uma frase do atual presidente sobre ter "pintado um clima" ao conversar com adolescentes venezuelanas. O PT levou o tema à propaganda política, enquanto Bolsonaro argumentou que sua declaração não tinha conotação sexual e conseguiu a remoção da propaganda petista por meio de recurso ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O petista lembrou investimentos de seu governo em universidades e escolas técnicas, e questionou o candidato do PL sobre quantas instituições desse tipo criou. Bolsonaro preferiu partir para o ataque, lembrando que o Auxílio Brasil elevou os repasses em comparação ao Bolsa Família criado pelo PT, e criticou declarações de Lula de que o brasileiro voltaria a tomar cerveja e comer picanha em um novo governo seu.
— O senhor não fica vermelho com essas promessas mirabolantes? — afirmou o atual presidente.
Lula disse que elevou em 74% o valor do salário mínimo em seu período e repetiu a pergunta. Bolsonaro respondeu que ofereceu anistia de até 99% a dívidas estudantis, enquanto o petista acabou respondendo a própria questão ao afirmar que lançou 18 universidades contra uma do atual governo. Na questão seguinte, o petista alegou falhas na gestão da pandemia por Bolsonaro, que teria levado a atraso na compra das vacinas e a uma média de óbitos superior à média mundial:
— O senhor não carrega nas costas o fato de ser responsável por pelo menos 400 mil mortes pela covid no Brasil?
Bolsonaro acusou Lula de "mentir" e referiu que o Ministério da Saúde comprou mais de 500 milhões de doses. Por diversas vezes, o atual presidente acusou o petista de mentir em relação a acusações como descaso na gestão da pandemia.
Ao partir para o ataque, o atual presidente acusou Lula de ter acordo com Marcola, líder do PCC, para que o criminoso não fosse transferido de prisão no passado, e de o petista ter visitado recentemente comunidades cariocas sem presença policial e "rodeado só por traficantes":
— O senhor esteve no Complexo do Salgueiro. Não tinha segurança. Só traficante.
O petista contra-atacou mencionando ligações do adversário com milicianos, disse que construiu cinco presídios de segurança máxima e que não se deve estigmatizar as favelas e comunidades pobres como zonas habitadas apenas por criminosos. Também atribuiu a pecha de "mentiroso" ao concorrente.
— Quem era bandido, com mais de cem armas, era um vizinho seu. Acha que bandido só vive onde vive pobre? — afirmou Lula, em referência a uma apreensão de 117 fuzis feita no mesmo condomínio onde vive o presidente em 2019.
O bloco terminou com o presidente criticando a demora do PT para concluir a transposição do Rio São Francisco:
— A transposição era para ter acabado em 2010. Não acabou porque houve uma onda de corrupção no país. Nós pegamos uma obra parada há quase 10 anos. O senhor negou água para os nordestinos.
Em outro momento de maior agressividade, Lula afirmou que Bolsonaro era "cara de pau" pela afirmação:
— Se tem alguma que tem cara de pau é a cara de pau desse cara. Eu fiz 85% da obra. E ele vai lá e termina — disse, para depois afirmar que o atual governo assumiu com 88% dos trabalhos concluídos.
Bolsonaro observou que, se faltavam apenas 12%, poderia ter sido entregue ainda na época da ex-presidente Dilma Rousseff (que sofreu impeachment em 2016).
No segundo bloco, as perguntas foram feitas pelos jornalistas dos veículos que integram o pool de emissoras. Em relação a fake news e mentiras, um dos temas principais do encontro, Lula disse que o TSE já barrou 36 falsidades da campanha do adversário, e Bolsonaro lembrou que o mesmo órgão proibiu uma propaganda petista por vincular seu nome à pedofilia.
Josias de Souza, colunista do UOL, disse que a gestão petista comprou o chamado centrão com o petrolão, e a atual administração por meio do orçamento secreto, e perguntou o que cada um faria para evitar a repetição dessa prática.
— Não tenho nada a ver com o orçamento secreto — sustentou Bolsonaro.
Lula se comprometeu a recriar a experiência do Orçamento Participativo, iniciativa que foi pioneira no país em Porto Alegre.
No terceiro e último bloco, os mediadores retornaram para fazer perguntas direcionadas aos dois adversários, seguidas por novo confronto direto. Bolsonaro voltou ao tema da corrupção na Petrobras para dizer que foi o “maior esquema” do planeta. O petista citou que os investimentos do PT na Petrobras permitiram explorar o pré-sal e levaram a uma capitalização de R$ 70 bilhões da empresa.
— Se houve corrupção na Petrobras, prendeu quem roubou, acabou. E só se descobriu porque houve investigação, não fizemos sigilo de nada — respondeu o ex-presidente.
Em seguida, lado a lado, voltaram a trocar acusações ao falar sobre corrupção:
— Pare de mentir — disse Bolsonaro.
— Você que mente — respondeu Lula.
Nos últimos minutos, o petista acusou o candidato do PL de descaso com o ambiente. O presidente disse que houve desmatamento na gestão petista e alegou que o adversário é amigo de ditadores como Daniel Ortega, da Nicarágua.
O formato mais livre evitou a sucessão de pedidos de direito de resposta vista em encontros anteriores. Apenas uma solicitação foi concedida a Lula. Ao final das perguntas e do confronto direto, após quase duas horas de discussão, a última etapa do encontro teve as considerações finais de ambos. Bolsonaro ainda chegou a pedir um direito de resposta após ser chamado de "pequeno ditadorzinho" pelo concorrente do PT em sua última manifestação. O pedido não foi aceito pelos organizadores do evento.