A disputa entre o petista Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição pelo PL, arrastou a Igreja Católica para o centro do debate eleitoral neste segundo turno. Marca da primeira fase da corrida presidencial com foco nos evangélicos, a busca pelo voto religioso mira agora todos os cristãos.
Autoridades eclesiásticas tiveram de ir a público pedir "calma", "discernimento" e "respeito" entre os fiéis, em meio às divergências e à polarização. Ao mesmo tempo, há radicalização de discursos em favor do atual mandatário ou manifestações de apoio ao ex-presidente.
Padres, como Paulo Ricardo, da Arquidiocese de Cuiabá, disseram que o momento eleitoral configura uma "luta espiritual" contra o satanás, o aborto e o comunismo. O arcebispo de São Paulo, dom Odilo Scherer, por sua vez, teve de explicar por que usa vestes vermelhas — a cor dos cardeais —, marcou posicionamento contra a interrupção da gravidez e chegou a alertar para os riscos do fascismo.
"Tempos estranhos esses nossos! Conheço bastante a história. Às vezes, parece-me reviver os tempos da ascensão ao poder dos regimes totalitários, especialmente o fascismo. É preciso ter muita calma e discernimento nesta hora!", escreveu no Twitter.
Para Vinicius do Valle, doutor em Ciência Política pela USP, especialista em religião e pesquisador do Observatório Evangélico, a atual eleição é o momento de maior tensão política para a Igreja Católica desde a redemocratização.
— Não por escolha, mas porque ela foi empurrada. A Igreja Católica não tem manifestações de apoio a um candidato e, sim, posicionamentos mais ideológicos, que ora se alinham com um (candidato), ora com outro — afirmou Valle.
Agendas
Na segunda-feira (17), Lula, Bolsonaro, o vice na chapa do candidato à reeleição, general Walter Braga Netto, além da primeira-dama Michelle e da senadora eleita Damares Alves (Republicanos-DF), que são evangélicas, marcaram presença em eventos católicos.
O time de Bolsonaro foi à Noite de Clamor pelo Brasil - Terra de Santa Cruz, em um ginásio em Brasília. Padre Kelmon (PTB), candidato derrotado no primeiro turno e que não tem ligação com a Igreja de Roma, estava presente.
Com representantes católicos de Estados como Goiás e Minas, além do Distrito Federal, o ato foi uma tentativa de mostrar apoio dos católicos. O deputado Eros Biondini (PROS-MG) atuou como chefe da cerimônia e anunciou que era o momento "de retirar satanás".
— Os demônios sairão de nossas vidas pelo jejum e pela oração. Estamos levantando um grande clamor pelo nosso país — afirmou.
À tarde, o petista recebeu o apoio de cerca de 200 religiosos, em São Paulo, entre padres, freiras e frades. No encontro com clérigos, Lula reforçou acenos ao eleitorado católico e prometeu manter diálogo aberto com a Igreja.
— Eu nunca tinha visto o Brasil tomado pelo ódio como uma parte da sociedade brasileira está hoje — afirmou. — Tenho lido notícias de padres atacados porque estão falando da fome, da pobreza, da democracia — disse o petista.
Embora critique a exploração da fé, o ex-presidente recebeu bênçãos de um sacerdote católico diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida.
Alerta
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) já se posicionou em nota na qual reprova a atitude dos candidatos de vincular o voto à religião. No texto divulgado na terça-feira passada, na véspera das festividades de Nossa Senhora, a entidade afirmou que a união da fé com política "desvirtua valores do Evangelho e tira o foco dos reais problemas que precisam ser debatidos e enfrentados no país".
No dia seguinte — feriado da padroeira —, os episódios de tensão política entre católicos passaram a ser registrados. Bolsonaro esteve no Santuário Nacional em Aparecida, o que levou apoiadores ao local. Houve relatos de vaias durante a homilia do arcebispo dom Orlando Brandes, discussão com padres e hostilidades a profissionais de imprensa.
— O que aconteceu em Aparecida foi muito chocante porque é uma profanação do espaço sagrado, que é quase intocável, em que não se pode brincar — afirmou o cientista social Leon Souza, que monitora redes católicas na organização Casa Galileia.
— Isso nunca aconteceu em Aparecida, e não me lembro de ter acontecido em outro evento religioso. Mostra que a violência vai avançando, inclusive em um espaço sagrado, em torno da fé.
Nas redes sociais, neste segundo turno, foram 3 milhões de interações — curtidas, compartilhamentos e comentários —, em 13 mil publicações sobre episódios que envolveram a fé católica e a política brasileira no Facebook e Instagram, segundo dados do CrowdTangle. O pico foi registrado justamente no dia 12 de outubro, quando ocorreram 731 mil interações.
Embates
Durante uma missa em Fazenda Rio Grande (PR), também no dia 12 de outubro, um padre foi interrompido durante a homilia. Uma fiel pergunta se ele é a favor do aborto, da ideologia de gênero e se estaria pedindo votos para Lula.
"Cansei de abrir espaço para católicos superpolitizados, irados e insatisfeitos com nossa Igreja. Estou me retirando até o dia 31 (de outubro)", escreveu Padre Zezinho, na redes sociais. "Já escolheram ser catequizados por dois poderosos políticos brasileiros", afirmou. "Querem um Brasil direitista ou esquerdista."
Para quase 60% da população, a religião é importante na hora do voto, de acordo com pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira passada. A religiosidade dos católicos, no entanto, é mais flexível, disse Rodrigo Toniol, professor de Antropologia e coordenador do grupo de pesquisa Passagens, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
— Católicos se alinham com os princípios cristãos e práticas que acreditam na Igreja. Já evangélicos têm de praticar de maneira ortodoxa, indo a cultos, se envolvem na comunidade e acabam sendo mais suscetíveis a opiniões políticas de grupo — disse.